“Peça desculpas,” Caitlin rosnou para Jimbo. Ela estava chocada com o som da sua própria voz. Ela soava gutural. Como um animal.
“Desculpe. Desculpe, desculpe!” Jim gritou, gemendo.
Caitlin queria deixá-lo ir embora, acabar com tudo aquilo, mas uma parte dela não conseguia fazê-lo. A raiva a havia dominado muito repentinamente e com muita força. Ela simplesmente não conseguia parar. A raiva ainda continuava a crescer. Ela queria matar aquele garoto. Estava além da razão, mas ela realmente queria.
“Caitlin!?” Sam gritou. Ela pôde ouvir o medo na voz dele. “Por favor!”
Mas Caitlin não podia parar. Ela realmente iria matar aquele garoto.
Naquele momento, ela ouviu um rosnado, e pelo canto do olho, ela viu o cão. Ele pulou, em pleno ar, com os dentes apontados para a garganta dela.
Caitlin reagiu instantaneamente. Ela soltou Jimbo e, em um único movimento, pegou o cão no ar. Ela ficou embaixo dele, segurou o seu estômago e o jogou.
Ele voou pelo ar, três metros, seis, com tamanha força que ele cruzou a sala e atravessou a parede do celeiro. A parede quebrou com um barulho de estilhaços, enquanto o cachorro latiu e saiu pelo outro lado.
Todos na sala olharam para Caitlin. Eles não conseguiam processar o que haviam acabado de ver. Aquilo havia sido claramente um ato de força e velocidade sobre-humana, e não havia nenhuma explicação possível para aquilo. Todos ficaram parados lá, bocas abertas, olhando.
Caitlin se sentiu dominada pela emoção. Raiva. Tristeza. Ela não sabia o que sentia, e ela não confiava mais em si mesma. Ela não conseguia falar. Ela precisava sair dali. Ela sabia que Sam não viria. Ele era uma pessoa diferente agora.
E ela também era.
TRÊS
Caitlin e Caleb caminharam lentamente pela beira do rio. Este lado do Hudson havia sido negligenciado, cheio de fábricas abandonadas e depósitos de combustível fora de uso. O lugar era desolado, mas pacífico. Quando olhou em sua volta, Caitlin viu enormes pedaços de gelo flutuando pelo rio, se separando lentamente naquele dia de março. O barulho delicado e sutil do gelo rachando enchia o ar. Eles pareciam de outro mundo, refletindo a luz da forma mais estranha, enquanto uma lenta névoa subia. Ela sentiu a vontade de caminhar até um daqueles blocos de gelo, sentar nele e deixá-lo levá-la para onde ele fosse.
Eles caminharam em silêncio, cada um no seu próprio mundo. Caitlin se sentiu envergonhada por ter exibido tanta raiva na frente de Caleb. Envergonhada por ter sido tão violenta, por não conseguir controlar o que estava acontecendo com ela.
Ela também estava envergonhada por seu irmão, pela forma que ele agiu, por andar com aqueles perdedores. Ela nunca o havia visto agir daquela forma antes. Ela estava envergonhada por ter feito Caleb passar por aquilo. Com certeza, não foi a melhor maneira dele conhecer a família dela. Ele deve pensar o pior dela. Aquilo, mais do que qualquer coisa, realmente a magoava.
E o pior de tudo, ela estava com medo de onde eles iriam em seguida. Sam havia sido a sua melhor esperança de encontrar o seu pai. Ela não tinha nenhuma outra ideia. Se ela tivesse, já o teria encontrado, muitos anos atrás. Ela não sabia o que dizer a Caleb. Ele iria embora agora? Claro que iria. Ela não era útil para ele, e ele precisava encontrar a espada. Por que ele ficaria com ela?
Enquanto caminhavam em silêncio, ela sentiu um nervosismo crescer, ao imaginar que Caleb estava apenas esperando pelo momento certo para escolher suas palavras com cuidado, para dizer a ela que ele precisava ir. Como todos na sua vida.
“Eu realmente sinto muito,” ela disse finalmente, suavemente, “pela maneira que eu agi antes. Sinto muito por ter perdido o controle.”
“Não sinta. Você não fez nada de errado. Você está aprendendo. E você é muito poderosa.”
“Eu também sinto muito pela maneira que meu irmão agiu.”
Ele sorriu. “Se existe uma coisa que eu aprendi durante os séculos, é que você não pode controlar a sua família.”
Eles continuaram caminhando em silêncio. Ele olhou para o rio.
“Então?” ela perguntou, finalmente. “E agora?”
Ele parou e olhou para ela.
“Você vai embora?” ela perguntou, hesitante.
Ele parecia estar imerso em seus pensamentos.
“Você consegue pensar em qualquer outro lugar onde o seu pai possa estar? Alguma outra pessoa o conhecia? Qualquer coisa?”
Ela já havia tentado. Não havia nada. Absolutamente nada. Ela balançou a cabeça.
“Deve haver alguma coisa,” ele disse com empatia. “Pense bem. As suas memórias. Você não tem nenhuma memória?”
Caitlin pensou bem. Ela fechou os olhos e realmente desejou lembrar. Ela havia feito a mesma pergunta a si mesma, muitas vezes. Ela havia visto o pai, muitas vezes, em sonhos, e não sabia mais o que era sonho e o que era realidade. Ela podia recitar sonho após sonho nos quais ela o havia visto, sempre o mesmo sonho, ela correndo por um campo, ele parado à distância, então, ele se afastando conforme ela chegava mais perto. Mas aquele não era ele. Eram apenas sonhos.
Haviam flashbacks, memórias de quando ela era uma criança, indo com ele para algum lugar. No verão, ela imaginava. Ela lembrava do oceano. E de que estava calor, muito calor. Mas mesmo assim, ela não tinha certeza de que aquilo era real. O limite parecia cada vez mais embaçado. E ela não conseguia lembrar exatamente onde aquela praia era.
“Eu sinto muito,” ela disse. “Eu queria ter alguma coisa. Se não por você, por mim. Eu não tenho nada. Não tenho a mínima ideia de onde ele está. E eu não tenho a mínima ideia de como encontrá-lo.”
Caleb se virou e olhou para o rio. Ele suspirou profundamente. Ele observou o gelo, e seus olhos mudaram de cor novamente, desta vez para um cinza marinho.
Caitlin sentiu que o momento estava chegando. A qualquer momento, ele iria se virar para ela e dar a notícia. Ele estava indo embora. Ela não era mais útil para ele.
Ela quase quis inventar alguma coisa, mentir sobre seu pai, sobre alguma pista, apenas para que ele ficasse com ela. Mas ela sabia que não faria isto.
Ela sentiu vontade de chorar.
“Eu não entendo,” Caleb disse suavemente, ainda olhando para o rio. “Eu tinha certeza de que você era a escolhida.”
Ele ficou em silêncio. Parecia que horas haviam passado, enquanto ela esperava.
“E há mais uma coisa que eu não entendo,” ele disse, finalmente, virando e olhando para ela. Os seus grandes olhos eram hipnotizantes.
“Eu sinto algo quando estou com você. Obscuro. Com os outros, eu sempre consigo ver as vidas que compartilhamos, todas as vezes que nossos caminhos se cruzaram, em qualquer encarnação. Mas com você... tudo está obscuro. Eu não vejo nada. Isso nunca aconteceu comigo antes. É como se… eu estivesse sendo impedido de ver algo.”
“Talvez nós não tenhamos compartilhado nada,” Caitlin respondeu.
Ele balançou a cabeça.
“Eu veria isso. Com você, eu não consigo ver nada. Nem o nosso futuro juntos. E isto nunca aconteceu comigo. Nunca—em 3 mil anos. Eu me sinto como se… lembrasse de você, de alguma forma. Eu sinto como se estivesse prestes a ver tudo. Está na ponta da minha mente. Mas nada chega. E isto está me enlouquecendo.”
“Então,” ela disse, “talvez não aja nada. Talvez seja apenas o aqui e o agora. Talvez, nunca tenha havido algo mais, e talvez nunca haja.”
Imediatamente, ela se arrependeu de suas palavras. Lá foi ela novamente, abrindo a boca, dizendo coisas estúpidas que ela não tinha a intenção de dizer. Por que ela havia dito aquilo? Era o total oposto do que ela estava pensando, sentindo. Ela queria dizer: Sim. Eu sinto o mesmo. Eu sinto como se tivesse estado com você desde sempre. E que estarei com você para sempre. Mas em vez disse, tudo saiu errado. Era porque ela estava nervosa. E agora, ela não podia retirar o que havia dito.
Mas Caleb não se deu por vencido. Em vez disso, ele se aproximou, levantou uma mão e a colocou lentamente no rosto dela, puxando seu cabelo para trás. Ele olhou profundamente nos olhos dela, e ela viu seus olhos mudarem novamente, desta vez, do cinza para o azul. Eles a encaravam fixamente. A conexão era irresistível.
O coração dela batia e ela sentiu um incrível calor subir por todo o seu corpo. Ela se sentiu como se estivesse se perdendo.
Ele estava tentando se lembrar? Ele estava prestes a dizer adeus?
Ou ele estava prestes a beijá-la?
QUATRO
Se havia alguma coisa que Kyle odiava mais do que humanos, eram políticos. Ele não aguentava a sua postura, sua hipocrisia, seu complexo de superioridade. Ele não aguentava a sua arrogância. E baseada em nada. A maioria deles havia vivido menos de 100 anos. Ele havia vivido mais de cinco mil. Quando eles falavam sobre a sua “experiência passada”, ele ficava fisicamente doente.
Era o destino de Kyle que ele precisasse conviver com eles, passar por eles todas as noites, quando ele levantava de seu sono e subia para a superfície através da prefeitura. O Clã Blacktide havia criado seu habitat nas profundezas da prefeitura de Nova York à séculos atrás, e o clã sempre havia tido uma parceria próxima com os políticos. Na verdade, a maioria dos supostos políticos que ocupavam a sala eram membros secretos do seu clã, executando os seus desejos pela cidade e pelo estado. Era um mal necessário, essa mescla, fazer negócios com humanos.
Mas haviam humanos suficientes entre aqueles políticos para arrepiar a pele dele. Ele detestava ter que permitir a presença deles no prédio. Ele ficava especialmente incomodado quando eles se aproximavam demais dele. Enquanto caminhava, ele inclinou o ombro na direção de um deles, o empurrando com força. “Ei!” o homem gritou, mas Kyle continuou caminhando, cerrando o maxilar e indo na direção das portas duplas no fim do corredor.
Kyle mataria todos eles se pudesse. Mas ele não tinha permissão. Seu clã ainda tinha que responder ao Conselho Supremo, e por alguma razão, eles ainda estavam evitando o confronto. Esperando pela hora cerra para acabar com a raça humana para sempre. Kyle estava esperando por milhares de anos, e ele não sabia o quanto mais ele poderia esperar. Haviam alguns belos momentos na história em que eles haviam chegado perto, quando haviam recebido autorização. Em 1350, na Europa, quando todos haviam finalmente chegado à um consenso, e haviam espalhado a Peste Negra juntos. Aquele foi um grande momento. Kyle sorriu ao lembrar daquilo.
Haviam outros bons momentos também—como a Idade Média, quando eles tiveram permissão de guerrear por toda a Europa, matar e estuprar milhões. Kyle deu um sorriso largo. Aqueles haviam sido os melhores séculos da sua vida.
Mas nas últimas centenas de anos, o Conselho Supremo havia se tornado tão fraco, tão patético. Como se tivessem medo dos humanos. A Segunda Guerra Mundial havia sido boa, mas tão limitada e breve. Ele queria mais. Desde então, nenhuma grande peste ou guerra de verdade haviam acontecido. Era quase como se a raça dos vampiros estivesse paralisada, com medo do número e dos poderes crescentes dos humanos.
Agora, finalmente, eles estavam mudando de ideia. Enquanto Kyle saía pela porta da frente, descia a escada e saía da prefeitura, ele tinha uma certa animação no passo. Ele acelerou o passo, ansioso pela sua ida até o Porto da Rua Sul. Havia uma grande encomenda esperando por ele. Dezenas de milhares de caixas com Peste Bubônica perfeitamente intacta e geneticamente modificada. Eles a estavam armazenando na Europa por centenas de anos, perfeitamente preservada desde o último surto. E agora, eles a haviam modificado para ser completamente resistente à antibióticos. E tudo ficaria à cargo de Kyle. Para fazer como ele quisesse. Para começar uma nova guerra no continente americano. No seu território.
Ele seria lembrado por séculos.
Pensar naquilo fez Kyle dar uma gargalhada, apesar de que, com as suas expressões faciais, a sua risada parecia mais com um rosnado.
Ele teria que prestar contas à Rexius, o líder do seu clã, claro, mas isso era apenas um detalhe técnico. Na verdade, ele seria o líder. Os milhares de vampiros no seu clã—e em todos os clãs vizinhos—responderiam à ele. Ele seria mais poderoso do que já havia sido.
Kyle já sabia como ele espalharia a peste: ele espalharia um carregamento na Penn Station, um na Grand Central, e um na Times Square. Tudo perfeitamente sincronizado, tudo na hora do rush. Aquilo realmente faria as coisas acontecerem. Dentro de alguns dias, ele acreditava, metade de Manhattan estaria infectada, e dentro de outra semana, todos estariam. Esta peste se espalhava rapidamente, e da forma que eles a haviam fabricado, ela seria transmissível pelo ar.
Os patéticos humanos iriam isolar a cidade, claro. Fechar pontes e túneis. Parar o tráfego aéreo e de embarcações. E aquilo era exatamente o que ele queria. Eles estariam trancando a si mesmos no terror que seguiria. Presos, morrendo da peste, Kyle e seus milhares de criados iriam criar uma guerra vampírica como nada que a raça humana havia visto. Dentro de dias, eles matariam todos os nova-iorquinos.
E então, a cidade seria deles. Não apenas o subterrâneo, mas a superfície também. Seria o começo, o canto da sereia pra cada clã em cada cidade, em cada país, para que fizessem o mesmo. Dentro de algumas semanas, os Estados Unidos seria deles, se não o mundo inteiro. E Kyle seria aquele que havia começado tudo. Ele seria lembrado. Aquele que havia colocado a raça dos vampiros na superfície para sempre.
Claro que eles sempre poderiam encontrar uma forma de usar os humanos restantes. Eles poderiam escravizar aqueles que sobrevivessem, armazená-los em grandes fazendas de criação. Kyle adoraria isso. Ele faria questão de deixá-los roliços e gordos, e então, sempre que a raça dele estivesse com fome, eles teriam uma grande variedade para escolher. Todos perfeitamente maduros. Sim, os humanos fariam bons escravos. E refeições deliciosas, se criados adequadamente.
Kyle salivou ao pensar naquilo. Bons momentos estavam à sua frente. E nada ficaria no seu caminho.
Nada, além daquele maldito clã White, enraizado embaixo dos Claustros. Sim, eles seriam uma pedra no seu caminho. Mas não uma pedra muito grande. Assim que ele encontrasse aquela garota horrível, Caitlin, e aquele traidor renegado, Caleb, eles o levariam até a espada. E então, o clã White ficaria indefeso. Nada sobraria para ficar no caminho dele.
Kyle se encheu de ódio ao pensar naquela garotinha estúpida, escapando das suas garras. Ela havia o feito de idiota.
Ele virou na Wall Street, e um transeunte, um homem grande, teve o azar de passar por ele. Quando os seus caminhos se cruzaram, Kyle o empurrou com o ombro o mais forte que pôde. O homem caiu para trás por vários metros, batendo em uma parede.
O homem, vestido em um bom terno, gritou, “Ei cara, qual é o seu problema!?”
Mas Kyle o encarou com um sorriso irônico, e a expressão do homem mudou. Com 1,98 m, ombros enormes e características impressionantes, Kyle não era um homem que pudesse ser desafiado. O homem, apesar do seu tamanho, se virou rapidamente e continuou caminhando. Ele sabia o que era melhor para ele.
Empurrar o homem o fez se sentir um pouco melhor, mas a raiva de Kyle ainda era grande. Ele pegaria aquela garota. E a mataria lentamente.
Mas agora não era a hora. Ele precisava limpar a mente. Ele tinha coisas mais importantes para fazer. O carregamento. O cais.