Olhava diretamente para os seus olhos. Riley sabia que ele compreendia exatamente o que ela acabara de experimentar.
Numa voz rouca e horrorizada, Riley disse-lhe…
“Ele pregou-lhe um susto de morte. Ela morreu de medo.”
Riley ouviu Dahl soltar um som de surpresa.
“Quem lhe disse isso?” Perguntou Dahl, caminhando na direção de Riley.
Crivaro respondeu-lhe, “Ninguém lhe disse. É verdade?”
Dahl encolheu ligeiramente os ombros.
“Talvez. Ou pelo menos algo semelhante se for como a outra vítima. A corrente sanguínea de Margo Birch estava cheia de anfetaminas, uma dose fatal que fez com que o coração colapsasse. Aquela pobre mulher deve ter vivido momentos de terror mesmo até ao suspiro final. Teremos que fazer exames de toxicologia nesta nova vítima, mas…”
Suspendeu o que ia dizer e então perguntou a Riley, “Como é que soube?”
Riley não fazia ideia do que dizer.
Crivaro disse, “É o que ela faz. É por isso que está aqui.”
Riley estremeceu perante aquelas palavras.
Será que isto é algo em que quero ser boa? Perguntou a si própria.
Pensou se não deveria afinal ter mesmo entregue aquela carta de demissão.
Talvez não devesse estar ali.
Talvez não devesse participar daquilo.
Tinha a certeza de uma coisa – Ryan ficaria horrorizado se soubesse onde ela se encontrava naquele momento e o que estava a fazer.
Crivaro perguntou a Dahl, “Seria muito complicado o assassino ter acesso a esta anfetamina em específico?”
“Infelizmente,” Respondeu o médico-legista, “seria fácil comprá-la na rua.”
O telefone de Crivaro tocou. Olhou para o visor. “É o Agente McCune. Tenho que atender.”
Crivaro afastou-se para atender a chamada. Dahl continuou a olhar para Riley como se ela fosse alguma espécie de aberração.
Talvez tenha razão, Pensou.
Entretanto, Riley conseguia ouvir algumas das perguntas que os jornalistas colocavam.
“É verdade que o assassinato de Margo Birch foi igual a este?”
“Margo Birch estava vestida e pintada da mesma forma?”
“Porque é que o assassino veste as suas vítimas como palhaços?”
“Trata-se de um assassino em série?”
“Haverá mais crimes semelhantes?”
Riley lembrou-se do que um dos polícias acabara de dizer…
“Tínhamos conseguido esconder a questão das vestes de palhaço em relação ao outro crime.”
Era óbvio que os rumores já circulavam ainda assim. E agora não havia forma de esconder a verdade.
A polícia tentava dizer o mínimo possível em resposta às perguntas. Mas Riley recordava-se da agressividade dos jornalistas em Lanton. Ela compreendia porque é que Jake e a polícia não estavam satisfeitos com o aparecimento dos jornalistas. A publicidade não ia facilitar o seu trabalho.
Crivaro voltou para junto de Riley e Dahl ao mesmo tempo que guardava o telemóvel no bolso.
“O McCune acabou de falar com o marido da mulher que desapareceu. O pobre coitado está muito preocupado, mas disse ao McCune algo que pode ser útil. Ele disse que ela tem um sinal atrás da orelha direita.”
Dahl baixou-se e espreitou atrás da orelha da vítima.
“É ela,” Disse ele. “Como é que disse que ela se chamava?”
“Janet Davis,” Disse Crivaro.
Dahl abanou a cabeça. “Bem, pelo menos temos a identificação da vítima. Já a podemos retirar daqui. Gostava que não tivéssemos que lidar com o rigor mortis.”
Riley observou a equipa de Dahl a transportar o corpo para uma maca. Era um esforço desastrado. O corpo estava rígido como uma estátua e os membros estendidos em todas as direções, mostrando-se debaixo do lençol branco que os cobria.
Também estupefactos, os jornalistas olhavam fixamente para a maca que atravessava o campo na direção da carrinha do médico-legista com a sua grotesca carga.
Quando o corpo foi colocado na carrinha, Riley e Crivaro passaram pelos jornalistas e dirigiram-se ao seu veículo.
Quando Crivaro arrancou, Riley perguntou para onde iam de seguida.
“Para a sede,” Disse Crivaro. “O McCune disse-me que alguns polícias estavam a fazer buscas no Parque Lady Bird Johnson onde Janet Davis desapareceu. Encontraram a máquina dela. Deve tê-la deixado cair quando foi raptada. A máquina encontra-se agora na sede do FBI. Vamos ver o que é que o pessoal da tecnologia descobriu. Talvez tenhamos sorte e nos dê alguma pista.”
Aquela palavra ressoou de forma estranha a Riley…
“Sorte.”
Parecia uma palavra estranha de se usar quando se estava a falar de algo tão singularmente desafortunado como o assassinato de uma mulher.
Mas a intenção de Crivaro fora literal. Riley começou a pensar no quanto aquele trabalho o endurecera ao longo dos anos.
Estaria ele completamente imune ao horror?
Não conseguia perceber pelo seu to de voz enquanto prosseguia…
“E o marido de Janet Davis deixou o McCune ver as fotos que ela tirara nos últimos meses. O McCune encontrou algumas fotos que ela tirou numa loja de disfarces.”
Riley ficou interessada naquela dica.
Perguntou, “Quer dizer o tipo de loja que poderá vender fatos de palhaço?”
Crivaro anuiu. “Parece interessante, não é?”
“Mas o que é que significa?” Perguntou Riley.
Crivaro disse, “É difícil dizer para já – exceto que Janet Davis estava suficientemente interessada em disfarces para querer tirar fotos deles. O marido recorda-se dela falar sobre isso, mas não disse onde tirara as fotos. O McCune está neste momento a tentar localizar a loja onde as fotografias poderão ter sido tiradas. Ele depois liga-me. Não deve demorar muito tempo.”
Crivaro calou-se por um momento.
Depois olhou para Riley e perguntou, “Como é que se está a aguentar?”
“Bem,” Disse Riley.
“Tem a certeza?” Perguntou Crivaro. “Parece pálida, como se não se estivesse a sentir bem.”
É claro que era verdade. Uma combinação de enjoo matinal e o choque pelo que acabara de ver, tinham-na afetado. Mas a última coisa no mundo que queria dizer a Crivaro era que estava grávida.
“Estou bem,” Insistiu Riley.
Crivaro disse, “Presumo que teve alguma sensação relacionada com o assassino há bocado.”
Riley anuiu em silêncio.
“Devo saber mais alguma coisa – para além da possibilidade dele ter assustado a vítima terrivelmente?”
“Não muito,” Disse Riley. “Exceto que ele é…”
Hesitou, depois encontrou a palavra que procurava para o descrever. “Sádico.”
O silêncio instalou-se novamente e Riley deu por si a lembrar-se do espetáculo do corpo em cima da maca. O terror reapareceu ao pensar que a vítima sofrera tal humilhação e indignidade mesmo na morte.
Perguntou-se que tipo de monstro faria aquilo a alguém.
Por muito que ela tivesse sentido o assassino próximo, Riley sabia que não conseguiria compreender a forma doentia como a sua mente funcionava.
E tinha a certeza que não queria.
Mas seria aquilo que lhe estaria reservado antes do caso estar encerrado?
E depois?
É assim que vai ser a minha vida?
CAPÍTULO OITO
Quando Riley e Crivaro entrara no arejado e fresco Edifício J. Edgar Hoover, Riley ainda se sentia contaminada pelo que vira na cena do crime. Era como se o horror se tivesse infiltrado nos seus poros. Como é que se iria libertar daquilo – sobretudo do odor?
Durante a viagem até ali, Crivaro assegurara a Riley que o odor que encontrara no campo não era do cadáver. Tal como Riley adivinhara, era apenas do lixo deixado espalhado. O corpo de Janet Davis não estava sem vida há tempo suficiente para produzir aquele odor – nem os corpos das amigas assassinadas de Riley em Lanton.
Riley ainda não se deparara com o fedor de um cadáver em decomposição.
Crivaro dissera na viagem…
“Saberá de que se trata quando sentir o odor.”
Não era algo que Riley antecipasse com entusiasmo.
Mais uma vez interrogou-se…
O que é que eu estou aqui a fazer?
Ela e Crivaro entraram no elevador e saíram num piso ocupado por dezenas de laboratórios forenses. Ela seguiu Crivaro por um corredor até chegarem a uma sala com um sinal que dizia “SALAESCURA”. Um jovem de cabelo comprido e magro estava inclinado junto à porta.
Crivaro apresentou-os ao homem que acenou e disse, “Eu sou Charlie Barrett, técnico forense. Chegaram mesmo a tempo. Fiz uma pausa depois de processar os negativos da máquina que encontraram no Parque Lady Bird Johnson. Estava agora a voltar para fazer algumas impressões. Entrem.”
Charlie levou Riley e Crivaro até um pequeno corredor banhado numa luz difusa. Depois passaram por uma segunda porta até uma sala mergulhada na mesma luz estranha.
A primeira coisa em que Riley reparou foi no cheiro acre e intenso a químicos.
Curiosamente, ela não considerou o cheiro completamente desagradável.
E vez disso, parecia quase…
Purificante, Considerou Riley.
Pela primeira vez desde que deixara o campo onde encontraram o corpo, aquele fedor azedo a lixo desapareceu.
Até o horror se desvaneceu um pouco e a náusea de Riley desapareceu.
Era um verdadeiro alívio.
Riley observou com fascínio todo aquele equipamento elaborado por entre a luz difusa e estranha.
Charlie segurou numa folha de papel com filas de imagens e examinou-a na luz.
“Aqui estão as provas,” Disse ele. “Parece que ela era uma grande fotógrafa. Foi uma pena o que lhe aconteceu.”
Quando Charlie pousou pedaços de filme na mesa, Riley percebeu que nunca antes estivera numa sala escura. Sempre levara os seus rolos a uma loja de fotografia para serem revelados. Ryan e alguns dos seus amigos tinham comprado máquinas digitais há pouco tempo, e não precisavam de rolo.
O marido de Janet Davis dissera a McCune que a sua mulher usava os dois tipos de máquina. Tendia a usar uma máquina digital para o seu trabalho, mas considerava as fotos que tirava no parque arte e para isso preferia máquinas de rolo.
Riley pensou que Charlie também parecia ser um artista, um verdadeiro mestre no que fazia. Isso fê-la pensar…
Isto é uma arte em vias de extinção?
Será que este trabalho de precisão com rolos, papel, instrumentos, termómetros, temporizadores, válvulas e químicos, um dia seguiria o mesmo caminho da ferraria?
Se fosse esse o caso, era triste.
Charlie começou a imprimir uma a uma – primeiro aumentando o negativo para um pedaço de papel de fotografia, depois lentamente ensopando o papel numa bacia de líquido, seguido de mais mergulhos a que Charlie dava o nome de “banho de paragem” e “banho de reparação”. Depois vinha o enxaguamento num lavatório de alumínio debaixo de água corrente. Por fim, Charlie pendurou as fotos com clips numa bancada rotativa.
Era um processo lento e silencioso. O silêncio foi apenas quebrado pelos sons de líquido, pelo som de pés em movimento e algumas palavras trocadas em sussurros quase reverenciais. Não parecia certo falar alto naquele local.
Aquela quietude e lentidão era calmante para Riley, sobretudo depois da ruidosa desordem na cena do crime quando a polícia se debatia para manter os jornalistas à distância.
Riley observou arrebatadamente as imagens a revelarem-se sozinhas ao longo de vários minutos – fantasmagóricas e indistintas de início, por fim nítidas.
As fotografias a preto e branco captava uma tarde tranquila e pacífica no parque. Uma delas mostrava uma pequena ponte de madeira sobre uma estreita passagem de água. Outra parecia ser de um bando de gaivotas a levantar voo, mas quando a imagem se tornou mais nítida, Riley percebeu que os pássaros faziam parte de uma grande estátua.
Outra foto mostrava um obelisco de pedra com o Monumento Washington encimando à distância. Outras imagens eram de caminhos para andar de bicicleta e caminhar que passavam por áreas arborizadas.
As fotos tinha sido claramente tiradas quando o por do sol já se aproximava, criando leves sombras cinzentas, auréolas brilhantes e silhuetas. Riley percebeu que Charlie tinha razão ao dizer que Janet Davis fora “uma grande fotógrafa”.
Riley também teve a sensação de que Janet conhecia bem o parque e escolhera os locais com antecedência – e também o momento do dia, quando os passeantes eram em menor número. Riley não via uma única pessoa em qualquer foto. Era como se Janet tivesse o parque só por sua conta.
Finalmente, surgiram fotos de uma marina, das docas e barcos e água a brilhar enquanto o sol se punha. A calma da cena era verdadeiramente tangível. Riley quase conseguia ouvir o delicado ruído da água e o grasnar dos pássaros, quase conseguia sentir a carícia de ar fresco no seu rosto.
Então, por fim, apareceu uma imagem dissonante.
Também era da marina – ou pelo menos Riley pensou que seria graças às sombras dos barcos e docas. Mas tudo estava desfocado e caótico e emaranhado.
Riley percebeu o que deveria ter acontecido no momento em que aquela fotografia fora tirada…
A máquina foi-lhe arrancada das mãos.
O coração de Riley começou a bater descompassadamente.
Ela sabia que a imagem tinha captado o preciso instante em que o mundo de Janet Davis mudara para sempre.
Numa fração de segundo, a tranquilidade e a beleza tinham-se convertido em fealdade e terror.
CAPÍTULO NOVE
Ao olhar para a imagem desfocada, Riley interrogou-se…
O que é que aconteceu a seguir?
Depois de a máquina ter sido arrancada das mãos da mulher, o que é que lhe aconteceu?
O que é ela experimentou?
Terá lutado contra o agressor até ele ter conseguido subjugá-la e atá-la?
Manteve-se consciente durante toda a situação? Ou já estava inconsciente quando a foto foi tirada?
Será que depois acordou para o horror dos seus momentos finais?
Talvez não tenha importância, Pensou Riley.
Lembrou-se o que o médico-legista dissera acerca da probabilidade de Janet ter morrido de uma overdose de anfetaminas.
Se isso fosse verdade, ela teria ficado tremendamente assustada.
E agora Riley observava o momento parado no tempo em que aquele terror fatal tinha começado.
Estremeceu perante aquele pensamento.
Crivaro apontou para a foto e disse a Charlie, “Aumenta tudo. Não só esta, todas as fotos, cada centímetro quadrado.”
Charlie coçou a cabeça e perguntou, “Estamos à procura de quê?”
“Pessoas,” Disse Crivaro. “Qualquer pessoa que encontres. Janet Davis parecia pensar estar sozinha, mas estava enganada. Alguém estava à espreita à espera. Talvez – apenas talvez – o tenha apanhado numa foto sem se aperceber. Se encontrar alguém, queremos uma imagem o mais nítida possível dessa pessoa.”
Apesar de não o dizer em voz alta, Riley estava cética.
Será que Charlie encontrará alguém?
Ela tinha um pressentimento acerca do assassino – de que ele era demasiado sorrateiro para se deixar fotografar acidentalmente. Ela duvidava que sequer uma busca microscópica das fotos revelasse qualquer traço dele.
Naquele momento, o telefone de Crivaro tocou. Disse, “Tem que ser o McCune.”
Riley e Crivaro saíram da sala escura, e Crivaro afastou-se para atender a chamada. Parecia estar entusiasmado pelo que quer que McCune lhe estava a dizer. Quando terminou a chamada, disse a Riley…
“O McCune localizou a loja de disfarces onde Janet Davis tirou algumas fotos. Estava a caminho e diz que nos encontramos lá. Vamos embora.”
*
Quando Crivaro parou na loja Costume Romp, o Agente McCune já lá se encontrava à espera no seu próprio veículo. Saiu e juntou-se a Riley e Crivaro quando se aproximaram da loja. A princípio pareceu a Riley uma modesta loja de rua. As janelas das montras estavam repletas de disfarces, é claro – desde um vampiro e uma múmia, até fatos que sugeriam séculos passados. Também havia um fato de Tio Sam para o Quatro de Julho que se aproximava.
Quando Riley seguiu Crivaro e McCune ao interior, ficou alarmada com a amplidão do interior, preenchido com prateleiras carregadas do que pareciam ser centenas de disfarces, máscaras e perucas.