Ao cortar seu bife, ele adicionou:
- Eu tive que trazer trabalho para casa. Vou ter que dar conta disso depois de comermos.
Riley segurou um suspiro de decepção. Ela esperava que aquele jantar terminasse de uma maneira mais romântica.
Os dois comeram em silêncio por alguns momentos. Depois, Ryan começou a reclamar sobre seu dia.
- Esse nível de trabalho, inicial, é praticamente escravidão. Temos que fazer todo o trabalho duro para os sócios—pesquisa, escrever briefings, deixar tudo pronto para o tribunal. E trabalhamos muito mais horas do que eles. Parece um tipo de trote, só que nunca acaba.
- Vai melhorar – Riley disse.
Então, forçou uma risada e acrescentou:
- Um dia você vai ser um sócio. E vai ter uma equipe inteira de novatos que vão para casa reclamar sobre você.
Ryan não riu, e Riley não o culpou. Ela só percebeu que a piada fora ruim depois que já tinha dito.
Ryan continuou resmungando durante o jantar, e Riley não sabia se estava mais chateada ou com raiva. Ele não tinha gostado de todo o esforço dela para fazer daquela uma noite perfeita?
Ele não entendia quanto a vida deles estava prestes a mudar?
Quando Ryan fez silêncio por alguns momentos, Riley disse:
- Sabe, vamos nos reunir amanhã no FBI para comemorar o fim do estágio. Você vai poder ir comigo, né?
- Acho que não, Riley. Essa semana vai ser cheia.
Riley quase se engasgou.
- Mas amanhã é domingo – ela disse.
Ryan encolheu os ombros e respondeu:
- Sim, pois é, como eu falei—trabalho escravo.
Riley respondeu:
- Olhe, não vai levar o dia todo. Vai ter um ou outro discurso—do diretor assistente e do nossos supervisor que vão querer falar um pouco. Depois vai ter uns salgados e—
Ryan interrompeu:
- Riley, me desculpe.
- Mas eu vou sair de Quantico amanhã, logo depois. Vou levar minha mala comigo. Achei que você iria me levar na rodoviária.
- Não posso – Ryan disse, um pouco ríspido. – Você vai ter que dar outro jeito de chegar lá.
Eles comeram em silêncio por alguns momentos.
Riley teve dificuldades em entender o que estava acontecendo. Por que Ryan não poderia acompanhá-la no dia seguinte? Levaria só algumas horas. Então, uma ficha começou a cair. Ela disse:
- Você ainda não quer que eu vá para Quantico.
Ryan resmungou, chateado.
- Riley, não vamos começar com isso – ele disse.
Riley sentiu seu rosto quente de raiva.
- Mas é agora ou nunca, não é?
- Você tomou sua decisão. E pelo que sei você não vai mudar.
Os olhos de Riley se arregalaram.
- Minha decisão? – ela disse. – Achei que fosse a nossa decisão.
Ryan suspirou.
- Não vamos falar sobre isso – ele disse. – Vamos terminar de comer, ok?
Riley parou, olhando para Ryan, que continuou comendo.
Ela começou a se perguntar...
Ele está certo?
Eu coloquei nós dois nessa?
Tentou pensar nas conversas entre os dois, tentando se lembrar, entender. Ela lembrava do quão orgulhoso Ryan ficara quando ela havia conseguido parar o Palhaço Assassino.
“Você salvou a vida de pelo menos uma mulher. Resolvendo esse caso, você pode ter salvado a vida de outras também. Que loucura. Acho que talvez você seja louca. Mas também é uma heroína”.
Na época, ela imaginara que era isso o que ele queria—que ela construísse uma carreira no FBI, que seguisse sendo uma heroína.
Mas agora, pensando naquilo, Riley não conseguia se lembrar dele dizendo exatamente essas palavras. Ryan nunca havia lhe dito...
“Eu quero que você vá. Eu quero que você siga seu sonho.”
Riley suspirou lentamente, várias vezes.
Precisamos discutir isso com calma, pensou.
Finalmente, disse:
- Ryan, o que você quer? Para nós, eu digo.
Ryan inclinou a cabeça e olhou para ela.
- Você quer mesmo saber? – Ele perguntou.
A garganta de Riley deu um nó.
- Eu quero saber – ela disse. – Me diga o que você quer.
Um olhar dolorido tomou conta do rosto de Ryan. Riley tentou imaginar o que ele diria a seguir. Finalmente, ele respondeu:
- Eu só quero uma família.
Então, ele encolheu os ombros e comeu mais um pedaço de carne.
Sentindo-se um pouco aliviada, Riley respondeu:
- Eu também quero.
- Quer mesmo? – Ryan perguntou.
- Claro que sim. Você sabe que sim.
Ryan balançou a cabeça e disse:
- Não sei nem se você sabe o que quer de verdade.
Riley sentiu-se como se tivesse levado um soco no estômago. Por um momento, ela simplesmente não soube o que dizer. Depois, finalmente falou:
- Você não acha que eu posso ter uma carreira e uma família?
- Com certeza sim – Ryan disse. – Mulheres fazem isso o tempo todo hoje em dia. Chama-se “ter de tudo”, pelo que eu sei. É difícil, requer planejamento e sacrifícios, mas é possível. E eu amaria te ajudar a fazer tudo isso. Mas...
A voz dele diminuiu.
- Mas o que? – Riley perguntou.
Ele respirou profundamente, depois respondeu.
- Talvez seria diferente se você quisesse ser uma advogada, como eu. Ou uma médica, ou uma psiquiatra. Ou corretora. Ou começasse seu próprio negócio. Ou se tornasse uma professora universitária. Eu poderia lidar com tudo isso. Poderia mesmo. Mas essa história toda de você ir para o FBI—você vai ficar em Quantico por dezoito semanas! Quantas vezes nós vamos nos ver nesse período? Você acha que qualquer relação consegue sobreviver a esse tempo todo? E além disso...
Ele olhou para Riley por um instante. Depois, continuou:
- Riley, você quase morreu duas vezes desde que eu te conheci.
Riley engoliu em seco.
Ele estava certo, claro. Seu encontro mais recente com a morte fora nas mãos do Palhaço Assassino. Antes disso, durante seu último semestre na faculdade, ela quase havia sido assassinada por um professor psicopata que ainda aguardava julgamento por ter matado outras duas alunas. Riley conhecia aquelas garotas. Uma delas era sua melhor amiga e colega de quarto.
A ajuda de Riley para solucionar aquele caso terrível de assassinato acabara levando-a ao programa de estágio de verão, e fora uma das principais razões pela quais ela decidira se tornar uma agente do FBI.
Com a voz em choque, Riley disse:
- Você quer que eu saia? Você quer que eu não vá para Quantico amanhã?
Ryan respondeu:
- Não importa o que eu quero.
Riley estava lutando para não chorar.
- Sim, importa sim, Ryan – ela disse. – Importa muito.
Ryan fechou os olhos pelo que pareceu ser um bom tempo. Depois, disse:
- Acho que sim. Quero dizer, quero que você saia. Eu sei que você acha isso incrível. Que tem sido uma aventura e tanto para você. Mas é hora de nós dois nos acalmarmos. É hora de encararmos nossa vida real.
Riley de repente sentiu-se como se estivesse em um pesadelo, mas sem conseguir acordar.
Nossa vida real! Pensou.
O que aquilo significava?
E o que dizia sobre ela o fato de ela não saber o que aquilo significava?
Riley só tinha uma certeza...
Ele não quer que eu vá para Quantico.
Então, Ryan disse:
- Olhe, você pode trabalhar com todos os tipos de serviços aqui em Washington. E você tem muito tempo para pensar no que quer fazer a longo prazo. Enquanto isso, não interessa se você ganhar pouco ou muito dinheiro. Nós não vamos ser ricos com meu salário, mas vamos viver bem, e logo eu vou estar ganhando muito bem.
Ryan voltou a comer, parecendo estranhamente aliviado, como se tivesse resolvido tudo.
Mas eles haviam resolvido algo? Riley havia passado o verão inteiro sonhando com a Academia do FBI. Não passava pela cabeça dela desistir naquele momento.
Não, pensou. Não posso fazer isso.
Então, sentiu a raiva subindo em seu corpo. Com a voz tensa, disse;
- Sinto muito por você pensar assim. Não vou mudar de ideia. Vou para Quantico amanhã.
Ryan olhou para ela como se não acreditasse no que estava ouvindo.
Riley levantou-se da mesa e disse:
- Aproveite o resto do jantar. Tem cheesecake na geladeira. Estou cansada. Vou tomar banho e deitar.
Antes que Ryan pudesse responder, Riley seguiu para o banheiro. Ela chorou por alguns minutos, depois tomou um banho quente e demorado. Quando colocou seu roupão e chinelos e saiu do banheiro, viu Ryan sentado na cozinha. Ele havia limpado a mesa e estava trabalhando em seu computador. Ele não olhou para ela.
Riley foi para o quarto, caiu na cama e começou a chorar novamente.
Ao enxugar os olhos e assoar o nariz, perguntou-se:
Por que estou com tanta raiva?
Ryan está errado?
Algo nisso tudo é culpa dele?
Seus pensamentos estavam confusos e ela não conseguia raciocinar. Então, uma memória terrível a assombrou—de acordar na cama com muita dor e ver que estava rodeada por sangue...
Meu aborto.
Encontrou-se perguntando-se—seria aquela uma das razões pelas quais Ryan não queria que ela fosse para o FBI? Ela estava muito estressada com o caso do Palhaço Assassino na época do aborto. Mas a médica havia assegurado que aquele estresse não tivera nada a ver com o acidente.
Ao invés disso, a médica havia dito que a causa fora “anormalidades nos cromossomos”.
Pensando naquilo tudo novamente, aquela palavra a incomodou...
Anormalidades.
Perguntou-se: seria ela de alguma forma anormal, no que se tratava do que realmente importava?
Seria ela incapaz de ter uma relação duradoura e uma família?
Ao deitar-se para tentar dormir, sentiu que só tinha certeza de uma coisa...
Vou para Quantico amanhã.
Pegou no sono antes que pudesse imaginar o que aconteceria depois.
CAPÍTULO DOIS
O homem sentiu prazer ao ouvir o gemido fraco da mulher. Ele sabia que ela estava voltando a ficar consciente. Sim, ele pode ver os olhos dela se abrindo um pouco.
Ela estava deitada de lado em uma mesa de madeira rústica na pequena sala de chão sujo, paredes de concreto e teto de madeira baixo. Estava amarrada com força, como uma concha, com muita fita adesiva. Suas pernas pressionavam seu peito, e suas mãos estavam presas nas canelas. Sua cabeça estava encostada em seus joelhos.
Ela o fazia lembrar de fotos que ele havia visto de fetos humanos—e também de embriões que às vezes encontrava quebrando ovos de galinha. Ela parecia inocente, ingênua, e aquilo de era de certa forma comovente.
Principalmente, é claro, ela o lembrava de outra mulher—seu nome era Alice, ele acreditava. Certa vez, ele pensara que Alice seria a única que ele trataria daquele jeito, mas ele havia gostado... e havia poucos prazeres em sua vida... como ele iria parar?
- Dói – a mulher murmurou, como se estivesse sonhando. – Por que dói?
Ele sabia que era porque ela estava deitada em uma cama com um emaranhado de arame farpado. O sangue escorria pela mesa, juntando-se às manchas da mesa inacabada. Não que aquilo importasse. A mesa era mais velha do que ele, e ele era a única pessoa que a veria.
Ele também estava com dor e sangrando. Havia se cortado ao tirá-la da picape com arame farpado. Fora mais difícil do que ele esperava, porque ela havia tentado lutar mais de uma vez.
Ela havia se contorcido muito enquanto o clorofórmio caseiro fizera efeito. Mas sua luta enfraquecera e ele finalmente a dominara completamente.
Mesmo assim, ele não estava chateado por ter se machucado com o arame. Sabia, por experiência própria, que aqueles arranhões curavam-se rapidamente, mesmo que deixassem algumas cicatrizes.
Abaixou-se e olhou o rosto dela de perto.
Os olhos dela estava abertos, arregalados agora. Sua íris se contorcia enquanto ela olhava para ele.
Ela ainda está tentando evitar olhar para mim, ele percebeu.
Todo mundo agia assim com ele, em qualquer lugar. Ele não culpava as pessoas por fingirem que ele era invisível, ou que ele simplesmente não existia. Algumas vezes, ele olhava no espelho e desejava que pudesse desaparecer.
Então, a mulher murmurou novamente...
- Dói.
Além dos cortes, ele sabia que a cabeça dela estava doendo por conta da alta dose de clorofórmio caseiro. Na primeira vez em que criara aquela substância, ali mesmo, ele quase havia desmaiado, e sofrera com uma dor de cabeça forte vários dias depois. Mas a preparação havia dado certo, então ele pode continuar.
Agora, ele estava preparado para o próximo passo. Estava vestindo luvas grossas e uma jaqueta grossa e acolchoada. Não iria machucar a si mesmo novamente até terminar o processo.
Começou o trabalho com o arame farpado e cortadores de fio. Depois, passou um fio pelo corpo da mulher e torceu as pontas em nós improvisados para mantê-lo no lugar.
A mulher gemeu de dor e tentou se virar, mas o arame arranhou sua pele e sua roupa.
Enquanto trabalhava, ele disse:
- Você não precisa ficar quieta. Pode gritar o quanto quiser—se for ajudar.
Certamente, ele não tinha medo de que alguém pudesse ouvi-la.
Ela resmungou mais alto, como se quisesse gritar, mas estava com a voz fraca.
Ele riu, quieto. Sabia que ela não conseguiria juntar ar suficiente nos pulmões para gritar—não com as pernas apertando seu peito daquele jeito.
Ele colocou mais um fio de arame farpado nela e apertou, vendo o sangue sair de cada machucado através das roupas dela, encharcando o tecido, abrindo buracos muito maiores do que o machucado em si.
Seguiu puxando fio por fio em volta dela, até que ela estivesse toda amarrada, como se fosse um casulo de arame enorme, longe de parecer um humano. Aquele casulo fazia todos os tipos de sons, estranhos e baixos, gemidos e suspiros. O sangue não parou de jorrar até deixar a mesa inteira pintada de vermelho.
Então, ele deu um passo atrás e admirou seu trabalho.
Apagou a luz acima de sua cabeça e caminhou no escuro, fechando a porta pesada de madeira.
O céu estava limpo e estrelado, e ele só podia ouvir o barulho alto dos grilos.
Respirou profundamente aquele ar puro.
A noite estava perfeita naquele momento.
CAPÍTULO TRÊS
Enquanto se alinhava juntamente com os outros estagiários para a foto oficial, Riley ouviu a porta da sala de recepção abrir.
Seu coração pulou, e ela virou-se cheia de expectativa para ver quem havia chegado.
Mas era apenas Hoke Gilmer, o supervisor do programa de treinamento, retornando após uma saída rápida.
Riley segurou um suspiro. Ela já sabia que o Agente Crivaro não estaria ali naquele dia. No dia anterior, ele havia a parabenizado por completar o curso, e disse que queria voltar para Quantico. Era óbvio que ele simplesmente não gostava de cerimônias e recepções.
Sua esperança secreta era de que Ryan pudesse aparecer do nada para celebrar com ela o término do programa de verão.
Mas é claro que ela sabia que não podia esperar que isso acontecesse.
Mesmo assim, não pode deixar de fantasiar que, de alguma maneira, ele mudaria de ideia e apareceria no último minuto, pedindo desculpas por seu comportamento frio na noite anterior e finalmente dizendo as palavras que ela esperava tanto que ele dissesse.
“Quero que você vá para a academia. Quero que você persiga seu sonho.”
Mas obviamente, aqui não iria acontecer.
E quanto mais rápido eu tirar isso da minha cabeça, melhor.
Os 20 estagiários formaram três filas para os fotógrafos—uma sentada em uma mesa comprida, com as outras duas em pé, atrás deles. Com todos alinhados em ordem alfabética, Riley estava na fila de trás, entre duas outras estudantes cujos sobrenomes começavam com S—Naomi Strong e Rhys Seely.
Ela não conhecia nenhuma das duas muito bem.
Na verdade, ela não conhecia bem nenhum dos outros estagiários. Havia se sentido um peixe fora d’água entre eles desde o primeiro dia do programa, dez semanas antes. O único aluno de quem ela se aproximara durante todo aquele tempo fora John Welch, que agora estava em pé, um pouco mais a sua esquerda.
Naquele primeiro dia, John havia explicado porque os outros estavam olhando estranho e sussurrando coisas sobre ela.
“Todo mundo aqui sabe quem você é. Acho que sua reputação fala por você, antes de você mesma.”
Riley era, de fato, a única estagiária que já tinha o que todo mundo chamava de “experiência de campo”.