A Noite Escura Da Alma - Aldivan Teixeira Torres 5 стр.


– Obrigado pelos conselhos, mas acredito em mim mesmo. Eu estou totalmente confiante que terei sucesso, pois vou correr todos os riscos necessários para isso.

– Ótimo. Vejo que estás disposto. Admiro sua determinação em busca do conhecimento. No entanto, devo alertá-lo que tudo tem seu preço e que nada é absolutamente por acaso. Se tiveres sucesso em todas as etapas, o mistério da noite escura o ajudará bastante em sua longa carreira. Agora, só me resta desejar boa sorte e até o próximo encontro.

Dito isto, a guardiã terminou por se despedir e no mesmo instante desapareceu da minha vista como fumaça. A partir daí, o silêncio reinou na minha humilde cabana e isto me fez ficar pensativo. Como vencer essa nova etapa? Seria por acaso mais perigosa que a primeira? O que era exatamente esse local chamado abismo do arrependido? Eram tantas as perguntas sem resposta que me deixaram um pouco zonzo. Termino de tomar o café e passaria o restante da manhã analisando qual a melhor estratégia a ser adotada nesse caso. Depois de decidir, descansaria um pouco antes de iniciar essa nova etapa.

Avareza

A tarde finalmente se inicia e o calor abafado consegue me despertar do meu sono restaurador. Neste momento, observo meu relógio de bolso e posso imediatamente constatar que a hora do desafio estava bem próxima e então me levanto com a intenção de cumpri-lo. Com este objetivo em mente, saio a passos largos da cabana e procuro pensar na melhor rota para chegar ao tenebroso abismo do arrependido. Da última vez, já tinha passado pelo Oeste e pelo Norte. Estas opções estavam descartadas. Pensando mais um pouco, decido, desta feita, ir na direção sul. Definida a direção, continuou a caminhar e começo a preparar a mente para um impacto talvez inevitável, pois eu tinha que manter limpos coração e a alma com o intuito de superar o respectivo desafio. O que eu iria exatamente encontrar nesse local tão perigoso? Bem, eu não tinha a mínima ideia. A única certeza que eu tinha era de que me esforçaria a fim de absorver os conhecimentos necessários para tentar entender melhor a enorme complexidade da noite escura da alma. E isto não era tarefa absolutamente fácil.

Continuo a caminhar durante certo período de tempo na direção determinada, mas ainda não encontro nada. Será que estaria no caminho certo? Bem, apesar de tudo, eu tinha que cultivar mais a minha paciência. Persevero no caminho, mas paro um instante a fim de descansar um pouco. Aproveito para sentar um pouco naquele chão duro e seco e imediatamente relembro os conselhos da minha mestra, a guardiã: os de outrora e os atuais. Analisando cada um deles, termino por concluir que estava mesmo no caminho certo e reacendo novamente a minha confiança nos meus poderes e nos meus instintos. Com isso, levanto-me e continuo a caminhar na direção indicada. Alguns passos adiante, surge enfim uma sinalização: Uma seta apontando para a minha direita com o nome do local que eu procurava incessantemente: “Abismo do arrependido”. O impacto da boa notícia me deixa tonto, pois eu não esperava descobrir com tanta facilidade o local tão desejado. Resolvo seguir imediatamente o caminho indicado pela seta.

O que está acontecendo? Será que fui enganado? Já faz um bom tempo que tomei o caminho da direita e ainda não encontrei nada. Continuo a caminhar sem destino e com mais alguns passos chego à extremidade do topo onde me parece que só existe o vazio. Sem outra alternativa, resolvo sentar e pensar numa nova estratégia. Como começar de novo? Naquele momento eu não tinha nenhuma ideia, pois me sentia perdido, desolado e abandonado. Mesmo contra a minha vontade, o autocontrole outrora aprendido desaparece completamente e surgem a inquietação e o medo, apesar da minha recente evolução. Por alguns instantes, permaneço na mesma posição, até que algo inteiramente novo acontece: O chão da montanha treme; as forças gravitacionais são novamente abaladas, e, como se fosse um corisco, a mulher do primeiro desafio reaparece. Ela inicia o diálogo imediatamente.

– Quer descobrir os mistérios do abismo do arrependido? Saiba que posso ajudá-lo mais uma vez.

– Como? Não estou vendo abismo nenhum aqui.

– Não seja bobo. Para que um mortal penetre no abismo ele tem que primeiro desencarnar.

– Você quer dizer morrer? Isto está fora de cogitação, pois sou ainda muito jovem e tenho uma vida pela frente.

– Não é nada disso. Seu corpo não vai morrer literalmente. Apenas seu espírito sairá por alguns instantes para que possa contemplar o abismo e obter todas as informações necessárias. Não quer o conhecimento? Então pague o preço por ele.

– Está bem. Faça o que for necessário.

Com delicadeza, a estranha mulher me faz deitar e advêm calafrios que arrepiam e percorrem meu corpo por inteiro. Nesse momento, tento manter a calma, apesar das dúvidas que ainda corroem o meu coração. Sem se importar comigo, a mulher começa a fazer um ritual e suas mãos acabam por descansar em minha cabeça. Como consequência desta atitude, sinto ondas de energias sobre o meu corpo e a cada momento que passa me sinto adormecer. Mais alguns segundos, relaxo completamente e meu espírito se desprende da carne num solavanco. Ao sair do corpo, começo a flutuar e a voar sem limites. A sensação que isso proporciona é tão boa que me pergunto se vale a pena continuar a viver. Fico mais algum tempo aproveitando a liberdade, até que um túnel surge abaixo de mim e me suga ferozmente. Sem conseguir resistir, caio num buraco fundo, por um tempo que não sei mensurar, e bem no final chego num salão extenso onde em seu centro há uma porta misteriosa. A mesma se abre imediatamente após minha chegada e dentro dela sai um anjo que me rapta sem chances de defesa. Começa então uma viagem rápida que termina ao chegarmos num quarto. Eu entro no repartimento e encontro uma pessoa que já me espera. O anjo nos deixa a sós e com um olhar de piedade implora:

– Toque-me e saberás do que precisas.

Cheio de misericórdia, atendo o pedido desesperado e no exato momento do toque, visões começam a aparecer, perturbando meus aguçados sentidos. Em dado momento, vejo trevas, sol, luzes e cortinas da fumaça mais espessa. Aos poucos, tudo fica mais claro e então tenho a visão da respectiva história.

“Ryan era um empresário do ramo têxtil bem-sucedido, casado e com três belos filhos, Christian, Andrel e Marta. A relação com a família era normal, mas seus aspectos éticos nem sempre agradou a todos. Exemplos disso são o seu caráter intransigente como patrão, sua demasiada intolerância com as minorias étnicas e raciais e seu detestável comportamento contra mendigos e menores de rua. Com todo esse temperamento explosivo, não é de admirar como ele agiu certo dia. Na ocasião, Angel bate à sua porta, explica sua situação precária de vida e por fim pede algum dinheiro para comprar um lanche ou até mesmo um almoço para poder saciar sua grande fome. Como resposta, Ryan se irrita e declara que de nenhuma forma é pai dos pobres e bate a porta sem ao menos dar uma palavra amiga Àquele homem necessitado. Angel se revolta com os ricos e num momento de aflição solta uma praga contra Ryan. Anos depois, Ryan se encontra no mesmo estado de espírito e certo dia uma doença séria o assalta e mesmo ele lutando com seus fartos recursos não consegue evitar a tão temida morte. Ao chegar no mundo espiritual, ele vai a julgamento e sem nenhuma possibilidade de defesa sua noite escura o condena irremediavelmente. Ele desce, sem remédio, ao abismo onde sofrerá dia e noite (sem descanso) por seus erros cometidos em vida, enquanto que Angel, estava no céu onde é consolado.

A visão respectiva termina e imediatamente o conhecimento necessário preenche todo o meu ser. Quando estou pronto, a pessoa se despede me fazendo um pedido: Quero que você divulgue minha história para o mundo, pois não quero que meus filhos venham para o lugar de tormento em que estou. Prometo atendê-lo e ele finalmente se vai. O anjo reaparece no quarto e me arrebata pela segunda vez. Nós viajamos rapidamente e ele me deixa junto à porta, no salão. No mesmo instante uma força me puxa para cima e quando dou por mim estou de volta ao meu corpo, no topo da montanha do Ororubá.

Reflexões sobre o desafio

Tento me levantar, mas o esforço sobre-humano que fiz anteriormente me impede. Cheio de curiosidade, observo ao meu redor à procura da estranha mulher que me ajudara nos desafios, mas não consigo achar pista dela. Quem ela seria exatamente? Que poderes possuía? A única certeza que eu tinha é que ela demonstrara ser um instrumento maravilhoso do destino, com o objetivo de me auxiliar na busca pelo tão ardoroso conhecimento.

Um instante depois, esqueço um pouco a mulher e tento me levantar pela segunda vez. O corpo tenta resistir, mas com um pouco mais de esforço eu finalmente consigo. Em pé, poderia pensar melhor e assimilar por completo o conhecimento revelado no abismo. Quando me sinto pronto, começo a fazer o caminho de volta em direção à minha morada provisória. No meio do caminho, as sombras da história triste começam a me inquietar e então resolvo analisar o caso friamente. Ryan era o exemplo mais adequado de que os ricos correm sérios riscos quanto à sua salvação. Isto posto porque a riqueza e o poder trazem consigo conforto e status, mas também exige responsabilidade e desprendimento com as causas sociais. Outro exemplo, bíblico, mostra a avareza do rico e as condições desumanas dum pobre Lázaro. O final deles é igual ao da história de Ryan e Angel. Analiso em conjunto os dois casos e termino por concluir que a avareza é uma poderosa comichão da alma. Os personagens mudam, as situações são diferentes, mas para quem cultiva a avareza acontece o mesmo final trágico: A noite escura condena mais uma vítima a perecer nas trevas exteriores. Como mudar essa grande realidade? A resposta pode ser mais simples do que imaginamos. Trata-se de seguir o caminho da evolução, um caminho rumo ao Pai. Que requer renúncias e escolhas difíceis, que poucos estão dispostos a fazer.

Penso que o mundo seria bem melhor mesmo se seguíssemos os bons exemplos que a história nos deu: Jesus Cristo, Francisco de Assis, Martin Lunter King, Teresa de Calcutá, Irmã Dulce, Francisco Xavier, entre outros. Certamente, a noite escura não teria mais influência sobre nós. Bem, isso é apenas um sonho. A realidade é completamente diferente. Em sua maioria, as pessoas demonstram serem materialistas, egoístas e cheias de vaidades. Pode parecer pessimismo, mas na minha opinião o mundo continuará por muito tempo sobre o império da noite escura e para poder entendê-la completamente terei que cumprir novos desafios e realizar aventuras que sequer desconfio. Das etapas, já cumpri duas. Continuemos juntos, leitor, na busca pelo conhecimento.

Aproximo-me da cabana que construí com tanto esmero. À minha espera está a guardiã. Chego ao lado dela e a mesma iniciou o diálogo:

– Meus parabéns, vejo que está inteiro. Poderia falar sobre a sua experiência de hoje á tarde? O que você aprendeu?

– Inicialmente decidi começar pelo Sul, pois já tinha passado pelo Oeste e pelo Norte. Nesta respectiva direção, caminhei um bom período de tempo até conseguir encontrar alguma sinalização que me orientasse. Ao ser orientado, voltei a caminhar com bastante intensidade e com mais algum tempo me deparei com a mesma mulher do desafio anterior, que prontamente me auxiliou a achar o meu destino, o abismo do arrependido. Avancei no caminho e ao chegar exatamente no ponto que eu precisava, entrei em contato com a revelação do segundo pecado capital: A avareza. A história a qual fui submetido me ajudou a compreender a extensão desse pecado, o verdadeiro destino de todos que o seguem e tirei enfim algumas conclusões: A avareza é a chave pela qual a noite escura da alma arrebata fiéis. Ela se aloja no coração humano e nos sentidos, obstruindo a evolução respectiva do indivíduo. Além disso, provoca males secundários como a indiferença, o egoísmo e a intolerância. Exposto isso, podemos concluir que seus efeitos são catastróficos e muitas vezes provoca a condenação. Uma alternativa de combater esse tipo de pecado seria o altruísmo, que revigora a alma e abre os caminhos da evolução.

– Muito bem. Depois do que vi e ouvi, chego á conclusão de que você está mais próximo de compreender o sentido e a extensa dimensão da noite escura, pois já foram ultrapassadas duas etapas.

– E agora? Qual o próximo passo?

– A próxima fase será realizada amanhã e trata-se de uma das maiores fraquezas do ser humano: A luxúria. Esta será a última sob a minha supervisão, pois não estou capacitada a ajudar mais. Nas próximas etapas você será auxiliado por um hindu, que já mora aqui na montanha há seis meses. Fique tranquilo: Ele é especialista nos quatro últimos pecados capitais.

– Quer dizer que a senhora vai me abandonar? Não faça isso. Não se lembra? Nós estamos juntos nessa busca do conhecimento, desde a última aventura.

– Não leve a minha decisão para o lado pessoal. Não se trata disto. Saiba que não sou detentora de todo o conhecimento como você supõe. Mesmo para mim, a noite escura tornou-se um tema complexo e indecifrável. Para que você avance são necessários novos valores e ensinamentos, os quais não possuo e a grande maioria também não. Por isto e muito mais, devemos nos separar no momento, e quando evoluíres mais, quem sabe não nos veremos novamente.

– De qualquer forma, obrigado por tudo. Se não fossem seus conselhos eu não teria obtido progressos. A partir de agora, prometo que vou esforçar-me mais, a fim de descortinar o véu da noite escura da alma. Tudo dentro do possível, é claro.

– Não me agradeça ainda, pois ainda nos encontraremos outras vezes nesta aventura. Na próxima oportunidade, darei minhas últimas recomendações.

– Entendi. Uma última dúvida. A senhora acredita que eu sou digno do conhecimento a ser revelado?

– Pelo pouco que lhe conheço, é sim. Quando alcançares o objetivo maior, o tão ardoroso conhecimento, terá o poder de abrir a sua mente para verdades escondidas durante séculos. Aí terás as respectivas respostas.

– E aí serei feliz trabalhando no que gosto e esbanjando felicidade. Que ótimo. Espero que este momento não demore muito. Mais alguma recomendação?

– Não. Mais nada por enquanto. Agora, tenho que ir, pois já está ficando tarde. Boa sorte no próximo desafio!

Dito isto, a guardiã desapareceu. Ao ficar sozinho, encho-me de angústias e preocupações. Será que eu continuaria progredindo nesse caminho tão perigoso? Quem era exatamente este novo mestre, o hindu? Estas perguntas sem resposta imediata corroíam o meu coração e eu estava a ponto de realizar mais um desafio.

Luxúria

O tempo passa velozmente e um novo dia já amanhece. A sua chegada traz novas e inquietantes preocupações para um sonhador despreparado. Pergunto-me: Os pecados da carne seriam tão perigosos a ponto de afetarem a minha pureza? Pensando mais um pouco, decido continuar arriscando, mesmo que isso tivesse graves consequências para mim. Com a força dessa nova decisão, levanto-me e dirijo-me ao banheiro improvisado da cabana para tomar um banho. No caminho, tento deixar minha mente tranquila para aproveitar bem esses momentos de lazer. Entro, fecho a porta, começo a me despir e pego o balde de água que eu mesmo tinha separado na noite anterior. Inicio então o banho e ao jogar a primeira quantidade de água fria começo a refletir sobre o local sagrado em que estou. Penso um pouco sobre a montanha e sobre sua importância em minha vida. Termino por concluir que ela era mesmo sagrada pelo seu clima, sua história da qual eu fazia parte, desafios, mistérios escondidos e até a própria gruta. Continuo as conclusões e chego a um novo denominador comum: Nunca ninguém a conhecerá totalmente, a não ser que evolua até a perfeição. Nela, pude encontrar minhas forças opostas e, ao me tornar o vidente, pude controlar essas mesmas forças. Agora, buscava o conhecimento e entendimento sobre a noite escura pela qual todos nós passamos. Nesse caminho, tinha realizado duas etapas. Mas ainda faltavam sete, imprevisíveis, que ainda não tive tempo de pensar.

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