Levára-me, oxalá, traz ella a vida,
Para que não sentira esta crueza
De me ver apartado de tal vista!
E praza a Deos não veja o proprio tempo
Em mi, sem esperança de remedio,
A desesperação d'hum triste fado!
Porém ja acabe o triste e duro fado!
Acabe o tempo ja tão triste vida,
Qu'em sua morte só te seu remedio.
O deixar-me viver he mor crueza,
Pois desespéro ja d'em algum tempo
Tornar a ver aquella doce vista.
Duro Amor! se pagava só tal vista
Todo o mal que por ti me fez meu fado,
Porque quizeste que a levasse o tempo?
E se o assi quizeste, porque a vida
Me deixas para ver tanta crueza,
Quando em não vê-la só vejo o remedio?
Tu só de minha dor eras remedio,
Suave, deleitosa e bella vista.
Sem ti, que posso eu ver senão crueza?
Sem ti, qual bem me póde dar o fado,
Se não he consentir que acabe a vida?
Mas elle della me dilata o tempo.
Azas para voar vejo no tempo,
Que com voar a muitos foi remedio;
E só não vôa para a minha vida.
Para que a quero eu sem tua vista?
Para que quer tambem o triste fado
Que não acabe o tempo tal crueza?
Não poderão fazer crueza, ou tempo,
Fôrça de fado, ou falta de remedio,
Qu'essa vista m'esqueça em toda a vida.
ELEGIAS
ELEGIA I
O sulmonense Ovidio desterrado
Na aspereza do Ponto, imaginando
Ver-se de seus Penates apartado;
Sua chara mulher desamparando,
Seus doces filhos, seu contentamento,
De sua Patria os olhos apartando;
Não podendo encobrir o sentimento,
Aos montes ja, ja aos rios se queixava
De seu escuro e triste nascimento.
O curso das estrellas contemplava,
E aquella ordem com que discorria
O ceo e o ar, e a terra adonde estava.
Os peixes por o mar nadando via,
As feras por o monte procedendo
Como o seu natural lhes permittia.
De suas fontes via estar nascendo
Os saudosos rios de crystal,
Á sua natureza obedecendo.
Assi só, de seu proprio natural
Apartado, se via em terra estranha,
A cuja triste dor não acha igual.
Só sua doce Musa o acompanha
Nos soidosos versos qu'escrevia,
E nos lamentos com que o campo banha.
Dest'arte me figura a phantasia
A vida com que morro, desterrado
Do bem qu'em outro tempo possuia.
Aqui contemplo o gôsto ja passado,
Que nunca passará por a memoria
De quem o traz na mente debuxado.
Aqui vejo caduca e debil glória
Desenganar meu êrro co'a mudança
Que faz a fragil vida transitoria.
Aqui me representa esta lembrança
Quão pouca culpa tenho; e m'entristece
Ver sem razão a pena que m'alcança.
Que a pena que com causa se padece,
A causa tira o sentimento della;
Mas muito doe a que se não merece.
Quando a roxa manhãa, dourada e bella,
Abre as portas ao sol e cahe o orvalho,
E torna a seus queixumes Philomela;
Este cuidado, que co'o somno atalho,
Em sonhos me parece; que o que a gente
Por seu descanso te me dá trabalho.
E despois de acordado cegamente,
(Ou, por melhor dizer, desacordado,
Que pouco acôrdo logra hum descontente)
Daqui me vou, com passo carregado,
A hum outeiro erguido, e alli m'assento,
Soltando toda a redea a meu cuidado.
Despois de farto ja de meu tormento,