Trocae o cuidado,
Senhora, comigo;
Vereis o perigo,
Qu'he ser desamado.
Se trocar desejo
O amor entre nós,
He para qu'em vós
Vejais o que vejo.
E sendo trocado
Este amor comigo,
Ser-vos-ha castigo
Terdes meu cuidado.
Tendes o sentido
D'Amor livre e isento,
E cuidais qu'he vento
Ser tão mal querido.
Não seja o cuidado
Tão vosso inimigo,
Que queira o perigo
De ser desamado.
Mas nunca foi tal
Este meu querer,
Que a quem tanto quer,
Queira tanto mal
Seja eu maltratado,
E nunca o castigo
Vos mostre o perigo,
Qu'he ser desamado.
Ver, e mais guardar
De ver outro dia,
Quem o acabaria?
Da lindeza vossa,
Dama, quem a vê,
Impossivel he
Que guardar-se possa.
Se faz tanta mossa
Ver-vos hum só dia,
Quem se guardaria?
Melhor deve ser
Neste aventurar
Ver, e não guardar,
Que guardar e ver.
Ver e defender,
Muito bom sería,
Mas quem poderia?
Irme quiero, madre,
Á aquella galera,
Con el marinero,
Á ser marinera.
Madre, si me fuere,
Do quiera que vó,
No lo quiero yo,
Que el Amor lo quiere.
Aquel niño fiero,
Hace que me mueva
Por un marinero
Á ser marinera.
El que todo puede,
Madre, no podrá,
Pues el alma vá,
Que el cuerpo se quede.
Con él por que muero
Voy, porque no muera;
Que si es marinero,
Seré marinera.
Es tirana ley
Del niño Señor,
Que por un amor
Se deseche un Rey.
Pues desta manera
Quiero irme, quiero
Por un marinero
Á ser marinera.
Decid, ondas, cuando
Vistes vos doncella,
Siendo tierna y bella,
Andar navegando?
Mas qué no se espera
Daquel niño fiero?
Vea yo quien quiero,
Sea marinera.
Saudade minha,
Quando vos veria?
Este tempo vão,
Esta vida escassa,
Para todos passa,
Só para mi não.
Os dias se vão
Sem ver este dia,
Quando vos veria.
Vêde esta mudança
Se está bem perdida,
Em tão curta vida
Tão longa esperança.
Se este bem se alcança,
Tudo soffreria,
Quando vos veria.
Saudosa dor,
Eu bem vos entendo;
Mas não me defendo,
Porque offendo Amor.
Se fôsseis maior,
Em maior valia
Vos estimaria.
Minha saudade,
Charo penhor meu,
A quem direi eu
Tamanha verdade?
Na minha vontade
De noite e de dia
Sempre vos teria.
Vida da minha alma,
Não vos posso ver:
Isto não he vida
Para se soffrer.
Quando vos eu via,
Esse bem lograva,
A vida estimava,
Pois então vivia;
Porque vos servia
Só para vos ver.
Ja que vos não vejo
Para qu'he viver?
Vivo sem razão,
Porqu'em minha dor
Não a poz Amor;
Que inimigos são.
Mui grande traição
Me obriga a fazer
Que viva, Senhora,
Sem vos poder ver.
Não me atrevo ja,
Minha tão querida,
A chamar-vos vida,
Porque a tenho má.
Ninguem cuidará,
Que isto póde ser,
Sendo-me vós vida,
Não poder viver.
Coifa de beirame
Namorou Joanne.
Por cousa tão pouca
Andas namorado?
Amas o toucado,
E não quem o touca?
Ando cega e louca
Por ti, meu Joanne,
Tu pelo beirame.
Amas o vestido?
Es falso amador.
Tu não vês que Amor
Se pinta despido?
Cego e mui perdido
Andas por beirame,
E eu por ti, Joanne.
A todos encanta
Tua parvoice;
De tua doudice
Gonçalo s'espanta,
E zombando canta:
Coifa de beirame,
Namorou Joanne.
Eu não sei que viste
Neste meu toucado,
Que tão namorado
Delle te sentiste.
Não te veja triste;
Ama-me, Joanne,
E deixa o beirame.
Joanne gemia,
Maria chorava,
E assi lamentava
O mal que sentia:
(Os olhos feria,
E não o beirame,
Que matou Joanne)
Não sei do que vem
Amares vestido;
Que o mesmo Cupido
Vestido não tem.
Sabes de que vem
Amares beirame?
Vem de ser Joanne.
Se Helena apartar
Do campo seus olhos,
Nascerão abrolhos.
A verdura amena,
Gados, que pasceis,
Sabei que a deveis
Aos olhos d'Helena.
Os ventos serena,
Faz flores d'abrolhos
O ar de seus olhos.
Faz serras florídas,
Faz claras as fontes:
S'isto faz nos montes,
Que fara nas vidas?
Tra-las suspendidas,
Como hervas em mólhos,
Na luz de seus olhos.
Os corações prende
Com graça inhumana;
De cada pestana
Hum'alma lhe pende.
Amor se lhe rende,
E pôsto em giolhos,
Pasma nos seus olhos.
Verdes são os campos
De côr de limão;
Assi são os olhos
Do meu coração.
Campo, que t'estendes
Com verdura bella;
Ovelhas, que nella
Vosso pasto tendes;
D'hervas vos mantendes
Que traz o verão;
E eu das lembranças
Do meu coração.
Gados, que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendeis.
Isso que comeis,
Não são hervas, não;
São graça dos olhos
Do meu coração.
Verdes são as hortas
Com rosas e flores:
Moças, que as régão,
Matão-me d'amores.
Entre estes penedos
Que daqui parecem,
Verdes hervas crescem,
Altos arvoredos.
Vai destes rochedos
Ágoa, com que as flores
D'outras são regadas,
Que mátão d'amores.
Com ágoa, que cai
Daquella espessura,
Outra se mistura,
Que dos olhos sai:
Toda junta vai
Regar brancas flores;
Onde ha outros olhos,
Que mátão d'amores.
Celestes jardins,
As flores estrellas:
Hortelôas dellas
São huns seraphins.
Rosas e jasmins
De diversas côres,
Anjos, que as régão,
Mátão-me d'amores.
Menina formosa,
Dizei de que vem
Serdes rigorosa
A quem vos quer bem?
Não sei quem assella
Vossa formosura;
Que quem he tão dura
Não póde ser bella.
Vós sereis formosa;
Mas a razão tem
Que quem he irosa,
Não parece bem.
A mostra he de bella,
As obras são cruas:
Pois qual destas duas
Ficará na sella?
Se ficar irosa,
Não vos está bem:
Fique antes formosa,
Que mais fôrça tem.
O Amor formoso
Se pinta e se chama:
Se he amor, ama,
Se ama, he piedoso.
Diz agora a grosa
Que este texto tem,
Que quem he formosa
Ha de querer bem.
Havei dó, menina,
Dessa formosura;
Que se a terra he dura,
Secca-se a bonina.
Sêde piedosa;
Não veja ninguem
Que por rigorosa
Percais tanto bem.
Tende-me mão nelle,
Que hum real me deve.
C'hum real d'amor,
Dous de confiança,
E tres d'esperança,
Me foge o trédor.
Falso desamor
S'encerra naquelle
Que hum real me deve.
Pedio-mo emprestado,
Não lhe quiz penhor:
He mao pagador;
Tendo-mo afferrado.
C'hum cordel atado,
Ao Tronco se leve;
Que hum real me deve.
Por esta travéssa
Se vai acolhendo:
Ei-lo vai correndo,
Fugindo a grã pressa.
Nesta mão, e nessa
O falso se atreve,
Que hum real me deve.
Comprou-me o amor,
Sem lhe fazer preço:
Eu não lhe mereço
Dar-me desfavor.
Dá-me tanta dor,
Que ando apos elle
Pelo que me deve.
Eu de cá bradando,
Elle vai fugindo;
Elle sempre rindo,
Eu sempre chorando.
E de quando em quando
No amor se atreve,
Como que não deve.
A fallar verdade
Elle ja pagou;
Mas ainda ficou
Devendo ametade.
Minha liberdade
He a que me deve:
Só nella se atreve.
Dó la mi ventura,
Que no veo alguna?
Sepa quien padece,
Que en la sepultura
Se esconde ventura
De quien la merece.
Allá me parece,
Que quiere fortuna
Que yo halle alguna.
Naciendo mesquino,
Dolor fué mi cama;
Tristeza fué el ama,
Cuidado el padrino.
Vestióse el destino
Negra vestidura,
Huyó la ventura.
No se halló tormento,
Que alli no se hallase;
Ni bien, que pasase,
Sinó como viento.
Oh qué nacimiento,
Que luego en la cuna
Me siguió fortuna!
Esta dicha mia,
Que siempre busqué,
Buscándola, hallé
Que no la hallaria;
Que quien nace en dia
D'estrella tan dura,
Nunca halla ventura.
No puso mi estrella
Mas ventura em min:
Ansí vive en fin
Quien nace sin ella.
No me quejo della;
Quéjome que atura
Vida tan escura.
Vida de minha alma.
Dous tormentos vejo
Grandes por extremo:
Se vos vejo, temo,
E se não, desejo.
Quando me despejo,
E venho a escolher,
Temendo o desejo,
Desejo temer.
Pastora da serra,
Da serra da Estrella,
Perco-me por ella.
Nos seus olhos bellos
Tanto Amor se atreve,
Que abraza entre a neve
Quantos ousão vellos.
Não sólta os cabellos
Aurora mais bella:
Perco-me por ella.
Não teve esta serra
No meio d'altura
Mais que a formosura,
Que nella se encerra.
Bem ceo fica a terra,
Que te tal estrella:
Perco-me por ella.
Sendo entre pastores
Causa de mil males,
Não se ouvem nos vales
Senão seus louvores.
Eu só por amores
Não sei fallar nella,
Sei morrer por ella.
D'alguns, que sentindo
Seu mal vão mostrando.
Se ri, não cuidando
Qu'inda paga rindo.
Eu triste, encobrindo
Só meus males della,
Perco-me por ella.
Se flores deseja
Por ventura bellas,
Das que colhe dellas
Mil morrem d'inveja.
Não ha quem não veja
Todo o melhor nella:
Perco-me por ella.
Se n'ágoa corrente
Seus olhos inclina,
Faz a luz divina
Parar a corrente.
Tal se vê, que sente
Por ver-se a ágoa nella:
Perco-me por ella.
Vós sois huma Dama
Das feias do mundo;
De toda a má fama
Sois cabo profundo.
A vossa figura
Não he para ver;
Em vosso poder
Não ha formosura.
Vós fostes dotada
De toda a maldade;
Perfeita beldade
De vós he tirada.
Sois muito acabada
De taixa e de glosa:
Pois quanto a formosa,
Em vós não ha nada.
Do grão merecer
Sois bem apartada;
Andais alongada
Do bem parecer.
Bem claro mostrais
Em vós fealdade:
Não ha hi maldade,
Que não precedais.
De fresco carão
Vos vejo ausente;
Em vós he presente
A má condição.
De ter perfeição
Mui alheia estais;
Mui muito alcançais
De pouca razão.
Vai o bem fugindo,
Cresce o mal co'os annos,
Vão-se descubrindo
Co'o tempo os enganos.
Amor e alegria.
Menos tempo dura.
Triste de quem fia
Nos bens da ventura!
Bem sem fundamento
Te certa a mudança,
Certo o sentimento
Na dor da lembrança.
Quem vive contente,
Viva receoso:
Mal que se não sente,
He mais perigoso.
Quem males sentio,
Saiba ja temer;
E pelo que vio
Julgue o qu'ha de ser.
Alegre vivia,
Triste vivo agora;
Chora a alma de dia,
E de noite chora.
Confesso os enganos
De meu pensamento:
Bem de tantos annos
Foi-se n'hum momento.
Meus olhos, que vistes?
Pois vos atrevestes,
Chorae, olhos tristes,
O bem que perdestes.
A luz do sol pura
Só a vós se negue;
Seja noite escura,
Nunca a manhãa chegue.
O campo floreça,
Murmurem as ágoas,
Tudo me entristeça,
Cresção minhas mágoas.
Quizera mostrar
O mal que padeço;
Não lhe dá lugar
Quem lhe deu comêço.
Em tristes cuidados
Passo a triste vida;
Cuidados cansados,
Vida aborrecida.
Nunca pude crer
O que agora creio:
Cegou-me o prazer
Do mal que me veio.
Ah ventura minha,
Como me negaste!
Hum so bem que tinha,
Porque mo roubaste?
Triste fantasia
Quanta cousa guarda!
Quem ja visse o dia,
Que tanto lhe tarda!
Nesta vida cega
Nada permanece;
O qu'inda não chega,
Ja desaparece.
Qualquer esperança
Foge como o vento:
Tudo faz mudança,
Salvo meu tormento.
Amor cego e triste,
Quem o te padece:
Mal quem lhe resiste!
Mal quem lhe obedece!
No meu mal esquivo
Sei como Amor trata:
E pois nelle vivo,
Nenhum amor mata.
SEXTINAS
SEXTINAS
SEXTINA I
Foge-me pouco a pouco a curta vida,
Se por caso he verdade qu'inda vivo;
Vai-se-me o breve tempo d'ante os olhos;
Chóro por o passado; e em quanto fallo,
Se me passão os dias passo a passo.
Vai-se-me, emfim, a idade, e fica a pena.