Ela já ficara naquele banho por tempo suficiente e ele estava pronto para tentar novamente o interrogatório.
Caminhando sobre as tubulações, ele colocou a mão sobre a que ele queria e fechou os olhos, concentrando-se no medidor de temperatura do aquecedor de água. Seus lábios se descontraÃram em um sorriso satisfeito quando a camada de gelo apareceu sob seus dedos na tubulação de cobre. O grito que soou através do abrigo antiaéreo fez com que todos pulassem surpresos, exceto Ren.
No vapor do chuveiro, a temperatura da água tinha passado de escaldante para fria congelante em menos de um segundo, fazendo com que Lacey se encolhesse sob os jatos de água. No processo, ela deslizou pelo fundo escorregadio da banheira e tropeçou para fora, quase levando consigo a cortina do chuveiro.
"Lacey!", gritou Gypsy, apreensivamente.
Lacey desvencilhou-se da cortina de chuveiro e empurrou-a para o lado, grata porque ela não havia sido derrubada.
"Estou bem", gritou Lacey olhando para o chuveiro. "Você precisa de um novo aquecedor de água⦠a maldita temperatura simplesmente passou de escaldante para um frio congelante em menos de um segundoâ.
Gypsy franziu a testa do outro lado da porta, imaginando o que tinha causado esse efeito na água. Ela havia tomado um banho de hora logo cedo e a água quente estivera perfeita.
"Vou pedir ao Ren para verificar issoâ, replicou Gypsy através da porta fechada. "Ele tem um jeito de manipular as máquinas e fazê-las funcionar, mesmo depois que apresentaram algum defeito".
Lacey virou a cabeça e arregalou os olhos em direção à porta, ouvindo a explicação de Gypsy e soube imediatamente o que tinha acontecido.
"Isto significa guerraâ, sussurrou ela baixinho e, não tendo outra escolha, deu um passo para trás para sentir o jato dâágua congelante enxaguando do cabelo o restante do sabão.
Ren estava no andar de cima sentado no chão encostado na parede e com um largo sorriso no rosto. Momentos depois, ele ouviu passos na escada e não se preocupou em esconder o sorriso quando viu que era Nick.
"Eu sabiaâ, exclamou Nick em um sussurro forte. "Mas tenho que admitir⦠isso foi muito bomâ.
Ren deu um leve toque na tubulação fria ao lado dele: âEu realmente tenho meus momentosâ.
Nick deslizou a mão pelo cabelo: âEu devo tomar cuidado com dela⦠Gypsy acabou de dizer a ela que você leva jeito com as máquinasâ.
O sorriso de Ren ficou ainda mais largo: âBem, isso não é nenhuma vergonhaâ.
"Você está se divertindo demais", acusou Nick.
"Claro que estou", concordou Ren. "Agora vamos voltar a descer e ver se eu posso descobrir o que há de errado com o aquecedor de água irregular de Gypsyâ.
Nick irritou-se e balançou a cabeça quando Ren dirigiu-se novamente para o abrigo. Ele estava curtindo tanto o fato de que toda a atenção de Ren parecia estar concentrada agora em Lacey em vez de Gypsy.
Ren entrou na sala a tempo de ouvir o chuveiro parar de funcionar. Ele olhou para Gypsy, vendo que ela estava sentada no sofá com a testa franzida.
"O que há de errado?" perguntou Ren com uma expressão inocente.
"De repente, meu aquecedor de água parou de funcionar", explicou Gypsy e olhou para a porta do banheiro. "Lacey disse que ele ficou congelante em questão de segundosâ, e estalou os dedos.
"Deve ter enguiçado", disse Ren, fazendo com que Nick se virasse para evitar que Gypsy visse o sorriso largo no rosto.
Lacey estava tremendo quando saiu do chuveiro e enxugou-se rapidamente. Enrolando-se na toalha, ela caminhou até o espelho acima da pia e percebeu que estava com um aspecto bem melhor agora que não estava mais se escondendo sob uma camada de sujeira e roupas que eram grandes demais para ela.
Pegando a escova de cabelo de Gypsy, ela começou a passá-la pelos longos cabelos escuros. Virando-se, ela continuou a escovar o cabelo enquanto abria o grande baú⦠sorrindo quando viu todas as roupas que ela tinha deixado para trás. Ela lutou contra a vontade de tirar tudo lá de dentro e jogar no ar para depois poder rolar pelo chão sobre elas. Suas roupas⦠quanta falta lhe haviam feito.
Esticando o braço, ela tirou um vestido de cor lilás reluzente e um par de sandálias pretas e colocou-as sobre o tórax, juntamente com um conjunto de sutiã e calcinha da mesma cor. Virando-se para o espelho, ela terminou de escovar os cabelos e pôs a escova de volta sobre a pia. Sua cabeça inclinou-se para o lado admirando a pequena coleção de cosméticos que Gypsy tinha e aplicou um deles rapidamente, além de secar o cabelo.
Ela voltou a olhar para o espelho apenas para dar um suspiro ofegante, ao ver o mesmo sÃmbolo que estava em seu ombro, agora rabiscado junto com uma imagem preta acetinada, olhando para ela em vez de seu próprio reflexo. Um verdadeiro grito de terror escapou-lhe dos lábios quando a escuridão intensa atravessou o espelho em direção a ela.
Lacey cambaleou para trás e quase tropeçou no baú, na pressa para ficar fora do alcance da criatura. Suas costas bateram na parede do banheiro enquanto aqueles braços excessivamente longos continuavam a se aproximar dela e os lábios de aspecto sinistro se moviam em um ritmo que ela poderia dizer que se tratava de algum tipo de cântico.
Ela deu um pulo quando a porta do banheiro de repente abriu para dentro e Ren apareceu de pé na porta, com Gypsy logo atrás dele. Lacey ficou de olhos arregalados ao vê-los atrás pelo espelho e quis gritar novamente, frustrada, quando viu que a imagem em 3D do demônio havia desaparecido e uma fina camada de cristais de gelo agora cobria o espelho.
A respiração de Ren congelou em seu peito quando ele observou que ela se transformara de um menino de rua sujo para alguém de pele macia, cabelos limpos e sedosos e um corpo que o fez desejar estar no lugar do sabonete. Ele ouvira dizer que ela era bonita, mas novamente ele a havia subestimado. Sua visão instantaneamente focalizou na toalha que estava parcialmente aberta e expondo o lado de Lacey que estava voltado para ele, parando a uma curta distância do mamilo e do suave montÃculo.
Ele rapidamente forçou-se a desviar os olhos, seguindo o olhar dela no espelho e franziu a testa ao ver a camada de gelo que havia se formado ali. O espelho escolheu esse exato momento para rachar por conta da baixa temperatura, o som ecoando de forma sinistra no súbito silêncio.
Lacey arregalou os olhos ao ver o olhar desconfiado no rosto de Ren e rapidamente pensou em uma maneira de distraÃ-lo do espelho.
"Que diabos você pensa que está fazendo ao entrar assim pela porta do banheiro enquanto estou aqui dentro, seu pervertido?" ela gritou com ele, enquanto se arrumava e tentava consertar a posição da toalha.
"Pensávamos que você estava em apuros", ofereceu Gypsy suavemente por trás dele.
Lacey suspirou dramaticamente: âBem, como você pode ver, eu estou bem. Achei que tinha visto algo no espelho e foi só isso. Agora, se não se importam", ela bateu a porta na cara de Ren novamente. "Eu disse que você não conseguiria ficar sem me espionar", ela zombou dele através da porta.
"Se é isso que você dizâ, retrucou Ren estreitando o olhar. "Eu não fui o único que gritou com o próprio reflexoâ.
"Se é isso que você dizâ, retrucou Ren estreitando o olhar. "Eu não fui o único que gritou com o próprio reflexoâ.
"Ren", Gypsy advertiu-lhe e, em seguida, fechou a boca quando observou o olhar bastante determinado no rosto dele.
Lacey abriu a boca para gritar algo em resposta, mas fora forçada a conter-se totalmente. Ela declarara uma guerra pessoal sobre ele, mas jamais poderia achar qualquer coisa que valesse a pena dizer para conseguir superá-lo.
"Droga, ele é bom", sussurrou ela e, depois, voltou a olhar para o espelho nervosamente. Não mais se sentindo segura, ela começou a se vestir rapidamente.
Ren sorriu quando ouviu o elogio dela, mas isso não durou muito tempo, pois seus pensamentos se voltaram para o espelho e a estranha formação de gelo. Ele havia resfriado a água nos tubos, mas isso não teria afetado o espelho ou qualquer outro objeto do banheiro. Não... o grito dela tinha sido tão real quanto o medo que ele tinha visto no próprio rosto quando ele abrira a porta pela primeira vez.
Querendo dar mais tempo a Ren para ficar a sós com Lacey e esperançosamente acender a chama que ele poderia dizer que surgiu ali, Nick olhou a hora em seu celular e, em seguida, novamente para Gypsy: âVocê está pronta? São quase nove horas".
Os olhos de Gypsy iluminaram-se e ela sorriu para ele, ansiosa pelo seu primeiro dia de volta à atividade. Ela estava um pouco mais do que curiosa sobre como conseguiria convidar para sua loja seus clientes não-humanos, um de cada vez, quando entrassem em contato com a barreira criada por ela. Também ia ser divertido quando alguém que ela conhecera durante anos tentasse entrar e não conseguisse⦠revelando-se como um paranormal. Seja como for⦠o dia de hoje seria muito esclarecedor.
"Bem, isso deve revelar-se interessante. Estou feliz pelo fato de que os humanos normais podem entrar sem serem convidados ou então eu teria que ficar de pé na porta o dia todo como um anfitrião em Wal-Mart. "Bom dia! Por favor, você não quer entrar?" ela deu uma risada enquanto fazia um gesto de convite com a mão, fazendo brotar em Nick um sorriso malicioso.
Gypsy olhou para Ren por cima do ombro: âVocês dois combinam bem agoraâ. Ela subiu rapidamente as escadas antes que Ren pudesse dizer qualquer coisa para impedi-la.
Os lábios de Nick se contraÃram, mas ele também não disse nada, visto que Ren agora estava franzindo a testa de forma inquietante. Enfiando ainda mais as mãos no bolso, ele seguiu Gypsy no andar de cima para que ele pudesse pendurar a placa de Halloween que havia preparado. A maior parte pensaria que era apenas uma decoração de Halloween, mas simplesmente estava escrito: âTodos os Paranormais Devem Pedir Permissão antes de Entrar". Ele pretendia colocá-la na porta bem na altura dos olhos para que ela não passasse despercebida.
Ren esfregou o queixo enquanto olhava cuidadosamente para a porta do banheiro. Ele estivera certo em achar que Lacey tinha usado um spritzer de máscara aromatizada quando ela invadira o local na noite anterior. Agora que ela tinha lavado tudo aquilo durante o banho, ele poderia cheirá-la. A utilidade desse pequeno poder estava se revelando nele provavelmente a partir do jovem apaixonado que acabara de seguir Gypsy no andar de cima.
Ele podia sentir o cheiro do medo que tomava conta dela agora, juntamente com o som de sua respiração rápida, enquanto ela se apressava para se vestir. Ela havia mentido para ele novamente. Tudo o que ela tinha visto naquele espelho realmente a havia assustado e ele estava bem consciente de que não adiantaria nada perguntar a ela. Foi quando ele decidiu que isso já era o suficiente.
Tirando o telefone móvel, Ren discou mentalmente o número de Storm e aguardou, sorrindo quando ele ficou preso no meio do primeiro algarismo.
"Vou ver se consigo impedir Zachary por você", disse Storm e desligou abruptamente, antes de Ren pudesse ouvir uma palavra distorcida. Nem se sentiu intimidado quando os outros dois homens imediatamente apareceram com ele na sala de estar de Gypsy.
"Que diabos, Storm", queixou-se de Zachary enquanto ensacava a camisa desabotoada novamente nas calças. Ele ia ter uma conversa com o Time Walker sobre ficar entrando e saindo de seu quarto daquele jeito. Já era ruim o suficiente que Nighthawk tinha o hábito de promover essa pequena façanha. "Eu estava no meio de algo muito importante como você podia ver perfeitamente bemâ.
"Isso não vai demorar mais que um minuto", disse Ren e sorriu maliciosamente, sabendo exatamente em que Zachary estivera metido. Ele conhecia o senso de humor de Storm bem o bastante para saber que, da forma como Time Walker via isso⦠o tempo era tudo.
Ele tirou os óculos escuros e enfiou-os no bolso, sabendo que, por um momento, ele teria que olhar Lacey diretamente nos olhos enquanto estivesse usando o poder da Fênix.
CapÃtulo 4
Lacey terminou de vestir-se, evitando o espelho tanto quanto possÃvel, enquanto resmungava silenciosamente consigo mesma. Por que diabos aquele cara insistia em vir salvá-la?⦠ela estava bem muito, obrigada. Claro, ela tivera seus momentos de ficar descontrolada de tanto medo, mas nada que com que ela não conseguisse lidar. Sua irritação drenou sua razão agora que os demônios a haviam encontrado, ela não estaria viva por tempo suficiente até mesmo para ficar com ele.
Ela fechou o baú e empurrou-o para o canto, antes de contornar a parede para que ela pudesse ficar fora do reflexo do espelho no trajeto em direção à porta.
O sorriso de Ren tornou-se descaradamente maligno quando a maçaneta começou a girar e ele teleportou-se diretamente na frente da porta do banheiro. Ele não permitiu que ela desse mais que um passo, antes de estirar o braço rapidamente para tocar na testa e, simultaneamente, apoiar a parte de trás da cabeça dela com a outra mão para mantê-la imóvel.
Inclinando a cabeça dela para cima, ele se inclinou para frente e travou seu olhar de mercúrio junto com a dela.
Lacey separou os lábios para gritar com ele, mas de repente sua voz falhou quando ela viu as chamas escuras surgirem em seus lindos olhos prateados. Em um instante, lembranças detalhadas do ano anterior começaram a percorrer sua mente de forma tão rápida que ela mal conseguia acompanhá-los. A avalanche de emoções que seguiram as visões a oprimiram.
Com medo do que estava acontecendo, ela tentou se desvencilhar da forte pegada de Ren mas, com a mente quase sobrecarregando, seu corpo ficou anestesiado e ela não conseguia mover-se.
Ren mantinha Lacey imobilizada enquanto uma profusão de lembranças inundava sua mente, permitindo que ele visse tudo e até mesmo experimentasse algumas das emoções que as acompanhavam. Era pura teimosia que evitava que ele caÃsse de joelhos com o impacto. Ele absorveu tudo, desde o momento em que ela conhecera Vincent até a visão da criatura atravessando o espelho do banheiro para alcançá-la.
Ele respirou profundamente pelo nariz, vendo os momentos Ãntimos entre Vincent e ela, e sentiu um ciúme quase ofuscante tingido de ódio pelo homem que a havia colocado nesta perigosa situação. Como ele ousa tocá-la tão suavemente, depois de mostrar tal desrespeito pela vida dela?
Tendo visto o suficiente, Ren soltou-a com um rosnado extremo que foi imediatamente seguido por um estalo ruidoso que ecoou na sala silenciosa. A cabeça dele pendeu para o lado quando a palma da mão da moça bateu na lateral de seu rosto e ele sabia que merecia isso, mas não havia nenhuma maldita maneira para que ele pedisse desculpas pela invasão.