Terceira vítima. Dezenove anos, professora de inglês, trabalhava como stripper. Encontrada morta em seu caro, um único ferimento à bala atrás da cabeça. Depois foi descoberto que ele a ofereceu quinhentos dólares por um boquete, ela o convidou para ir atrás de seu carro, e ele atirou. Sem sinais de que os serviços pagos foram realizados, e em seu testemunho, Howard confirmou que a matou antes do ato acontecer.
Quarta vítima. Dezoito anos. Atingida na cabeça com um tijolo. Duas vezes. Na primeira o sangue parecia pouco, não a matou. O segundo golpe a atingiu no crânio, chegando ao cérebro.
Quinta vítima. Outro corte na garganta, profundo, de orelha a orelha.
Sexta vítima. Estrangulada. Sem digitais.
E assim seguia. Mortes limpas. Muito sangue encontrado em apenas três cenas e por conta das circunstâncias, nada teatral.
Então vamos dizer que o pressentimento de Connelly e do prefeito está certo. Se Howard está matando novamente, por que ele mudaria seus métodos? Não para provar algo—provar algo é uma besteira que está além dele. Então por que?
- Ele não mudaria – ela disse no quarto vazio.
E mesmo que não fosse inocente o suficiente para pensar que três anos na prisão haviam tornado Howard Randall um homem mudado que já não tinha interesse em matar, Avery achava que ele era esperto demais para começar a agir logo depois de sair da prisão, na cidade que já havia virado de cabeça para baixo.
Se ela tinha alguma dúvida antes, elas sumiram ao olhar aqueles arquivos.
Não foi ele. Mas... alguém fez isso. E esses babacas para quem eu trabalho estão indo atrás do cara errado.
***
Avery ficou satisfeita, porém um pouco preocupada ao ver que Rose não hesitou em beber na sua frente. Ela aceitou a taça de vinho branco agradecida, sem perder tempo para dar o primeiro gole. Avery aparentemente a olhara de um jeito estranho, porque quando Rose baixou o copo, ela sorriu e balançou a cabeça.
- Não é minha primeira taça – ela disse. – Desculpe por arruinar qualquer sonho que você tinha de uma garota pura e santinha.
- Não é o vinho que vai fazer isso comigo – Avery disse, sorrindo. – Mas alguns de seus ex-namorados, quem sabe...
- Bela resposta, mãe.
Elas haviam acabado de terminar um jantar simples com frango e salada grega, que haviam feito juntas. Uma música leve tocava ao fundo, um indie pop acústico ruim qualquer que Rose estava acostumada a escutar. Mesmo assim, a música não poderia acabar com o momento. Lá fora, a cidade estava fria, com suas luzes brilhando e o barulho do trânsito servindo como ruído branco.
Era exatamente disso que eu precisava, Avery pensou. Por que eu estava tentando manter ela afastada de novo?
- Então, vamos ficar evitando o assunto Ramirez a noite toda? – Rose perguntou.
Avery sorriu. Era estranho ouvir o nome dele saindo da boca de Rose... especialmente só o sobrenome, como se ela também o conhecesse do trabalho.
- Não é isso – Avery disse. – Eu só não queria tornar essa noite um encontro onde você tivesse que ficar consolando sua mãe.
- Em uma situação assim, é normal se sentir desse jeito. Eu só não sei se é a melhor coisa do mundo para você ficar trancada naquele quarto de hospital. Digo... não é meio depressivo?
- Às vezes – Avery admitiu. – Mas eu gostaria de saber que tivesse sempre alguém do meu lado se eu estivesse lutando pela minha vida.
- Sim, eu acho que ele faria o mesmo por você. E eu também, claro. Mas ao mesmo tempo, você sabe que ele reclamaria se soubesse que você estava fazendo isso.
- Provavelmente.
- Você... – Rose começou a perguntar, mas parou como se tivesse percebido que era melhor não falar o que quer que fosse que estava saindo de sua boca.
- Tudo bem – Avery disse. – Você pode me perguntar qualquer coisa.
- Você tem alguma intuição? Tipo... seus instintos estão te dizendo de alguma maneira se ele vai conseguir se salvar?
Era uma pergunta difícil de responder. Ela não tinha um sentimento forte nem para o bem nem para o mal. E talvez por isso aquela situação estava a afetando tanto. Não havia certeza. Nenhum instinto dizendo a ela se ele iria se salvar ou não.
- Não, ainda não.
- Mais uma pergunta – Rose disse. – Você ama ele?
A pergunta era tão inesperada que, por um momento, Avery não tinha certeza do que responder. Era uma pergunta que ela havia feito a si mesma muitas vezes antes—uma pergunta que tinha ganhado uma resposta definitiva nas últimas duas semanas.
- Sim, eu amo.
Rose pareceu ficar radiante com a resposta, escondendo o sorriso atrás da taça de vinho.
- Você acha que ele sabe?
- Acho que sim. Mas não é algo que nós—
Ela foi interrompida pelo som de vidros quebrando e um barulho áspero. Foi tão repentino e inesperado que Avery levou dois segundos para levantar e entender a situação. Quando conseguiu, Rose soltou um pequeno grito. Ela havia levantado do sofá e estava voltando para a cozinha.
A janela na parede à esquerda do sofá estava quebrada. Um vento frio invadiu o apartamento. O instrumento usado para quebrar a janela estava caído no chão e não fez sentido imediato.
Era um tijolo velho, no chão, mas Avery só o viu depois de ter visto um gato morto. O gato parecia ser magro, desnutrido e de rua. Ele fora amarrado ao tijolo com algum tipo de borracha, como as usadas para amarrar tendas ou toldos. Havia fragmentos de vidro quebrados ao lado do animal.
- Mãe? – Rose disse.
- Está tudo bem – Avery disse quando foi em direção à janela quebrada. Seu apartamento ficava no segundo andar, então mesmo que aquilo tivesse exigido alguma força, era totalmente possível alguém ter arremessado o tijolo.
Ela não viu ninguém lá embaixo, na rua. Pensou em descer as escadas e sair, mas quem quer que tivesse arremessado o tijolo e o gato estaria pelo menos um minuto a sua frente. E com o trânsito de Boston e os pedestres na rua àquela hora da noite – apenas nove e meia, ela viu no relógio – seria impossível encontra-lo.
Ela caminhou em direção ao gato, tomando cuidado para não pisar no vidro com seus pés descalços.
Havia um pequeno pedaço de papel esmagado entre a parte de baixo do gato e a borracha preta. Ela abaixou-se para pegar o bilhete, arrepiando-se um pouco quando sentiu o gato gelado.
- Mãe, o que é isso? – Rose perguntou.
- Tem um bilhete.
- Quem faria algo assim?
- Não sei – ela respondeu, quando desenrolou e abriu o bilhete. Havia sido escrito em metade de uma folha de caderno. Era muito simples, mas ainda assim fez o corpo de Avery se arrepiar.
Estou LIVRE! E não posso ESPERAR para ver você de novo!
Merda, ela pensou. Howard. Tem que ser ele.
Foi o primeiro pensamento em sua cabeça, e ela logo tentou evita-lo. Assim como a brutalidade do assassinato com a pistola de pregos, enviar um gato morto por uma janela de apartamento com um bilhete ameaçador não parecia algo que Howard Randall faria.
- O que diz aí? – Rose perguntou, chegando perto. Ela parecia estar quase chorando.
- Só uma ameaça tola.
- De quem?
Ao invés de responder, Avery pegou seu telefone do sofá e ligou para O’Malley.
De quem? Rose perguntara.
E quando o telefone começou a tocar no ouvido de Avery, por mais que ela tentasse lutar contra, parecia haver apenas uma resposta plausível.
Howard Randall.
CAPÍTULO CINCO
Muita coisa aconteceu nos doze minutos que O’Malley levou para aparecer. Para começar, a viatura do A1 não foi o primeiro veículo a chegar. Uma van da mídia chegou derrapando em frente ao prédio de Avery. Ela viu pela janela três pessoas saindo: um repórter, um cinegrafista e um técnico, puxando os cabos para fora da van.
- Merda – Avery disse.
O pessoal da mídia estava quase pronto para sair quando O’Malley apareceu. Outro carro veio colado atrás dele, e quase bateu na van da imprensa. Ela não ficou surpresa ao ver Finley saindo dele. Connelly estava aparentemente preparando Finley para uma promoção—talvez até para substituir Ramirez.
Avery franziu a testa para a van da imprensa e viu Finley falando com o repórter. Houve uma pequena discussão antes que Finley e O’Malley caminhassem até sairem de sua vista, em direção às escadas que os levariam a seu apartamento.
Quando eles bateram na porta, Avery abriu e não lhes deu chance de dizer nada antes que ela própria expusesse suas preocupações e frustrações.
- O’Malley, que porra é essa? Eu te liguei diretamente ao invés de ligar para o departamento para evitar a mídia. Qual é a deles?
- Eles estão salivando em cima da fuga de Howard Randall. E eles sabem que você é um rosto familiar nessa história. Então eles estão te vigiando. Eu acho que essa equipe aí tem um rastreador.
- De chamadas de celular? – Avery perguntou.
- Não. Olhe, eu tive que passar a informação para o departamento. É algo muito importante. Eles devem ter escutado em algum sinal de rádio.
Avery queria estar furiosa, mas sabia quão difícil era se comunicar secretamente quando havia uma mídia louca por descobrir uma história. Ela olhou para baixo, para a equipe de imprensa, e os viu filmando algo—que só Deus saberia dizer o que. Enquanto olhava, outro veículo de imprensa chegou, um pequeno SUV.
O’Malley e Finley olharam o tijolo, o gato e o vidro quebrado. Avery deixara o bilhete no chão, não querendo que um papel que estivera no pelo de gato ficasse no seu balcão da cozinha ou na mesa de café.
- Tenho que dizer – Finley tomou a palavra – mas parece muito “acadêmico”. Digo... Estou livre. Quem mais poderia ser, Avery?
- Não sei. Mas... Eu sei que pode parecer difícil acreditar nisso, mas não parece algo que Howard faria.
- O velho Howard Randall, talvez – O’Malley disse. – Mas quem sabe o quanto ele mudou na prisão?
- Esperem – Rose disse, - não entendi. A mãe livrou esse cara quando representou ele como advogada. Por que ele viria atrás dela? Acho que ele deveria estar agradecido.
- Você acha – O’Malley disse. – Mas não é assim que funciona uma mente criminosa.
- Ele está certo – Avery disse, cortando O’Malley antes que ele falasse demais. – Alguém como Howard veria qualquer pessoa envolvida no processo como uma ameaça—mesmo que fosse a advogada que o livrou. Mas Howard... Não parece coisa dele. Nas poucas vezes que fui até ele pedir ajuda ele estava... Não sei... sociável. Se ele tinha qualquer intenção em relação a mim, ele escondeu muito bem.
- Claro que escondeu – O’Malley disse. – Você acha que a fuga dele foi um acidente casual? Aposto qualquer coisa com você que esse babaca estava planejando isso há meses. Talvez desde o primeiro dia dele lá. E se ele planejava escapar e de algum jeito vir atrás de você ou, no mínimo, envolver você em alguma história perturbadora, por que ele iria te contar?
Avery queria argumentar, mas ela claramente podia entende-lo. Ele tinha todas as razões para pensar que aquele bilhete era de Howard. E ela também sabia que o medo inerente à cidade pela fuga dele tornou fácil para O’Malley e Connelly apontarem o dedo na direção de Howard quando se tratava do assassinato com a pistola de pregos.
- Olhe, vamos deixar toda a história de Howard Randall de lado por um momento – ela disse. – Se foi Howard ou não, alguém jogou essa coisa pela minha janela. Eu só pensei que seria melhor fazer tudo pelo caminho correto já que o Connelly quer que eu esteja afastada de qualquer coisa que possa ter relação com Howard.
- Certo – Finley disse. – Eu falei com ele no caminho para cá. Ele está ocupado com alguma coisa com o prefeito e a imprensa agora.
- Sobre Howard Randall?
Finley assentiu.
- Meu Deus – Avery disse. – Isso está ficando ridículo.
- Bom, então – O’Malley disse, - você não vai gostar nada do que ele me mandou fazer.
Avery esperou que O’Malley falasse. Ela podia ver que ele estava desconfortável—que preferia que Connelly estivesse ali para dar a ordem ele mesmo. Finalmente, suspirou e disse:
- Ele quer que nós realoquemos você por alguns dias. Mesmo que Randall não tenha jogado esse tijolo, está claro que alguém está te ameaçando. E sim... provavelmente porque ele escapou. Odeio te dizer isso, mas você não está nada bem nessa. Você o libertou anos atrás... Livrou ele para uma matança. Muitas pessoas—
- Isso é ridículo – Rose se intrometeu. – As pessoas acham que minha mãe tem algo a ver com a fuga?
- Tem gente que leva as coisas ao extremo, sim – O’Malley admitiu. – Felizmente, houve apenas murmúrios sobre isso na mídia. Você não viu nada? – Ele perguntou, olhou para Avery.
Ela pensou naqueles momentos irritantes no quarto de hospital de Ramirez. A TV estivera ligada e ela havia visto o rosto de Howard, sabendo da essência das notícias através do letreiro inferior na tela. Mas nunca havia visto seu próprio nome, nem esperava por isso. Finalmente, balançou a cabeça respondendo à pergunta de O’Malley.
- Bem, seja lá o que você ache, eu acredito que ele está totalmente certo. Você precisa ser realocada alguns dias até que isso se acalme. Vamos dizer que quem atirou o tijolo não foi Howard. Então significa que algum cidadão aleatório atirou. Algum babaca que pensa que você é responsável por termos um assassino à solta. E então? Para onde? – O’Malley disse. – Pense enquanto arruma suas coisas. Finley e eu ficaremos felizes em te levar para onde você precisar.
- Não preciso pensar – Avery disse. – Já tenho um lugar em mente.
***
Eles chegaram ao apartamento de Ramirez meia hora depois. Avery levou menos de dez minutos para fazer uma mala com as coisas essenciais. Rose viera junto, com a insistência tanto de Avery quanto de O’Malley. Após uma pequena a calorosa discussão, Rose havia cedido, decidindo ficar com sua mãe por um ou dois dias... para ter certeza de que ela estaria bem.
Quando os quatro entraram na casa de Ramirez, o lugar estava um pouco assustador. Mesmo que já tivesse tecnicamente aceitado se mudar para o apartamento de Avery, ele não chegara a ter a chance. Todas suas coisas estavam ali, esperando para quando ele voltasse.
Avery caminhou pelo local, fingindo que aquilo não estava a afetando. Ela estivera ali muitas vezes antes e sempre se sentira bem-vinda. Não deveria ser diferente agora.
- Você tem certeza disso? – Finley disse. – Me desculpe por perguntar, mas me parece meio triste.
- Não é mais triste do que ficar no quarto de hospital dele – Rose disse.
Avery queria que o lugar se conectasse a ela, queria sentir algo por ele para depois tentar decidir o que deveria fazer em seguida.
Quando eles entraram, O’Malley estava no telefone, discutindo detalhes de vigilância para os apartamentos de Ramirez e Avery. Eles haviam sido cuidadosos para não serem seguidos no caminho, mas nem por isso queriam dar brecha ao azar.
Quando Avery colocou sua mala no chão da sala de Ramirez, O’Malley encerrou a ligação. Ele esperou um momento, respirou fundo, e olhou pela janela. Lá embaixo, as ruas estavam um pouco menos cheias do que quando Avery e Rose haviam curtido o vinho e uma boa conversa. Além disso, depois de ter um gato morto entrado por sua janela, a rua parecia mais sinistra também.
- Então é o seguinte – O’Malley disse. – Nos próximos três dias, você vai ter constantemente alguém aqui vigiando, estacionado na rua. Vão ser carros à paisana, mas sempre membros do A1.
- Não é necessário – Avery disse. Ela estava começando a achar que as coisas estavam saindo do controle.
- Acho que é sim – ele respondeu. – Você viveu uma espécie de solidão nessa situação toda nos últimos dias. E as coisas pioraram. Temos certos vigilantes na rua procurando Randall. As pessoas estão começando a ir fundo nessa história e estão te encontrando nela.
Vá logo e acabe com isso, ela pensou. Eles vão me encontrar na história como a advogada que conseguiu liberta-lo—liberdade essa que ele usou para matar mais uma pessoa. É isso o que você está querendo dizer.