O Cidadão Anulado E Outras Histórias - Foraine Amukoyo Gift 2 стр.


Jessa não estava contente com essa notícia. Ele não queria deixar Jagua. Essa terra era patrimônio dele. Por que construir uma nova casa tão cedo? Pensou, preocupado. Pegou o copo e o colocou entre as pernas.

Jaja percebeu que seu pai não estava feliz.

- Pai, por que está tão triste? O senhor deveria estar alegre porque descobrimos nossa real identidade. Eu sei que nós perderemos muitas coisas ao sair de Jagua alguns bens e lembranças preciosas. Adoraria ficar aqui, mas a comunidade ridicularizou e desonrou a nossa família. Não se preocupe, pai. Nunca é tarde para começar de novo. O pior dano teria sido não sermos capazes de descobrir a nossa cidade natal. O bom é que um parente até mesmo reservou um pedaço de terra para nós em Ebito. Irei para lá esta noite. Temos muito trabalho pela frente. Liguei para os meus irmãos quando voltava de lá e eles enviaram dinheiro para a compra do material de construção.

Jaja ajoelhou-se em frente ao pai e tocou em seus pés, em sinal de respeito. Jessa deu um tapinha amoroso no ombro do filho, que levou o copo para a cozinha e se dirigiu ao seu quarto. O semblante de Jessa estava pesado.

* * * * * *

Pela manhã, o ancião deu uma caminhada pela aldeia num silêncio inquietante. Foi até a margem do rio, onde havia passado a maior parte de sua vida, nadando, quando menino e pescando, já adulto. O rio era bom para ele. Foi em suas lindas areias brancas que certo dia encontrou um enorme diamante.

Jessa não o cobiçou apenas para si próprio. Toda a aldeia se beneficiou com a venda do diamante. Ele enviou os seus filhos e outras crianças da comunidade para estudar na cidade. Seus filhos eram bem-sucedidos em suas carreiras. Quatro deles moravam na Europa. Apenas Jaja estava em Jang, uma localidade perto de Jagua.

Jakpo, um amigo íntimo de Jessa, aproximou-se:

- Vi Jaja esta manhã. Ele me contou tudo. Jessa, por que quer ir embora? O povo de Jagua não pediu para você ir embora. Essa tristeza é porque não pode ser o Okpako? Jagua não pode lhe conceder esse título. Você não é um cidadão legítimo, motivo pelo qual não pode ser o membro mais idoso da comunidade. Esse título é como se fosse uma realeza. A aldeia não pode dar esse título a um forasteiro.

- Não, Jakpo, está enganado. Esse título é honorário para um homem que já vive há muitos anos nessa Terra e em determinado lugar. O título não é o legado de uma casa real. É um título de transição para um homem comum. Qualquer pessoa digna pode merecê-lo. Você sabe há quantas décadas estou em Jagua? Eu nasci aqui. Tenho 88 anos. É um privilégio, quando os deuses permitem a cabeça negra de um homem se tornar grisalha. Não se pode transformar diamante em ouro, mas eu ganhei essa honra. O Conselho de Coroação pensa que roubou a minha alegria, mas esses homens estão enganados. Não importa se a comunidade me concede o título ou não. Eu ganhei esse direito por natureza.

Fez-se silêncio por alguns minutos.

Jakpo pigarreou e mastigou o seu bastãozinho de escovação. Cuspiu alguns pedaços e o mastigou novamente.

- Sou o próximo da fila. O povo de Jagua irá me coroar Okpako.

- Sim, parabéns, meu bom amigo. Possam as bênçãos dos seus ancestrais se derramar sobre a sua vida. Como se diz aqui, nunca tivemos dificuldades com os peixes no rio. Sempre houve o suficiente para cada pescador. Não vamos brigar por causa de um título. Eu lhe desejo o melhor, meu amigo.

- Jessa, não deveria ir. Você é uma parte importante desse reino. Seus ancestrais moram aqui.

- Meus ancestrais também vivem em Ebito. Oferecerei libações a eles em meus últimos dias na Terra. Não os conheci, então deixe-me ir e venerá-los em Ebito. Jakpo, preciso ir, retornar às minhas origens. Rezo para ser bem recebido. Tenho certeza de que o meu próprio povo não me pesará com a balança do desprezo. Quem sabe, meu amigo? Os deuses me deram oportunidade para me reconciliar com as minhas raízes. Lá, os descendentes dos meus filhos não serão uma geração perdida. Não serão negados pela família. Eu só imagino quem revelou esse conhecimento após tantas décadas. Eu nunca soube não ter nascido em Jagua. Alguém sabe da minha história mais e melhor do que eu mesmo?

Jakpo desviou o olhar.

- Jakpo, você tem alguma noção de quem disse que eu não era originalmente de Jagua?

Jakpo riu com nervosismo. - Não, meu amigo. Não faço a menor ideia, - disse, rapidamente. - Espero que mude de opinião a respeito de deixar Jagua; sua decisão é tão torta quanto esse rio. Sei do seu desejo de ficar em Jagua.

- Meu coração sempre estará com esse rio. Essas águas vivem nas minhas veias. Mas agora, deixe-me provar das águas das minhas origens. Se dependesse de mim, eu envelheceria e morreria em Jagua. Meus filhos, sim, desejam a nossa mudança daqui para sempre. Preciso acatar o pedido deles. Um homem não pode ter medo de andar nu em sua própria casa; somente o hóspede tem de ter cuidado na casa. Eu tenho muitos hóspedes em Jagua. Deixe-me levá-los de volta pra casa. Meus filhos se sentirão completamente estranhos aqui quando eu morrer. Qual é o sentido de permanecer em Jagua, quando as pessoas nos mostram que nosso lugar não é aqui? A herança da qual tanto me orgulho não serve como identidade para os meus filhos. Deixe-me levá-los para casa, de forma a que possam se orgulhar de sua origem.

Jakpo olhou para além do rio com um sentimento de nostalgia e perguntou:

- Você se lembra uma vez, de como corremos atrás de um coelho até a sua toca?

- Nós fechamos o buraco. Tínhamos ido buscar lenha na floresta para preparar carne de caça e não conseguíamos encontrar o caminho de volta. - Jessa lembrou.

- E quase fomos carne de caça quando aquele lobo investiu contra nós. Jakpo falou isso rindo.

- Tivemos sorte de o caçador tê-lo matado antes de sermos atacados, - disse Jessa, e bufou a seguir.

Os dois anciãos riram. Relembraram as ocasiões em que corriam pela comunidade quando crianças, mas seus sorrisos desapareceram quando a realidade se fez presente.

- Os dias andam cinzentos e difíceis, - Jakpo conjecturou. - Sentirei a sua falta, meu velho amigo. Quando você se for, ficarei muito só. Esses jovens não têm tempo para velhos rabugentos. Quem me fará companhia?

- Quem me visitará e tomará conta de mim, se eu ficar? Vou perder Jaja e os meus outros filhos, se não for para Ebito. Eles tomaram a decisão. Querem deixar Jagua para sempre.

Jessa cuidadosamente se curvou e pegou um seixo. Apertou-o com força e sentiu a energia da pedra.

Jakpo assentiu com a cabeça: - Você tem um grande filho naquele jovem, o Jaja. Gostaria que um dos meus voltasse para casa. Décadas de lembranças irão desaparecer após a sua partida. Adeus, meu amigo; nos encontraremos do outro lado.

- Sentirei a sua falta. Não posso dizer o quanto e você não pode ver direito, pois meus olhos estão muito secos agora, de tanto eu chorar.

Desejou boa sorte a Jakpo e o deixou à beira do rio.

- Espero que você mude de opinião e fique, meu amigo. Não sabia que a situação se tornaria tão complicada assim. Eu só queria o que era meu por direito, - Jakpo sussurrou após a figura de Jessa desaparecer na paisagem.

Jessa voltou para casa. Algumas crianças vieram brincar e ele compartilhou o dinheiro que tinha no bolso.

* * * * *

Antes de amanhecer, Jessa e Jaja estavam prontos para viajar para Ebito. O ancião olhou na direção do riacho com saudades. Imaginou-se caminhando naquela direção com Jakpo e seus apetrechos de pescaria.

- Não é fácil deixar essas lembranças para trás. - Jessa estava muito triste.

- Venha, pai. O senhor já se despediu o bastante. Devemos partir antes do nascer do sol, pois a estrada não é boa na hora do trânsito pesado.

- Sim, algumas estradas não reconhecem as velhas rodas que sempre passaram por elas. Não lhes dão tratamento diferenciado. Vamos. Não somos mais bem-vindos aqui.

Duas semanas mais tarde, os anciãos da aldeia fizeram um encontro e concluíram que a casa de Jessa seria o novo local de reuniões. Ele a deixara como presente. Porém, no dia da Coroação de Okpako, as retroescavadeiras apareceram.

A voz do motorista do veículo ressoou em um alto-falante. - Todos nessa casa devem sair! Em pouco tempo, ela será demolida. Vou contar até trinta e avançar.

Ele começou a contar: - um, dois, três, quatro....

Ao chegar a dezenove, já estava vazia. A retroescavadeira colocou a casa abaixo, obedecendo as ordens de Jaja.

As pessoas assistiram com tristeza quando alguns homens quebraram com marretas as paredes restantes. Nenhuma estrutura permaneceu de pé. Os pedaços de cimento foram colocados no reboque e levados dali.

- Esse é um acontecimento ruim. Como podemos fazer a cerimônia da coroação nessas ruínas? Temos de procurar outro local ou marcar nova data para a coroação. - Disse um jovem.

- Mas, onde está Jakpo? - perguntou o líder da comunidade, com certa ansiedade.

- Ele ainda não havia chegado. Será que já sabe da novidade? Esse incidente infeliz irá arrasá-lo. Sua cerimônia foi arruinada e não poderá acontecer hoje. - Mencionou um senhor.

- Jakpo deve ter ouvido a notícia. Ele sabe tudo. Não foi ele que descobriu que Jessa não era cidadão de Jagua? Vamos fazer uma visita, - disse o líder.

Não encontraram Jakpo em casa. Sabiam que ele gostava do rio e pensaram que poderia estar lá.

Ao sair da casa a caminho do rio, encontraram o menino que tomava conta dele. Jakpo saíra ao nascer do sol.

- Esse é um comportamento estranho. Vamos ver se ele está no riacho.

Chegaram ao rio e viram Jakpo boiando na margem. Correram e o arrastaram para a terra. Estava morto. Viram seu par de sapatos, óculos de leitura e um livro embaixo de sua árvore favorita. Jessa e Jakpo haviam talhado algumas raízes de árvores próximas à beira d´água para fazer bancos. Seus pertences estavam empilhados sobre a raiz. O menino caiu no choro.

- Acho que ele cometeu suicídio. Ah, o reino das trevas lançou seus olhos malignos sobre Jagua. Hoje é um dia muito infeliz na nossa história. Quem nos acordará desse pesadelo? - lamentou uma mulher.

- Olhe aqui, chefe. - O menino limpou as lágrimas com o braço e lhe entregou um bilhete.

- Onde você encontrou isso? - perguntou, com espanto.

- O que diz a mensagem? - uma mulher indagou.

O líder da comunidade leu em voz alta:

Eu não posso conviver comigo mesmo após trair o meu melhor amigo, Jessa. Desculpe-me, querido amigo. Meu bisavô havia me contado sobre a sua história. Eu disse aquilo ao Conselho de Coroação porque achei que merecia ser o Okpako. Pequei ao invejar a sua situação. Por favor, me perdoe. Ninguém deve chorar por mim. Eu já fiz isso. Jakpo.

Porque cometeu suicídio, a comunidade não fez uma cerimônia de enterro para ele. Seus filhos o carregaram para a floresta do mal e jogaram o corpo para os animais selvagens enterrá-lo em seus estômagos.

Três

Eu Enterrarei o meu Pai

A Prefeitura do povoado estava repleta de pessoas estressadas. Cada um parecia estar cortando a garganta do outro com armas imaginárias.

Um jovem musculoso correu agressivamente para Ovie, que se preparou para pegar o soco, conseguindo torcer o punho do rapaz até que um senhor separasse a briga. O jovem enraivecido gemeu e sentou-se no chão com o braço pendurado.

Ovie sorriu com sarcasmo:

- Vejam os fracos que querem contestar a minha decisão. Eu estrangulo quem ousar me desafiar.

Um idoso caminhou para frente. Encarou Ovie e sacudiu sua cabeça. Olhou para baixo por alguns instantes, bateu sua bengala no chão e novamente o mirou:

- Ovie, você devia ter adivinhado que um de nossos valorosos jovens agiria rapidamente para repelir a sua ação impensada. Estou avisando: não ficará só nisso. Um exército irá defender os direitos do seu pai.

- Quero ver vocês todos tentarem. Enterrarei o meu pai em Apele. Ele permanecerá em sua mansão e ninguém poderá me impedir.

Para validar as suas palavras, Ovie bateu no peito, com tamanha força que seu tórax estremeceu.

- Veremos. Vamos preparar os rituais de sepultamento do nosso parente. Observe como a luz ajudará o redil a encontrar a saída do deserto -, disse o velho homem religioso.

Pegou um giz branco no bolso do peito de sua camisa e desenhou um círculo no chão. Olhou para o teto e entoou um canto inaudível enquanto um empregado trazia um galo branco com aparência meio fraca. Desamarrou as pernas do animal e cantou salmos em volta do caixão. O galo dançou no círculo e, em seguida, escapou para fora do recinto.

Os aldeões deixaram a Prefeitura. Ovie continuava decidido a enterrar o pai na cidade. Era costume de filhos e filhas enterrar os seus nas aldeias, como era Godere. No entanto, o rapaz, criado na cidade, argumentava que nem todas as crianças haviam nascido na aldeia, então não era obrigatório seguir as normas locais.

Ovie se voltou para o tio, Mamus: - Por favor, me diga como os nossos ilustres convidados se acomodarão na aldeia. Não há hotéis. Não há sequer um albergue para lhes dar o mínimo conforto. Aqueles ridículos insetos invisíveis quase me picaram até a morte quando vim marcar a data do enterro do meu pai. Darei a ele uma cerimônia de luxo, em grande estilo. Tio, o que o senhor acha?

- Ovie, você quer a minha opinião honesta?

Ovie desviou o olhar.

- Pensei bastante e você já sabe a minha posição sobre o assunto. Se você tivesse sido uma pessoa responsável, teria construído um prédio na aldeia que acomodaria seus amigos da alta sociedade. Sabe por que os jovens estão fazendo isso?

- Pode falar. Não que vá fazer algum sentido, mas..., - disse Ovie.

Mamus balançou a cabeça. - Vou falar para você: muitos filhos e filhas de Godere tendem a construir mansões na cidade e nem um alicerce sequer em Godere. Os nossos jovens, ao contrário, se dedicam a esse costume com paixão, a fim de mostrar às pessoas os benefícios de construir na aldeia não apenas as suas moradias, mas também as indústrias, que permitirão a transformação do lugar em município. Seu pai queria ser enterrado em casa e, assim, devemos satisfazer o seu desejo. Era a sua vontade. Acho que conforto para convidados não é o único motivo para esse show que você está fazendo. Você fala como se fosse um rei e age como um guarda palaciano comum. Ou você também pode adiar o funeral do seu pai até construir um grande hotel ou uma pousada!

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