A canção mais antiga registrada vem da Inglaterra, datada de 1470 e foi a primeira versão de I SAW THREE SHIPS. Devo dizer que a Inglaterra liderava o setor canções de Natal, com um povo entusiasta e bem organizado que reunia os primeiros cantores solo, chamados WAITS (ou seja, aqueles que esperam). E esperavam o ano todo porque, acompanhados por músicos profissionais, visitavam vários países levando a música de Natal e vivendo em esmolas. Estes foram os primeiros artistas de rua que a tradição se recorda e, quando chegavam, traziam alegria e as boas novas. Com a aproximação do Natal, eles retornavam ao seu país natal, onde representantes das aldeias os acompanhavam em suas apresentações.
Foi por isso que os WAITS se tornaram WAITNIGHT, já que, vestindo roupas de Pastor, eles cantavam a noite toda olhando as estrelas, em memória aos primeiros pastores que lotaram a manjedoura de Jesus. Dada a dureza do clima, esse definitivamente não era um costume saudável, o que provavelmente estimulou a criação dos primeiros presépios de madeira. Assim, famílias inteiras, ou até mesmo toda a população de uma aldeia (caso fossem construídos em tamanho natural), se reuniam para fazer a vigília na véspera de Natal. Esses "presépios gigantes" ficavam em estábulos enormes, o que garantia tanto a saúde física quanto a espiritual das pessoas. A tradição se intensificou ao ponto de forçar as Igrejas da Europa a se adaptar, permitindo que o povo celebrasse o Natal com as suas próprias canções. Houve, portanto, um período em que, embora a Missa fosse celebrada em latim, se cantavam coros canônicos ao lado de canções populares que narravam, em linguagem comum, o nascimento de Jesus. Essas canções deixaram de ser consideradas pecaminosas. Um povo feliz lotava as igrejas que, por isso, acendiam milhares de velas; de fato, o povo ficava feliz duas vezes, porque as velas acendidas eram feitas de sebo de animal, e uma vez apagadas eram dadas às centenas de fiéis famintos que... as comiam imediatamente após a missa! Sim, a vida era difícil na Idade Média!
FOTO 3. Um dos costumes mais comuns na Idade Média na Inglaterra era celebrar o Natal com grandes banquetes em que o prato principal era o pavão vivo. O belo pássaro era previamente abatido e cuidadosamente esfolado, de modo a não estragar a plumagem. Era em seguida recheado com ovos e especiarias e depois assado. Finalmente ele era "coberto" com sua pele e adornado com ouro. Chegando na América, os frades peregrinos substituíram quase de imediato o pavão pelo peru, que se tornou o símbolo gastronômico do Natal americano.
Os tempos de alegria durante o Natal foram, no entanto, curtos: a Santa Inquisição na Espanha e na Itália voltou a proibir e combater canções e danças, pois diziam que vinham do diabo e causavam tentação para a carne. A Alemanha e a Inglaterra, abraçando a nova onda de Protestantismo, fizeram com que a população mergulhasse numa austeridade ainda mais profunda. Até mesmo a França Católica, agora oprimida por governantes de origem espanhola que chegavam ali por meio de casamentos políticos munidos de crucifixos e rosários, perde a sua natureza dançarina. Em toda essa escuridão, o povo não esquece as canções de Natal, cantando-as em privado como sinal de protesto. Isso ocorre especialmente na Inglaterra, devido a influência de Oliver Cromwell e suas leis puritanas, que levaram austeridade até mesmo às colônias americanas.
Em 1730, O Reverendo Mather denunciou um escândalo de um "costume deplorável" na Província da Baía de Massachusetts em que, na noite de Natal, as pessoas jogavam cartas, brincavam à mesa e "cantavam canções vulgares" sobre o nascimento de Jesus! Essa foi uma moda que ganhou cada vez mais terreno e que, como em qualquer tradição que se dê ao respeito, tem seus heróis nas centenas de trovadores que, apesar das leis inglesas, coletaram todas as canções populares sobre o Natal antes de desembarcar no novo continente e difundir a palavra! O costume dos WAITS não apenas se espalhou, como também foi melhor estruturado com grandes produções teatrais que, nas idas e vindas entre a Inglaterra e as Américas, voltaram ao ponto de partida. Na verdade, a maioria das antigas canções de Natal que cantamos até hoje, como o Stille Nacht (Noite Feliz) ou What child is this? foram escritas na segunda metade de 1700.
Com o caminho livre, grandes potências surgiram: em 1822, o congressista e historiador DAVIES GILBERT publicou uma antologia de canções antigas de Natal, seguido por WILLIAM SANDYS, que divulga algumas canções históricas, como THE FIRST NOWELL ou HARK! THE HERALD ANGELS SING. O golpe final foi dado na época vitoriana, quando a rainha puritana que cobria até mesmo as pernas das mesas com uma saia se casa com o belo e alemão príncipe Albert.
Ele era um amante das músicas antigas de Natal e se empenhou muito para reorganizar as Festas, dissolvendo a imagem de "celebração fúnebre" para reviver seu antigo esplendor. Nasce assim um Natal em perfeito estilo laico, que se espalha como incêndio ao redor do mundo e deixava as pessoas ansiosas pela chegada da festa. Desde então, ao lado dos presépios e árvores decoradas, as canções foram enriquecidas com novos simbolismos que marcaram a mudança dos tempos. Entram em cena a neve, o visco, as renas e o Papai Noel que, aproveitando as tradições muitas vezes desconhecidas de cada país, tornam-se patrimônio público no Natal.
As diversas canções de Natal se tornam, em seguida, um excelente negócio para a indústria do cinema, para as gravadoras e canais de televisão. Milhares de autores enriqueceram-se produzindo verdadeiros sucessos que ainda nos fazem chorar e sonhar, como o WHITE CHRISTMAS ou THE CHRISTMAS SONG.
Todavia, como tudo na vida, essa onda de sucesso passou e o mercado mudou. Hoje tudo o que ouvimos de Natal são simples regravações de canções do passado, e o pouco que há de novo não entra para a história. As tradições estão desaparecendo, as Festas se resumem a um comércio estéril e as pessoas parecem ter perdido o desejo de cantar.
Por quê? Onde está o espírito do Natal? O perdemos?
ROCKING AROUND THE CHRISTMAS TREE
Começamos nossa viagem pelas mais belas canções dedicadas ao Natal com uma música da melodia cativante, letra leve e uma assinatura autoral muito importante: Johnny Marks, um dos poucos compositores de canções de Natal que mereceram entrar para o Songwriters Hall of Fame (Hall da Fama dos compositores).
Entre os anos 30 e o início dos anos 60, compor canções sobre o Natal era quase uma profissão. Alguns autores se especializavam neste ramo que, principalmente com o advento da televisão, foi muito seguido, comercializado e amado. Todos os anos, dezenas de autores ofereciam suas obras a gravadoras. Conseguir com que elas fossem gravadas por cantores populares era uma garantia de sucesso. A América, seja católica ou protestante, sempre amou o Natal. Bing Crosby, um cantor muito famoso com diversas canções gravadas, tornou-se o queridinho do público com White Christmas e, graças à popularidade da canção, chegou ao patamar das estrelas. Entre os anos 30 e 40, era do swing, jazz e um rock n roll ainda recém-nascido, as canções de Natal tinham uma pegada vibrante, alegre e dançante. Foi só mais tarde, na década de 50, que elas assumiram um ritmo mais melódico e sugestivo, pois se adequava a uma sociedade sonhadora e decente, que viu renascer os bons sentimentos típicos da família tradicional. Contudo, Rocking around the Christmas Tree trouxe uma pitada de alegria e dinamismo, ao mesmo tempo que mantinha a referência à harmonia no lar, tão importante para o povo americano.
Vejam o texto:
ROCKING AROUND THE CHRISTMAS TREE
At the Christmas party hop
Mistletoe hung where you can see
Every couple tries to stop
Rocking around the Christmas tree,
Let the Christmas spirit ring
Later well have some pumpkin pie
And well do some caroling.
You will get a sentimental
Feeling when you hear
Voices singing lets be jolly,
Deck the halls with boughs of holly
Rocking around the Christmas tree,
Have a happy holiday
Everyone dancing merrily
In the new old-fashioned way
FOTO 4. Essa é a capa original do álbum de 1958 da jovem e sorridente Brenda Lee. O álbum, produzido pela Decca, teve um sucesso razoável. A cantora, que na época tinha 13 anos, criou uma ponte perfeita entre o rock' n roll recém-nascido e tradição de Natal em família. Lee se manteve como única intérprete da música por quase 30 anos, mas foi perdeu esse "título" com a versão de Kim Wilde e Mel Smith de 1987, que alcança o terceiro lugar na lista de hits ingleses daquele ano. Ainda presente no imaginário coletivo, a versão rock da então recatada Miley Cyrus chamou a atenção de milhões de ouvintes em 2006.
Agora, a tradução em português:
Dançando em torno da árvore de Natal
durante o feriado natalino
Visco pendurados na altura dos olhos,
e todo casal a beijar-se ali.
Dançando em torno da árvore de Natal
Deixe o espírito do Natal nascer,
depois vamos comer torta de abóbora
e cantar canções de Natal.
E você se comoverá
quando escutar o coro a cantar "Vamos ser felizes!"
E cobrir os salões com ramos de azevinho
Dançando em torno da árvore de Natal
"Feliz Natal"!
E todos cantam felizes
na nova maneira antiga.
Como podem ver, esse é uma letra que à primeira vista parece leve, mas que possui algumas ideias interessantes. O termo rocking (dançando) introduz a novidade da sugestão de rock, da mesma forma que outra canção de Natal, talvez ainda mais famosa: Jingle Bell Rock de Bobby Helms. Mesmo que privado de sua característica dureza, a introdução do rock nas canções de Natal foi de fato uma novidade e, de maneira estranha, foi bem aceito até mesmo pelas gerações anteriores mais tradicionais, que viam na alma do rock em ascensão um símbolo de degradação da sociedade. Magia de Natal?
Na verdade, a canção se faz imediatamente "perdoar", enfatizando os temas fixos da tradição: o beijo sob o visco, as vozes alegres, o espírito do Natal e... - o toque de mestre da união entre o velho e o novo, citando até mesmo o refrão da famosa DECK THE HALLS, canção símbolo do americano médio mais velho. A canção foi composta por Johnny Marks em 1957, lançada pela DECCA e cantada por Brenda Lee, na época com 14 anos, que a gravou duas vezes, em 58 e 59. Parece que originalmente a canção tinha um ritmo mais country e foi então "remendada" pelas peculiaridades vocais e interpretativas de Lee. Esse foi, então, um experimento muito bem-sucedido, considerando que essa gravação de Brenda Lee foi quase a única feita para essa música!
FOTO 5. Criança prodígio, Brenda Lee começou sua carreira aos 6 anos de idade, conquistando o primeiro lugar em um show de talentos na escola. A recompensa foi a aparição ao vivo em um programa de rádio muito escutado chamado Starmakers revue. Sua família era muito pobre e, graças às incessantes apresentações de rádio de Lee, conseguiu sobreviver. Ela era muito baixinha (cerca de 1,45m), mas sua voz era tão impactante que recebeu o nome de "Miss Dynamite". Ela alcançou sucesso não com o Rocking Around the Christmas Tree, mas com a canção de 1960 "I'm sorry", pela qual foi premiada com o Grammy Award. Considerada pelo público como uma cantora pop, Brenda Lee foi, no entanto, uma das poucas mulheres da época a se tornar uma ilustre expoente do rockabilly e do Rock'n roll.
Johnny Marks (1909-1985) começou sua carreira em 1947 como compositor de canções natalinas. Sua primeira canção foi "Rudolph, a rena do nariz vermelho", baseada no poema de mesmo nome, escrito pelo seu cunhado, Robert. A canção, então, atinge um sucesso sem precedentes, rendendo ao autor os direitos a 30 milhões de cópias vendidas e, em 1964, inspira a criação de um filme de mesmo nome muito querido!
Diretor da ASCAP (Sociedade de Autores, Compositores e Editores) de 1959 a 1961 e fundador da igualmente famosa música de São Nicolau em 1949, Johnny Marks escreveu muitas canções que os convido a escutarem. Menciono aqui algumas: THE NIGHT BEFORE CHRISTMAS (1952) interpretada pelo dueto mágico Gene Autry/Rosemarie Clooney, outra estrela do período. RUN,RUDOLPH,RUN (1958), interpretada pelo ícone do rock CHUCK BERRY (quem mais poderia ser?) I HEARD THE BELL ON CHRISTMAS DAY (1956), uma ópera ambientada na Guerra Civil, interpretada por vozes importantes como Harry Belafonte, Bing Crosby, Elvis Presley, Frank Sinatra....e muitos outros. Em resumo, muitas músicas maravilhosas que valem a pena escutar e lembrar.
Para registrar: Johnny Marks foi premiado com o Prêmio CHRISTMAS SPIRIT (Espírito de Natal) pela International Society of Santa Claus (Sociedade Internacional do Papai Noel) em conjunto com outro compositor notável: Irving Berlin, pai de WHITE CHRISTMAS e outras belas canções que falaremos em um dos próximos capítulos.
FOTO 6. Johnny Marks mais velho, em uma foto quase íntima dos anos 70.
A canção foi gravada em julho de 1958 em um dos escritórios da Decca com o produtor de Nashville, Owen Bradley. Era um dos verões mais quentes dos últimos anos, e a cantora e a orquestra não conseguiam se concentrar. Owen então, além de ligar o sistema de ar condicionado no máximo, instalou um canhão de neve artificial para resfriar o ar, e montou uma grande árvore de Natal nos estúdios de gravação, cheia de bolas e luzes coloridas, a fim de trazer de volta a concentração da cantora e de toda a equipe. Parece que o truque funcionou à perfeição e todos se divertiram muito, ao ponto de que apenas duas gravações foram suficientes para terminar a gravação da música. Em 2014, a NPR entrevistou a agora idosa Brenda Lee e, por brincadeira, perguntou qual era a direção correta para dançar em torno da árvore de Natal. A resposta da cantora foi imediata: "Sul. Seguindo o curso do sol." Embora de origem judaica (como seu ilustre colega Irving Berlin), Johnny Marks alcança a fama como compositor de canções de Natal. Em uma de suas inúmeras entrevistas, quando perguntado se ele se orgulhava de seu sucesso, Marks confessa abertamente: "Bem, não estou muito feliz por ser lembrado apenas por canções de Natal!"