“É tudo por hoje,” Disse por fim. “Sabem o que devem ler para a próxima aula.”
Os alunos saíram da sala. Lucy decidiu ficar durante mais um bocado para conversar com a sua mentora.
Riley sorriu-lhe e disse, “Fizeste um excelente trabalho de detetive ainda há pouco.”
“Obrigada,” Disse Lucy.
Ficou feliz. Todo e qualquer elogio vindo de Riley Paige significava muito para ela.
Depois Riley disse, “Mas agora quero que tentes uma coisa um pouco mais avançada. Fecha os olhos.”
Lucy fechou-os. Em voz baixa e calma, Riley deu-lhe mais detalhes.
“Depois de matar Tilda Steen, o assassino enterrou-a numa campa rasa. Consegue descrever-me como é que isso aconteceu?”
Como fizera durante o exercício, Lucy tentara entrar na mente do assassino.
“Ele deixou o corpo na cama, depois saiu do quarto do motel,” Disse Lucy em voz alta. “Olhou cuidadosamente à sua volta. Não viu ninguém. Então levou o corpo para o seu carro e colocou-o no banco de trás. Depois conduziu até uma área florestal. Um lugar que conhecia bem, mas não muito próximo da cena do crime.”
“Continua,” Disse Riley.
Com os olhos ainda fechados, Lucy conseguia sentir a frieza metódica do assassino.
“Parou o carro onde não o poderiam ver. Depois tirou uma pá da bagageira.”
Lucy sentiu dificuldades por um momento.
Era noite por isso, como é que o assassino vaguearia pelo bosque?
Não seria fácil transportar uma lanterna, uma pá e um corpo.
“Era noite de luar?” Perguntou Lucy.
“Era,” Disse Riley.
Lucy sentiu-se encorajada.
“Ele apanhou na pá com uma mão e pendurou o corpo no ombro com a outra. Começou a percorrer o bosque. Caminhou até encontrar um lugar distante que sabia não ser frequentado por ninguém.”
“Um lugar distante?” Perguntou Riley, interrompendo a recriação de Lucy.
“Definitivamente,” Disse Lucy.
“Abra os olhos.”
Lucy abriu-os. Riley estava a arrumar a sua pasta para se ir embora.
Disse, “Na verdade o assassino levou o corpo para o bosque do outro lado da autoestrada perto do motel. Só carregou o corpo de Tilda durante alguns metros. Podia ter visto luzes vindas da autoestrada e provavelmente usou a luz de um candeeiro de rua para enterrar Tilda. E enterrou-a de forma descuidada, cobrindo-a mais com pedras do que com terra. Um ciclista que ia a passar reparou no cheiro uns dias mais tarde e chamou a polícia. O corpo foi fácil de encontrar.”
Lucy ficou surpreendida com este desfecho.
“Porque é que não se deu a mais trabalho para esconder o crime?” Perguntou. “Não percebo.”
Fechando a sua pasta, Riley franziu o sobrolho pesarosamente.
“Eu também não,” Disse ela. “Ninguém sabe.”
Riley pegou na sua pasta e deixou a sala.
Ao vê-la partir, Lucy detetou amargura e desilusão na passada de Riley.
Era óbvio que por muito desligada que parecesse estar, Riley ainda se sentia atormentada por este caso arquivado.
CAPÍTULO DOIS
Naquela noite ao jantar, Riley Paige não conseguia tirar da cabeça o “Assassino da Caixa de Fósforos”. Utilizara aquele caso arquivado como exemplo na sua aula porque sabia que teria notícias dele em breve.
Riley tentou concentrar-se no delicioso guisado Guatemalteco que Gabriela tinha preparado. A sua empregada era uma cozinheira extraordinária. Riley esperava que Gabriela não reparasse que ela estava a ter dificuldades em apreciar o jantar naquela noite. Mas é claro que as miúdas repararam.
“O que é que se passa, mãe?” Perguntou April, a filha de quinze anos de Riley.
“Passa-se alguma coisa?” Perguntou Jilly, a menina de treze anos que Riley pensava adotar.
Também Gabriela olhava para Riley com preocupação.
Riley não sabia o que dizer. A verdade era que sabia que ia ser recordada do Assassino da Caixa de Fósforos no dia seguinte – um telefonema que recebia todos os anos. Não valia a pena não pensar no assunto.
Mas Riley não gostava de trazer o trabalho de casa para o seio da família. Houvera ocasiões em que apesar dos seus esforços, pusera os seus entes queridos em perigo.
“Não é nada,” Disse ela.
As quatro comeram silenciosamente durante alguns instantes.
Por fim April disse, “É o pai, não é? Incomoda-te que ele não esteja outra vez em casa.”
A pergunta apanhou Riley de surpresa. As ausências recentes do marido andavam a incomodá-la. Ela e Ryan tinham-se esforçado muito para se reconciliarem, mesmo depois de um divórcio doloroso. Agora o seu progresso parecia estar a ruir e Ryan passava cada vez mais tempo na sua casa.
Mas não era Ryan o que a preocupava naquele momento.
O que é isso dizia de si?
Estaria a acostumar-se à sua relação falhada?
Desistira?
As suas três companheiras de jantar ainda olhavam para ela, à espera que dissesse alguma coisa.
“É um caso,” Disse Riley. “Aborrece-me sempre nesta altura do ano.”
Os olhos de Jilly abriram-se muito demonstrando o seu entusiasmo.
“Conta-nos!” Disse ela.
Riley pensou no quanto podia dizer às miúdas. Não queria descrever os pormenores do crime à sua família.
“É um caso arquivado,” Disse ela. “Uma série de homicídios que nem a polícia local, nem o FBI conseguiram resolver. Tento resolvê-lo há anos.”
Jilly balançava na cadeira.
“Como é que o vai resolver?”
A pergunta espicaçou Riley.
É claro que Jilly não a queria magoar – bem pelo contrário. A jovem tinha orgulho em ter como mãe uma agente do FBI. E ainda tinha a ideia de que Riley era alguma espécie de super-heroína que nunca falhava.
Riley conteve um suspiro.
Talvez tenha chegado o momento de lhe dizer que nem sempre consigo apanhar os maus, Pensou.
Mas Riley disse apenas, “Não sei.”
Era a mais pura verdade.
Mas havia uma coisa que Riley sabia.
O vigésimo quinto aniversário da morte de Tilda Steen era no dia seguinte e ela não o iria conseguir esquecer.
Para alívio de Riley, a conversa à mesa virou-se para o magnífico jantar de Gabriela. A robusta mulher Guatemalteca e as miúdas começaram a falar em Espanhol e Riley tinha dificuldades em seguir o que diziam.
Mas não fazia mal. April e Jilly estavam ambas a estudar Espanhol, e April estava a ficar bastante fluente. Jilly ainda lutava com a língua mas Gabriela e April estavam a ajudá-la.
Riley sorriu enquanto ela via e ouvia.
A Jilly parece bem, Pensou.
Jilly era uma menina magra e de pele escura – mas já não a rapariguinha desesperada que Riley salvara das ruas de Phoenix há alguns meses atrás. Era amável e saudável, e parecia estar a ajustar-se bem à nova vida com Riley e a família.
E April estava a provar ser uma excelente irmã mais velha. Estava a recuperar bem de traumas por que tinha passado.
Por vezes quando olhava para April, Riley sentia que estava a olhar para um espelho – um espelho que mostrava o seu próprio eu adolescente de há muitos anos atrás. April tinha os olhos cor de avelã e cabelo escuro de Riley.
Riley sentiu uma imensa tranquilidade.
Talvez esteja a fazer um ótimo trabalho como mãe, Pensou.
Mas a tranquilidade depressa se dissipou.
O misterioso Assassino da Caixa de Fósforos ainda assombrava a sua mente.
*
Depois do jantar, Riley foi para o seu quarto e escritório. Sentou-se ao computador e respirou fundo algumas vezes, tentando relaxar. Mas a tarefa que estava à sua espera era de alguma forma angustiante.
Parecia ridículo ela sentir-se daquela forma. No final de contas, ela perseguira e combatera dezenas de assassinos perigosos ao longo dos anos. A sua própria vida tinha estado ameaçada mais vezes do que o razoável.
Só falar com a minha irmã não me devia deixar assim, Pensou.
Mas não via Wendy há… quantos anos já tinham passado?
Pelo menos desde que Riley era miúda. Wendy entrara novamente em contacto quando o pai de ambas morrera. Tinham falado ao telefone refletindo na possibilidade de se encontrarem pessoalmente. Mas Wendy vivia longe em des Moines, Iowa e não tinham conseguido combinar um encontro. Então tinham decidido daquela vez falarem através de um chat de vídeo.
Para se preparar, Riley olhou para uma foto emoldurada que estava à sua secretátia. Tinha-a encontrado entre os pertences do pai após a sua morte. Mostrava Riley, Wendy e a mãe. Riley parecia ter quatro anos e Wendy já devia estar na adolescência.
Ambas as raparigas e a mãe pareciam felizes.
Riley não se lembrava quando ou onde a fotografia fora tirada.
E não se recordava da sua família alguma vez ser feliz.
Com as mãos frias e a tremer, digitou a morada de vídeo de Wendy no teclado.
A mulher que surgiu no ecrã bem podia ser uma perfeita estranha.
“Olá Wendy,” Disse Riley timidamente.
“Olá,” Respondeu Wendy.
Ficaram ali sentadas a olhar uma para a oura estupidamente durante alguns momentos confrangedores.
Riley sabia que Wendy tinha cerca de cinquenta anos, sendo por isso dez anos mais velha que ela. Parecia encarar a idade que tinha sem problemas. Parecia bastante convencional. O cabelo parecia não estar a encanecer como o de Riley, mas Riley duvidava que fosse a sua cor natural.
Riley olhava para o rosto de Wendy e para a foto. Notou que Wendy se parecia com a mãe. Riley sabia que se parecia mais com o pai e não se sentia especialmente orgulhosa dessa parecença.
“Bem,” Disse por fim Wendy para quebrar o silêncio. “O que é que tens feito… nas últimas décadas?”
Riley e Wendy riram-se ambas um pouco. Até o seu riso parecia tenso e estranho.
Wendy perguntou, “És casada?”
Riley suspirou alto. Como podia ela explicar o que se estava a passar entre ela e Ryan quando nem ela sabia ao certo?
Disse, “Bem, como os miúdos dizem hoje em dia, ‘é complicado’. E quero dizer mesmo complicado.”
Seguiram-se mais uns risos nervosos.
“E tu?” Perguntou Riley.
Wendy parecia começar a descontrair um pouco.
“O Loren e eu estamos quase a fazer vinte e cinco anos de casados. Somos ambos farmacêuticos e temos a nossa própria farmácia. O Loren herdou-a do pai. Temos três filhos. O mais novo, Barton, está fora na universidade. Thora e Parish são ambos casados e têm as suas vidas. Acho que isso faz de mim e do Loren os clássicos pais cujos filhos ganharam asas e os deixaram.”
Riley sentiu uma melancolia estranha a tomar conta dela.
A vida de Wendy em nada se tinha assemelhado à dela. Na verdade, a vida de Wendy tinha sido aparentemente normal.
A sensação de estar a olhar para um espelho, como ao jantar com April, regressara.
Com exceção de que o espelho não era do seu passado.
Era de um ser futuro – alguém em quem ela se poderia ter transformado, mas que nunca, nunca poderia ser.
“E tu?” Perguntou Wendy. “Tens filhos?”
Mais uma vez Riley sentiu-se tentada a dizer…
“É complicado.”
Mas em vez disso, disse, “Duas. Tenho uma filha com quinze anos, April. E estou prestes a adotar outra – Jilly que tem treze anos.”
“Adoção! Mais pessoas o deviam fazer. Isso é ótimo.”
Riley não sentia que devia ser parabenizada no momento. Sentir-se-ia melhor se tivesse a certeza de que Jilly cresceria numa família com pai e mãe. Naquele momento, aquele assunto era uma dúvida. Mas Riley decidiu não entrar por aí com Wendy.
Em vez disso, queria tratar de um outro assunto com a irmã.
E receava que pudesse ser estranho.
“Wendy, sabes que o pai me deixou a sua cabana no testamento,” Disse ela.
Wendy anuiu.
“Eu sei,” Disse ela. “Enviaste-me algumas fotos. Parece um lugar agradável.”
As palavras eram um pouco dissonantes…
“… um lugar agradável.”
Riley tinha lá estado algumas vezes – e recentemente quando o pai falecera. Mas as suas memórias do lugar estavam longe de ser agradáveis. O pai tinha comprado quando se aposentara da Marinha. Riley lembrava-se da cabana como a casa de um velho solitário e mau que odiava toda a gente – e um homem que também todos odiavam. A última vez que Riley o vira vivo, haviam chegado a vias de facto.
“Penso que foi um engano,” Disse Riley.
“O quê?”
“Deixar-me a cabana. Foi errado da parte dele fazer isso. Devia ter ido para ti.”
Wendy parecia genuinamente surpreendida.
“Porquê?” Perguntou.
Riley sentiu todo o tipo de emoções negativas a revolverem-se dentro de si. Aclarou a garganta.
“Porque estiveste com ele no fim, quando ele estava no lar. Cuidaste dele. Até trataste de tudo depois de ele morrer – o funeral e as coisas legais. Eu não estava lá. Eu…”
Riley quase se engasgou com as palavras que proferiu de seguida.
“Penso que não conseguiria fazer o que fizeste. Nós não nos dávamos bem.”
Wendy sorriu com tristeza.
“Nós também não nos dávamos bem.”
Riley sabia que era verdade. Pobre Wendy – o pai batera-lhe regularmente até ela finalmente fugir de vez aos quinze anos. E mesmo assim, Wendy mostrara a decência de cuidar dele no fim.
Riley não o tinha feito e não conseguia evitar sentir-se culpada a esse respeito.
Riley disse, “Não sei quanto vale a cabana. Deve valer alguma coisa. Quero que fiques com ela.”
Os olhos de Wendy dilataram-se. Parecia assustada.
“Não,” Disse ela.
A franqueza da sua resposta espantou Riley.
“Por que não?” Perguntou Riley.
“Simplesmente não posso. Não quero. Quero esquecer-me dele.”
Riley sabia exatamente como é que ela se sentia. Ela sentia o mesmo.
Wendy acrescentou, “Deves vendê-la e ficar com o dinheiro. É o que quero que faças.”
Riley não sabia o que dizer.
Felizmente, Wendy mudou de assunto.
“Antes do pai morrer, ele disse-me que eras agente da UAC. Há quanto tempo estás nesse trabalho?”
“Há cerca de vinte anos,” Disse Riley.
“Bem. Penso que o pai tinha orgulho em ti.”
Um riso amargo apoderou-se de Riley.
“Não, não tinha,” Disse ela.
“Como sabes?”
“Oh, ele deu-me a entender. Ele tinha a sua forma muito particular de comunicar.”
Wendy suspirou.
“Penso que tinha,” Disse Wendy.
Seguiu-se um silêncio desconfortável. Riley não sabia do que deviam falar. No final de contas, mal tinham falado durante muitos anos. Deveriam tentar encontrar uma forma de se reunirem pessoalmente? Riley não se imaginava a viajar até Des Moines só para ver esta estranha chamada Wendy. E tinha a certeza que Wendy sentia o mesmo em relação a ela.
Afinal, o que poderiam ter em comum?
Naquele momento, o telefone de Riley tocou. Ficou grata pela interrupção.
“É melhor atender,” Disse Riley.
“Eu compreendo,” Disse Wendy. “Obrigada por este bocadinho.”
“Eu é que te agradeço,” Disse Riley.
Terminaram a chamada e Riley atendeu o telefone. Riley disse ola e depois ouviu uma voz confusa de mulher.
“Olá… quem fala?”
“Quem fala?” Repetiu Riley.
Seguiu-se um silêncio.
“O… o Ryan está em casa?” Perguntou a mulher.
As suas palavras pareciam agora distorcidas. Riley tinha a certeza de que a mulher estava bêbeda.
“Não,” Disse Riley. Hesitou durante alguns instantes. Afinal de contas, lembrou a si própria, podia ser uma cliente de Ryan. Mas ela sabia que não era. A situação era demasiado familiar.
Riley disse, “Não volte a ligar para este número.”
E desligou.
Uma fúria imensa apoderou-se dela.
Está a começar outra vez, Pensou.
Ligou para o telefone da casa de Ryan.
CAPÍTULO TRÊS
Quando Ryan atendeu o telefone, Riley não perdeu tempo a ir direita ao assunto.
“Estás a andar com outra pessoa, Ryan?” Perguntou.
“Porquê?”
“Acabou de ligar uma mulher a perguntar por ti.”
Ryan hesitou antes de perguntar, “Ficaste com o nome dela?”
“Não. Desliguei.”
“Quem me dera que não o tivesses feito. Podia ser uma cliente.”
“Estava bêbeda Ryan. E era pessoal. Percebi pelo tyom de voz.”
Ryan ficou sem saber o que dizer.
Riley repetiu a pergunta, “Estás a andar com alguém?”
“Eu… desculpa,” Gaguejou Ryan. “Não sei como é que ela conseguiu o teu número. Deve ter sido algum engano.”
Ah, podes crer que houve um engano, Pensou Riley.
“Não estás a responder à minha pergunta,” Insistiu ela.
Agora Ryan começava a ficar zangado.
“E se estiver a andar com alguém? Riley, nunca fizemos nenhum acordo de exclusividade.”
Riley ficou surpreendida. Não, ela não se recordava de terem feito um acordo desse género. Mas ainda assim...