Memoria hydrografica das ilhas de Cabo Verde - Francisco Cabral


Francisco António Cabral

Memoria hydrografica das ilhas de Cabo Verde / para servir de instrucção a carta das mesmas ilhas, publicada em o anno de 1790

Nota de editor: Devido à quantidade de erros tipográficos existentes neste texto, foram tomadas várias decisões quanto à versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrará a lista de erros corrigidos.

Rita Farinha (Junho 2011)

MEMORIA HYDROGRAFICA DAS ILHAS DE CABO VERDE, PARA SERVIR DE INSTRUCÇÃO Á CARTA DAS MESMAS ILHAS, PUBLICADA EM O ANNO DE 1790

Esta Memoria só tem por fim mostrar ao Público o conceito, que da minha Carta se póde fazer; e por isso eu desde já começo com este objecto.

Não me tem sido possivel encontrar Carta, ou Roteiro, de que podesse tirar algumas instrucções, para corrigir esta Carta; e antes me assegurão os Pilotos, e mais pessoas, que navegão para as mesmas Ilhas, que a minha Carta he a mais correcta: e com effeito parece que só estes he que podem decidir da sua exacção.

Parece-me ouvir o Leitor dizer: «Esta Carta foi declarada por menos exacta, que a de Mr. d'Aprés em 1799 por huns Academicos Portuguezes, se me não engano: cujas razões frivolas erão, 1.º porque ella differia muito nas configurações de algumas Ilhas, da Carta d'Aprés; 2.º porque os meios usados pelo Author não erão bem entendidos; 3.º porque a derrota aconselhada na mesma Carta era differente da que seguio d'Aprés, &c.»

He verdade que assim foi, com pouca differença; mas tambem he verdade, que foi daquellas noticias de Gazeta, que requerem confirmação.1

O Leitor prudente, e imparcial verá que eu demostro com toda a evidencia, em como a minha Carta he mais correcta, que a de Mr. d'Aprés: e a derrota, que aconselho, a mais segura, e a que seguem os Práticos daquellas Ilhas; e por consequencia, que os taes Academicos se enganárão miseravelmente, ou então entendião muito pouco desta materia.

Começamos por hum ponto principal, e que logo dá nos olhos dos que sabem a Geografia daquellas Ilhas. Pergunto, quantos ancoradouros, ou pórtos dá a Carta de d'Aprés na Ilha brava? nenhum, como se póde vêr. Quando elle ha tres, que são, o da Furna da banda de Leste na cabeça do Norte da Ilha; e he hum excellente porto para oito, ou dez Navios pequenos no tempo das brisas, ou da monção. O porto do Feijão da agua da banda de Oeste tambem na cabeça do Norte; O porto do Ferreiro, que fica para o Sul deste: nestes dous pórtos costumão varios Navios Estrangeiros fundear no tempo das aguas, ou de inverno; e no do Ferreiro até se póde ancorar no tempo das brisas, e com Navios maiores; e não he necessaria tanta prática para entrarem nestes dous pórtos, como para entrarem na furna.

Ora parece não ser pequena emenda o augmento de tres pórtos, dois dos quaes podem ser de de grande utilidade pata arribarem alguns Navios por occasião de necessidade, taes são o do Ferreiro, e de Feijão da agua.

Não fica só nisto a emenda da Ilha brava: esta Ilha na Carta de Mr. d'Aprés he comprida, e lançada do Noroeste ao Sueste, e rodeada de perigos, sendo ella quasi redonda, e o maior comprimento do Norte ao Sul, e livre de perigos: pois só tem os Ilheos chamados de cima, e de baixo, como se vê na minha Carta; e estes mesmos não são cercados de perigos, e só tem algumas restingas de arêa com pouco fundo. Em quanto aos meios de que me servi para tirar a planta desta Ilha, são mais que sufficientes para o uso da Navegação: e até me atrevo presentemente a propôr hum bom premio para os que repugnárão os ditos meios, se me mostrarem outro methodo mais exacto, e mais simples, usando dos mesmos aprestimos, e em iguaes circumstancias: eu os omitto aqui por me livrar de maior despeza.2 Mas posso affirmar que se eu podesse tirar a planta das outras Ilhas, como tirei a desta, a minha Carta seria huma das mais exactas. E em quanto ás outras, que tambem emendei, servi-me dos meios, de que se servem todos os Navegadores, andando á véla: e talvez os Mathematicos, que notárão a minha Carta por menos exacta, que a de d'Aprés, não fizessem com huns poucos de mil cruzados de despeza, o que eu fiz por patriotismo, e curiosidade (e a experiencia o tem mostrado): o Leitor Sabio dirá, sendo isto assim, como na verdade o he; porque senão hão de louvar os trabalhos, que varios homens de genio offerecem gratuitamente? eu lhe respondo sem talvez me enganar muito; porque algumas vezes succede dar-se o premio ao que critíca huma Obra, em lugar de dar-se ao que a fez sem tenção de interesse, e como he incomparavelmente mais facil dizer mal de huma Obra, do que fazer outra tão boa, ou melhor, sempre ha de ser muito maior o número dos zoilos, do que o dos homens úteis: mas vamos ao nosso objecto.

Tem visto o Leitor, que a Ilha brava pintada na minha Carta, he a bem dizer huma nova Ilha comparada com a que vem na Carta de d'Aprés; sem que por isto se diminua o crédito de d'Aprés, pois elle nunca foi a tal Ilha, e só a veria de longe, bem como Mr. Fleurieu , e Verdum; cujos Navegadores forão tão sómente á Villa da praia na Ilha de S. Tiago.