Brincadeiras Do Desporto - Marco Fogliani 2 стр.


Espera: quem nos garante de que não vai acontecer de novo? Objetou Ricardo.

Raul parou para refletir. Tens razão. Poderia acontecer ainda. Talvez é melhor que permaneçamos juntos por um instante. Mas procuremos de não deixar-se notar.

Com a gola levantada para esconder-se o mais possível, Raul caminhou junto com Ricardo, embuçado no cachecol branco-vermelho encontrado enrolado no bolso do capote, e escapuliram-se para fora do estádio evitando algum encontro possível. Uma vez salvo dos adeptos e jornalistas, Raul chamou um táxi.

Vamos para o centro: é melhor ficar longe daqui pelo menos algumas horas. Ou seja tenho uma ideia melhor.

Chamou alguém da equipa, talvez o treinador. Com um sotaque português mais marcado que evidentemente fazia parte da sua imagem pública, mas que querendo podia atenuar referiu algo de um seu primo que viera para Roma, e advertiu que voltaria para a sede com meios próprios.

É verdade que veio um teu parente ao teu encontro?, Procurou saber o Ricardo no fim da chamada.

Sim: és tu o meu primo de quem falava. És muito credível neste papel, não é verdade? Brincadeiras a parte, todos os meus parentes estão em Brasil. É mais de um ano que vivo sozinho na Itália; mas gosto muito deste país.

Sentes falta do teu pai e da tua mamã?

Sim, bastante; também dos meus irmãos e as minhas irmãs, cinco no total. Mas não me esqueço deles. Todos os meses mando-lhes um pouco de dinheiro. Aqui eu ganho bem, e em Brasil sobrevive-se com pouco.

Aqui está um táxi, deve ser o nosso.

Há um bom hotel onde paro sempre quando venho aqui. Poderíamos ir para lá, se quiseres, propôs Raul.

Por acaso gostas de cinema? Venho de um exame, e queria distrair-me um pouco este fim da semana. É por isso que vim para o estádio, embora dizendo a verdade nem tanto consegui relaxar-me.

Meteram-se em risos os dois.

Está bem. Podes escolher tu o filme e o cinema, melhor se for um pouco longe daqui. É uma ótima ideia, assim ficaremos no escuro e longe das vistas.

Subiram o táxi, que no entanto tinha chegado, e Ricardo deu indicações ao motorista.

Saíram do cinema que estava escuro. O filme tinha sido lindo.

Disseste que acabaste de fazer um exame? Perguntou Raúl.

Ricardo consentiu.

É curioso. Exatamente na noite passada sonhei a fazer um exame. Foi quase um pesadelo para mim que fiz alguns anos de escola primária. Quando despertei tinha a cabeça que explodia.

Ricardo repensou no seu sonho estranho de alguns dias atras, quando tinha despertado com as pernas doridas.

Mas foi um pesadelo mau, continuou Raul, reencontrar-me na bancada entre os adeptos que desejavam mal e pragas de todo género contra ti; ou seja, contra mim. Foi mesmo humilhante. Espero que aqueles não sejam teus amigos, e que não sejas como eles.

Alguns os conheço um pouco. Mas estejas tranquilo: eu não sou como eles. Ou melhor, sou um teu grande admirador. Quem sabe, talvez é por isso que aconteceu o que aconteceu. A propósito: tenho uma ideia. Vens um instante para a minha casa: vou-te mostrar algumas coisas interessantes.

A morada do Ricardo ficava ali perto. O seu pai estava em casa e quando os viu perguntou espantado: quem de vocês os dois é meu filho?

Sou eu, papá, respondeu Ricardo. Hoje no estádio havia um concurso para o melhor sósia da Raul Francisco. É por isso que os meus amigos me levaram. Eu e ele conseguimos vencer tão bem com mérito, com um premio de duzentos euros para cada um, acrescentou Ricardo quase admirando de como consegui inventar boas petas, já que nunca o tinha feito.

Certo, certo. São bem-vindos. Em relação àquilo que é o custo dos teus livros!; pois, dirigindo-se a Raul: contamos contigo para o jantar?

Com todo o gosto, respondeu-lhe com o seu melhor sotaque português.

Ricardo deixou entrar Raúl no seu quarto. Tirou de uma gaveta algumas folhas dobradas, e começou a abri-las estendendo-as na sua cama.

Este és tu, disse-lhe à medida que estendia os seus pósteres, e também este, e mesmo aquele outro. Reconheces?

E como é que conseguiste conservá-los? Nem a minha mãe em casa dela possui assim tantas minhas fotos.

Deram-mos quase sempre os meus amigos alguns os viste hoje no estádio para fazer-me ver o quanto nos assemelhamos. E depois tenho todos estes artigos de jornais e revistas que falam de ti. Mas na maioria dos casos dizem asneiras, quanto a mim; coisas sem importância e talvez nem sequer verdadeiras.

Raul tornado curioso leu alguns em silêncio, de vez em quando emitindo alguns breves e expressivos comentários. Mas de repente parou de ler e largou tudo.

À tua coleção penso que deverias juntar um outro pedaço importante. Abriu o seu saco e tirou a camisola de jogo branco-verde, ainda malcheiroso de suor.

Também usaste-a tu um pouco, pois ta mereces plenamente. E poderás dizer que é original, não uma réplica como muitas.

Ricardo esteve de acordo. Começou a revistar dentro das suas gavetas. Ancho que tenho um marcador indelével em algum lugar. Assim poderias dar-me um autógrafo e talvez também uma dedicatória, se não te importas.

Está bem, respondeu Raúl. Pegou o marcador do caos da escrivaninha e começou a assinar os pósteres. Mas, se quiseres o meu parecer, esta camisete tens de lavá-la e começar a usá-la um pouco mais com frequência. Para jogar a bola, naturalmente: vi que tens realmente muito que aprender. E se o meu autógrafo descorar-se deixa-me a par da situação: a próxima vez que passo daqui o farei de novo.

Gostaria que fosses tu a ensinar-me a jogar, respondeu Ricardo.

Temo que não possa ser possível. Os meus compromissos ficam muito longe daqui. Enfim amanhã à tarde devo estar com a equipa para a visita médica e os treinos.

Posto o fim com os autógrafos, Raúl começou encantado a olhar por curiosidade no quarto entre tantos e desarrumados livros de Ricardo.

São teus todos estes livros?

Sim, naturalmente.

E leste-os todos?

Todos. Algum mais que lido estudei-o. Algum dizendo a verdade devo-o ainda estudar.

Deve ser bonito como passatempo. Na minha casa livros não haviam. Apenas aqueles para aprender a ler e escrever que nos passamos de um ao outro. Enquanto falava, evidentemente à vontade, aflorava ligeiramente de novo o seu simpático sotaque português. Agora os mais novos podem estudar de mais, também graças à minha sorte. Mas a minha sorte é devido também a isso: em casa não havia quase lugar nem para nós, e estavam todos contentes de que nós podíamos ir jogar fora. E eu jogava a bola todo o dia, por aí: voltava para casa apenas para dormir e comer. Divertia-me, e era também genial, como podes imaginar.

Marco Fogliani

Tradução de Aderito Francisco Huo

índice

  O CAMPEÃO E O ESTUDANTE

  PAISAGEM IMPRESSIONANTE

  A PARTIDA SUSPENSA

  O FUTEBOL DE HOJE EM DIA NÃO É COMO DANTES.

  LOJAS DE ARTIGOS DE FUTEBOL

  O VELHO MOTOR

  A VOLTA EM BICICLETA

  A ESTRANHA CHUVA

  TRÊS DE DOIS

O CAMPEÃO E O ESTUDANTE

Compreendeste a questão? Rapaz: estás a ouvir-me?

Ricardo parecia ausente, completamente indiferente ao que lhe estava dizendo o professor cuja à presença encontrava-se sentado para enfrentar um exame universitário.

Eh, rapaz: estou a falar contigo.

O tom da voz estava a subir, sinal de que o docente estava a perder a paciência; mas a jovem assistente interveio em defesa do estudante.

Por favor, não levantes a voz, professor. Uma vez tive que tratar com uma rapariga que sofria de uma forma ligeira de epilepsia. Ela também tinha uns momentos em que a mente ficava como estivesse ausente. Dizem que nestas situações a melhor coisa é esperar que eles recomponham-se. Deixa-lhes uns cinco minutos para recompor-se. Conheço-o bem, efetuou todos os exercícios e me parece um rapaz muito preparado: não é possível que não conheça esta particularidade básica.

Está bem. Se tem algum problema de saúde, ajudamos-lhe; mas não vai escapar se eu descobrir que está a gozar comigo. Seja como for não temos tempo a perder. Os examinandos são muitos. Passo para um outro rapaz, depois de ter terminado vamos ver como se sente.

A assistente permaneceu sentada perto do Ricardo chamando-o suavemente pelo apelido, e depois pelo nome, e pouco depois conseguiu obter a sua atenção.

Estás connosco? Agora te sentes bem?

Sim, direi que sim. Porquê? O que é que aconteceu?

Parecia estar algures. O professor falava e tu não lhe davas ouvidos.

Tens algum problema de saúde? Sei lá, já te aconteceu ter algum pequeno problema de amnesia momentânea?

Não, se não me engano. Ainda que ultimamente tive um sonho estranho. Sonhava que

Então, rapaz: sente-se melhor agora?, Interveio o professor que, vendo-o a falar, aproximara.

Sim, sinto.me melhor.

Estás apto para começar o exame? Dos seus sonhos, se quiser, podes falar com outro qualquer.

Sim professor, estou pronto.

A interrogação correu muito bem.

Dou-lhe trinta, mas se me prometes de estar de olho na sua saúde, propôs-lhe o examinador.

Ricardo consentiu.

O professor já tinha-se distanciado, enquanto a assistente prosseguia com o preenchimento da acta.

Se te é útil, posso dar-te o nome de um meu amigo, docente em medicina e especialista em problemas neurológicos. É muito bom, e opera seja em instituições públicas como privadas. Ricardo deu novamente sinal de sim com a cabeça.

Não subestimar este problema: poderia ter más consequências também no teu procedimento escolar. Tens uma ótima media, e estou convicto de que, se não tivesse sido a tua falsa partida, teria tido também o louvor hoje. És muito magnífico, tens os papéis em regra para aspirar algo no campo universitário: bolsas de estudo, mestrado, especializações. A propósito, se quiseres começar já a aprofundar esta matéria na ótica da tese, podes vir ao meu encontro quando for o caso: neste departamento trabalha-se bem, e sabemos estimar quem trabalha bem.

Ricardo arquivou também o exame com satisfação, preparando-se como de costume para alguns dias de descanso e despreocupações; contudo as palavras da assistente deixaram-no pensativo.

Refletiu não muito sobre a necessidade de deixar-se visitar (talvez se me acontece ainda; mas um professor de grande calibre sabe-se lá quanto quer, pensou), já sobre a oportunidade de começar a interessar-se à tese e a um futuro na universidade. Mas acima de tudo devia informar-se sobre as possibilidades de bolsas de estudo: sabia que para o papá era realmente um sacrifício fazê-lo estudar.

No domingo sucessivo estava já planificado que iria ao estádio em companhia. Não ia porque lhe parecia que custasse muito e porque não era tão adepto da equipa citadina como os seus amigos; mas desta vez a sua comitiva dispunha de um bilhete a mais. Adquiriram-no a um preço barato lhe disseram que era de um rapaz que não podia vir. Se tivesse aprofundado o assunto, Ricardo teria descoberto que fora um modo giro para festejar sem ferir o seu orgulho (porque dificilmente teria aceitado de vir sem pagar), e ao mesmo tempo realizar o seu desejo de ver ao vivo Raul Francisco, astro proveniente do futebol brasileiro.

Pena porque Raul Francisco não joga na nossa equipa, mas contra. Ai de ti se torcer para a equipa errada, lhe diziam os seus amigos gozando-o. Mas porquê vos perguntaria tanta curiosidade de ver em Acão tal jogador? Simples: porque todos diziam que Ricardo era muito parecido com ele. Até lhe acontecera que alguém o mandasse parar na rua e lhe pedisse um autógrafo, ou que lhe dissesse: genial, és forte!.

Nasceram no mesmo ano, embora em continentes diferentes.

E com um pouco de sorte poderia ter-me tornado também eu, pensava as vezes Ricardo. Talvez poderia também odiá-lo; e pelo contrário, vai compreender a mente humana, veio a ser o seu ídolo. Desde quando o tinha descoberto recolhia todas as fotos, todas as notícias que encontrava sobre ele.

Indo para o estádio sabia de coração que torceria para doze dos jogadores no campo, e para um mais do que os outros, também os seus amigos sabiam-no.

A noite antes da partida teve um outro sonho estranho. Lembrou-lhe algo, mas não contou para ninguém: zombariam de mim, pensou; será apenas a interiorização da emoção de ver o grande Raul.

Recordava-se de ter estado no avião, com a sua mochila desportiva e o fato de treino amarelo e azul como aquele de todos os outros passageiros. Depois vira-se na praia ocupado numa interminável partida da bola, bonita mas fatigante, durante a qual mais de uma vez tinha também marcado e recebera elogios seja dos colegas como dos adversários. Mas lembrava-se de mais do cansaço; tanto que quando despertou de manhã lhe parecia estar ainda a sentir as barrigas das pernas e as coxas dolentes.

Para dizer que Ricardo não jogava a bola, precisamente não era muito capaz.

No domingo à tarde encontrou-se na bancada com os seus amigos e outros adeptos que faziam um barulho contínuo e inimaginável. Depois de um quarto de hora do jogo o resultado não tinha mudado. Estava claro pois que o melhor, no meio campo, era próprio Raul Francisco. Ricardo queria incitá-lo e regozijar-se pelas suas proezas, mas encontrando-se circundado de adeptos branco-vermelho-cruzados, ou seja da equipa da casa, devia-se conter. Ainda mais, para zombar-se dele, os seus amigos vaiavam regularmente contra o campeão brasileiro de todas as vezes que tocava na bola, e incitavam os defesas a cometer faltas perigosas contra Raul.

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