“Tivemos um homicídio aqui a noite passada,” Relatou Alford. “Uma coisa bastante feia. Deixe-me mostrar-lhe.”
Surgiu uma fotografia no ecrã de Riley. Mostrava o que aparentava ser o corpo de uma mulher pendurado de uma corrente sobre uma linha de comboio. O corpo estava envolto num amontoado de correntes e parecia estar vestido de forma estranha.
“O que é que a vítima tem vestido?” Perguntou Riley.
“Um colete-de-forças,” Respondeu Alford.
Riley ficou sobressaltada. Olhando para a foto com mais atenção, conseguia ver que assim era. Depois a imagem desapareceu e Riley deu por si a olhar novamente para Alford.
“Chefe Alford, compreendo a sua preocupação. Mas o que é que o leva a pensar que este caso é apropriado para a Unidade de Análise Comportamental?”
“Porque a mesma coisa aconteceu muito perto daqui há cinco anos atrás,” Respondeu Alford.
Uma imagem com outro corpo de mulher apareceu no ecrã. Também ela estava toda acorrentada e presa por um colete-de-forças.
“Naquela altura foi uma funcionária prisional em part-time, Marla Blainey. O MO foi idêntico, mas em vez de ser pendurada, foi atirada para a margem do rio.”
O rosto de Alford voltou a aparecer.
“Desta vez a vítima foi Rosemary Pickens, uma enfermeira da cidade,” Informou. “Não ocorre um motivo a ninguém, para nenhuma das mulheres. Ambas eram pessoas queridas.”
Alford afundou-se na cadeira e abanou a cabeça.
“Agente Paige, eu e o meu pessoal estamos a apalpar terreno para nós desconhecido. Esta nova morte tem que se enquadrar numa série ou numa cópia. O problema é que nenhuma dessas hipóteses faz sentido. Não costumamos ter esse tipo de problema em Reedsport. Esta é apenas uma pequena cidade turística junto ao rio Hudson com uma população de cerca de sete mil habitantes. Por vezes temos que intervir numa escaramuça ou pescar um turista do rio. E isso é tudo o que de mais negativo se passa por aqui.”
Riley pensou naquilo. Parecia mesmo um caso para a UAC. Ela devia encaminhar Alford diretamente para Meredith.
Mas Riley relanceou o gabinete de Meredith e viu que ainda não tinha regressado. Podia falar com ele sobre o assunto mais tarde. Entretanto, talvez pudesse ajudar um pouco.
“Quais as causas das mortes?” Perguntou.
“Gargantas cortadas, ambas.”
Riley tentou não mostrar a sua surpresa. O estrangulamento e golpe grosseiro eram mais comuns do que o corte.
Parecia ser um assassino muito invulgar. Ainda assim, era o tipo de psicopata que Riley conhecia bem. Especializara-se exatamente em casos como aquele. Seria uma pena não poder aplicar os seus conhecimentos àquele caso. À luz do seu trauma recente, não lhe atribuiriam o caso.
“Já desceram o corpo?” Perguntou Riley.
“Ainda não,” Respondeu Alford. “Ainda está aqui pendurada.”
“Então não desçam. Deixem-no aí por agora. Esperem até os nossos agentes chegarem.”
Alford não pareceu agradado.
“Agente Paige, isso vai ser difícil. Está mesmo ao lado das linhas de comboio e pode ser visto do rio. E a cidade não precisa deste tipo de publicidade. A pressão para o descer é imensa.”
“Deixe-o,” Disse Riley. “Sei que não é fácil, mas é importante. Não vai demorar muito tempo. Teremos agentes aí ainda esta tarde.”
Alford assentiu, concordado em silêncio.
“Tem mais fotos da última vítima?” Perguntou Riley. “Imagens mais detalhadas?”
“Claro, vou mostrar-lhas.”
Riley observou uma série de fotos pormenorizadas do corpo. Os polícias locais tinham feito um bom trabalho. As fotos mostravam quão apertadas e elaboradamente envoltas no corpo estavam as correntes.
Finalmente, surgiu uma imagem aproximada do rosto da vítima.
Riley sentiu um sobressalto no coração. Os olhos da vítima estavam inchados e a boca estava amordaçada com uma corrente. Mas não foi isso que chocou Riley.
A mulher era muito parecida com Marie. Era mais velha e mais pesada, mas ainda assim, Marie ficaria muito parecida com aquela mulher se tivesse vivido mais uma década. Aquela imagem fora um soco no estômago de Riley. Era como se Marie lhe estivesse a pedir ajuda, a exigir que ela apanhasse aquele assassino.
Sabia que tinha que ficar com aquele caso.
CAPÍTULO 4
Peterson circulava, nem muito devagar, nem muito depressa, sentindo-se bem por ter a rapariga novamente debaixo de olho. Tinha-a finalmente encontrado. Ali estava ela, a filha de Riley, sozinha, a ir para a escola, sem lhe passar pela cabeça que ele a perseguia, sem lhe passar pela cabeça que ele estava prestes a matá-la.
Enquanto a observava, ela parou repentinamente e virou-se, como se pressentisse que estava a ser vigiada. Estacou e ali ficou, indecisa. Alguns estudantes passaram por ela e entraram no edifício.
Peterson encostou o carro na berma, esperando pelo seu próximo passo.
Não que a rapariga lhe interessasse particularmente. A mãe é que era o verdadeiro alvo da sua vingança. A mãe que o havia contrariado de forma inominável e que tinha que pagar por isso. De certa forma, já tinha pago, afinal, ele levara Marie Sayles a suicidar-se. Mas agora chegara a altura de lhe arrancar dos braços a pessoa mais importante da sua vida.
Para seu contentamento, a rapariga começou a voltar para trás e a afastar-se da escola. Aparentemente, decidira hoje não ir às aulas. O seu coração bateu com mais intensidade – ele queria atacar. Mas não podia. Ainda não. Tinha que ser paciente. Havia outras pessoas na rua.
Peterson arrancou e circulou no espaço de um quarteirão, forçando-se a ser paciente. Reprimiu um sorriso, antevendo a alegria iminente. Com aquilo que reservara para a sua filha, Riley ia sofrer de uma forma inimaginável. Apesar de ainda ser desengonçada e estranha, a miúda era muito parecida com a mãe. E isso só tornava tudo ainda mais agradável.
Enquanto conduzia, reparou que a miúda caminhava vigorosamente. Parou na curva e observou-a durante alguns momentos até se aperceber que se encaminhava para fora da cidade. Se ia para casa sozinha, então este poderia ser o momento ideal para levar o seu plano avante.
Com o coração a bater descompassadamente, querendo saborear a antecipação, Peterson conduziu mais um quarteirão.
Ele sabia que era necessário saber adiar certos prazeres, esperar até chegar o momento certo. A recompensa adiada tornava tudo mais agradável. Sabia-o graças a muitos anos de deliciosa e vagarosa crueldade posta em prática.
Há tanto por que esperar, Pensou, satisfeito.
Quando deu a volta e a viu novamente, Peterson riu-se. Estava a pedir boleia! Deus estava do seu lado naquele dia. Era óbvio que estava destinado a matá-la.
Parou o carro ao lado dela e dirigiu-lhe o seu mais agradável sorriso.
“Queres uma boleia?”
A miúda lançou-lhe um sorriso aberto. “Obrigado. Isso seria ótimo.”
“Para onde vais?” Perguntou.
“Vivo logo a seguir à cidade.”
A miúda disse-lhe a morada.
Peterson disse, “Fica a caminho. Entra.”
A miúda sentou-se no banco da frente. Observou, ainda mais satisfeito, que ela até tinha os olhos cor de avelã da mãe.
Peterson carregou no trinco para trancar as portas e as janelas. No meio do ruído difuso do ar condicionado, a rapariga nem se apercebeu de nada.
*
April sentiu um agradável fluxo de adrenalina ao colocar o cinto de segurança. Nunca tinha pedido boleia na vida. A mãe teria um ataque se descobrisse.
É claro que era algo que convinha à mãe. Fora desprezível deixá-la dormir em casa do pai a noite passada – tudo por causa da ideia maluca de que o Peterson tinha estado em sua casa. Não era verdade e April sabia-o. Os dois agentes que a tinham levado a casa do pai tinham-no dito. Por aquilo que comentaram entre eles, quase parecia que toda a agência achava que a mãe estava um bocado passada da cabeça.
O homem perguntou, “Então o que te traz a Fredericksburg?”
April virou-se e olhou para ele. Era um tipo de aspeto agradável com um maxilar saliente, cabelo desgrenhado e pera. Sorria.
“Escola,” Disse April.
“Um curso de verão?” Perguntou o homem.
“Sim,” Respondeu April. De certeza que não lhe ia dizer que decidira faltar às aulas. Não que parecesse alguém que não compreenderia. Parecia muito fixe. Talvez até lhe agradasse ajudá-la a desafiar a autoridade parental. Ainda assim, era melhor não arriscar.
O sorriso do homem tornou-se desconfiado.
“E o que pensa a tua mãe sobre pedir boleia?” Perguntou.
April corou de vergonha.
“Oh, ela não se importa,” Respondeu.
O homem soltou uma risadinha. Não era um som muito agradável. E April lembrou-se de algo. Ele perguntara o que a mãe pensava, não o que os pais pensavam. O que o levara a formular a pergunta daquela forma?
O trânsito era intenso perto da escola àquela hora da manhã. Ia demorar algum tempo a chegar a casa. April esperava que o homem não fosse demasiado conversador. Aquilo podia tornar-se estranho.
Após algum tempo de silêncio, April começou a sentir-se desconfortável. O homem já não sorria e a sua expressão pareceu-lhe sombria. Reparou que todas as portas estavam trancadas. Sub-repticiamente, tocou no botão da janela do lado do passageiro. Não se mexia.
O carro parou atrás de uma fila de carros que aguardavam pelo semáforo verde. O homem fciou na fila para virar à esquerda e, de repente, April sentiu uma súbita explosão de ansiedade apoderar-se dela.
“Hum… temos que ir por aqui,” Disse.
O homem nada disse. Será que não a tinha ouvido? Incompreensivelmente, não tivera a coragem de repetir o que dissera. Para além disso, talvez ele quisesse seguir por um caminho diferente. Mas não, ela não percebia como é que a levaria a casa seguindo naquela direção.
April começou a pensar no que devia fazer. Deveria gritar por socorro? Alguém a ouviria? E se o homem não tivesse ouvido o que ela tinha dito? E não lhe quisesse fazer mal? Seria tremendamente embaraçoso.
E foi então que April viu alguém conhecido a caminhar descontraidamente no passeio com a mochila pendurada no ombro. Era Brian, o seu “namorado”. Bateu audivelmente no vidro.
Suspirou de alívio quando Brian olhou e a viu.
“Queres uma boleia?” Perguntou a Brian através do vidro.
Brian sorriu e assentiu.
“Oh, é o meu namorado,” Disse April. “Podemos parar e dar-lhe boleia, por favor? De qualquer das formas, ia para a minha casa.”
Era mentira. April não fazia a mínima ideia para onde ia Brian. O homem franziu as sobrancelhas e resmoneou qualquer coisa. Não estava contente com aquela situação. Iria parar? O coração de April batia a um ritmo diabólico.
Brian falava ao telemóvel no passeio. Mas estava a olhar diretamente para o carro e April estava certa de que conseguia ver o condutor nitidamente. Estava contente por ter uma potencial testemunha no caso do homem ter em mente algo ilícito.
O homem estudou Brian, viu-o falar ao telemóvel e viu-o a olhar para ele.
Sem dizer uma palavra, o homem destrancou as portas. April fez sinal a Brian para entrar no banco detrás, ele abriu a porta e entrou. Fechou a porta no preciso momento em que a luz verde se acendeu e a fila de carros começou novamente a circular.
“Obrigado pela boleia,” Agradeceu Brian.
O homem não proferiu uma palavra, permanecendo de cenho franzido.
“Este senhor está a levar-nos para minha casa, Brian,” Informou April.
“Fantástico,” Respondeu Brian.
Agora April sentia-se segura. Se o homem realmente tivesse más intenções, de certeza que não os levaria a ambos. De certeza que os levaria diretamente para casa da mãe.
Refletindo antecipadamente, April pensou se deveria contar à mãe sobre o homem e as suas suspeitas. Mas não, isso significaria revelar que faltara às aulas e pedira boleia. A mãe castigava-a de vez.
Além disso, pensou, o condutor não podia ser Peterson.
Peterson era um assassino psicopata, não um homem normal a conduzir um carro.
E afinal de contas, Peterson estava morto.
CAPÍTULO 5
A expressão rígida e sombria de Brent Meredith indicava a Riley que ele não gostara nada do seu pedido.
“É um caso para mim,” Disse Riley. “Tenho mais experiência que qualquer outro com este tipo de assassino em série pervertido.”
Acabara de descrever a chamada recebida de Reedsport.
Após um longo silêncio, Meredith finalmente suspirou.
“Autorizada,” Anunciou, relutantemente.
Riley libertou um suspiro de alívio.
“Obrigado,” Agradeceu.
“Não me agradeça,” Rosnou Meredith. “Faço isto indo contra o senso comum. Só o permito porque tem as capacidades necessárias para lidar com este caso. A sua experiência com este tipo de assassino é única. Vou atribuir-lhe um parceiro.”
Riley sentiu um abanão de desânimo. Sabia que trabalhar com Bill não era uma boa opção neste momento, mas imaginou se Meredith sabia o porquê da tensão existente entre os parceiros de longa data. Pensou que o mais provável era Bill ter dito a Meredith que queria ficar mais perto de casa.
“Mas…” Principiou Riley.
“Não há mas,” Sentenciou Meredith. “E nada de artifícios de loba solitária. Não é inteligente e vai contra todas as regras. Quase morria mais do que uma vez. Regras são regras. E eu já estou a quebrar algumas neste momento ao não deixá-la de baixa depois dos recentes incidentes.”
“Sim, senhor,” Concordou Riley ordeiramente.
Meredith esfregou o queixo, obviamente considerando todas as opções que se lhe apresentavam. Acabou por dizer, “A agente Vargas vai consigo.”
“Lucy Vargas?” Perguntou Riley.
Meredith limitou-se a assentir. Riley não gostou muito da ideia.
“Ela fazia parte da equipa que esteve na minha casa ontem à noite,” Disse Riley. “Parece ser muito profissional e eu gostei dela, mas é uma novata. Estou habituada a trabalhar com alguém mais experiente.”
Meredith sorriu abertamente. “As notas dela na academia eram as mais altas. É certo que é jovem, mas é raro alguém sair diretamente da academia para a UAC. Ela é boa a esse ponto. Está pronta para ter uma experiência no terreno.”
Riley sabia que não tinha escolha.
Meredith prosseguiu, “Quando pode ir?”
Riley fez um cálculo mental. Em primeiro lugar, tinha que falar com a filha. E que mais? Não tinha o kit de viagem no gabinete. Tinha que ir até Fredericksburg, parar em casa, assegurar-se que April ficava em casa do pai e depois regressar a Quantico.
“Dê-me três horas,” Concluiu.
“Vou pedir um avião,” Disse Meredith. “Vou avisar o chefe da polícia de Reedsport que temos uma equipa a caminho. Esteja na pista daqui a exatamente três horas. Se se atrasar, vai ser o inferno na terra.”
Riley levantou-se nervosamente da cadeira.
“Compreendo,” Disse. Quase lhe agradeceu novamente, mas rapidamente se lembrou de que não o devia fazer. Saiu do gabinete sem proferir mais uma palavra.
*
Riley chegou a casa em meia hora, estacionou o carro e voou na direção da porta de entrada. Tinha que pegar no kit de viagem, numa pequena mala que tinha sempre pronta com produtos de higiene pessoal, num roupão e numa muda de roupa. Tinha que ser rápida e ir para a cidade onde explicaria tudo à April e a Ryan. Não ansiava por aquele momento, mas tinha que ter a certeza que April ficava segura.
Quando introduziu a chave na fechadura, reparou que já estava destrancada. Sabia que a tinha trancado quando saíra. Trancava-a sempre. Subitamente, todos os sentidos de Riley ficaram alerta. Sacou a arma e entrou em casa.
Ao movimentar-se furtivamente no seu interior, espreitando casa canto e recanto, apercebeu-se de um ruído longo e contínuo. Parecia vir do exterior da casa. Era música – música muito ruidosa.
Mas que raio?