“Eu começaria amanhã se pudesse.”
“Sim, bem, pode demorar um pouco mais que isso. Enquanto isso, tente não ficar batendo com a cabeça nas paredes. Tenha um bom dia, senhorita Hunt.”
E com isso ele fechou a porta de seu gabinete, deixando Jessie no corredor. Ela se virou para ir embora. Ela olhou ao redor no corredor desconhecido, notando que tinha estado tão imersa na conversa que não tinha prestado atenção em mais nada. Ela não tinha ideia nenhuma de onde estava.
Ela ficou ali durante um momento, se imaginando sentada cara a cara com Bolton Crutchfield. Essa ideia tanto a entusiasmava como a aterrorizava. Ela tinha querido - não, ela tinha precisado - de falar com ele já tinha algum tempo. A possibilidade de que isso poderia acontecer em breve fez com que ela sentisse um formigueiro em antecipação. Ela precisava de respostas a perguntas que ninguém sequer sabia que ela tinha. E só ele as poderia dar. Mas ela não tinha a certeza se ele iria fazer. E mesmo que ele estivesse disposto a fazer isso, o que é que ele poderia exigir em troca?
CAPÍTULO CINCO
Jessie estava tão nervosa que telefonou para Kyle no caminho da escola para casa, embora soubesse que ele estava sempre muito ocupado durante o dia e quase nunca respondia. Desta vez não foi diferente, mas ela não pôde deixar de enviar uma mensagem mesmo assim.
“Oi, querido”, disse ela depois do sinal. “Só queria que você soubesse que meu primeiro dia de aulas correu muito bem. O professor é uma figura, mas acho que consigo trabalhar com ele. E espero começar minhas aulas práticas em breve, talvez esta semana se as coisas evoluírem bem. Na verdade, estou um pouco estonteada. Eu espero que seu dia também esteja a correr bem. Eu pensei em fazer um jantar especial para nós esta noite, especialmente agora que, na verdade, encontramos as caixas com todas as panelas e frigideiras. Me diga a que horas você pensa chegar hoje à noite e eu prepararei algo simpático. Podemos abrir uma daquelas garrafas de vinho que guardamos e talvez começar a expandir nossa pequena unidade familiar. Ok, falamos em breve. Eu te amo.”
Ela parou na Bristol Farms a caminho de casa e gastou algum dinheiro nuns robalos, que ela planejava rechear e cozinhar inteiros. Encontrou alguns broccolinis com bom aspecto e agarrou neles também. No caminho para a caixa, levou também umas batatas.
Ela estava tentada a encontrar algo decadente para a sobremesa, mas sabia que Kyle tinha andado fazendo exercício físico arduamente e não iria comer nada disso. Além disso, eles tinham um pouco de sorvete italiano no congelador que também serviria perfeitamente. Quando ela saiu do supermercado, ela tinha todo o menu planejado em sua cabeça.
*
Jessie olhou para os pratos intocados de comida na mesa da sala de jantar, e depois verificou o telefone pela terceira vez nos últimos cinco minutos. Eram 7:13 da noite e ainda não havia notícias de Kyle.
Ele havia enviado uma mensagem de texto, logo após ela ter deixado a mensagem de voz, lhe dizendo que o plano para o jantar parecia ótimo e prevendo estar em casa às 6:30 nessa noite. Mas quase quarenta e cinco minutos tinham passado e ele ainda não estava aqui. Pior, ele não tinha nem mesmo telefonado.
Ela tinha preparado tudo para que o jantar estivesse quente e na mesa esperando por ele às 6h45 da tarde, caso ele se atrasasse um pouco. Mas ele não apareceu. Ela tinha enviado duas mensagens de texto e deixado uma mensagem de voz no tempo decorrido. E ainda assim, ela não sabia nada de Kyle desde aquela primeira mensagem. Agora o peixe estava sobre a mesa, praticamente frio, olhando para ela com olhos insensíveis.
Finalmente, às 7:21, ele ligou. Pelo barulho de fundo, ela soube, antes mesmo dele falar, que ele estava num bar.
“Oi, Jess”, ele gritou para ser ouvido sobre a música. “Me desculpe ligar tão tarde. Como você está?”
“Eu estava preocupada com você”, disse ela, tentando conter a frustração de sua voz.
“Oh, desculpe”, ele disse, soando levemente arrependido. “Eu não queria preocupar você. Surgiu uma coisa de última hora. O Teddy me ligou por volta das seis e disse que tinha mais alguns clientes potenciais para mim. Ele me perguntou se eu podia encontrar com ele e com esses caras a um bar chamado Sharkie na marina. Eu achei que, na verdade, não podia deixar passar esse tipo de oportunidade quando sou o cara novo no escritório, sabe?”
“Você não podia ter ligado para avisar?”
“Você está certa”, ele gritou. “Tudo foi tão rápido que não tive tempo para mais nada. Só agora consegui escapar para te ligar.”
“Eu fiz um jantar especial, Kyle. Nós íamos celebrar hoje à noite, se lembra? Abri uma garrafa de vinho de cem dólares. Era para ser uma noite romântica.”
“Eu sei”, disse ele. “Mas eu não posso desistir disso. Eu acho que posso tornar ambos os amigos de Teddy nossos clientes. E ainda podemos tentar fazer bebês quando eu chegar a casa.”
Jessie suspirou profundamente para poder manter a voz calma quando respondeu.
“Vai ser tarde quando você voltar”, disse ela. “Eu vou estar cansada e você vai estar meio bêbado. Não foi assim que eu imaginei isso.”
“Ouça, Jessie. Peço desculpa por não ter ligado. Mas você quer que eu simplesmente jogue fora uma oportunidade como essa? Eu não estou apenas bebendo aqui. Estou fazendo negócios e tentando fazer alguns novos amigos ao mesmo tempo. Vai usar isso contra mim?”
“Eu acho que estou conhecendo quais são suas prioridades”, ela respondeu.
“Jessica, você é sempre minha maior prioridade”, insistiu Kyle. “Estou apenas tentando equilibrar tudo. Eu acho que estraguei tudo. Eu prometo que vou estar em casa às nove, ok? Isso se encaixa em sua agenda?”
Ele soara sincero até à última frase, que pingava de sarcasmo e ressentimento. A barreira emocional que Jessie tinha erigido entre eles estava se desmoronando lentamente até ela ouvir aquelas palavras.
“Faça o que você quiser”, ela respondeu bruscamente antes de desligar.
Ela se levantou e se viu de relance no espelho da sala de jantar. Ela tinha vestido um vestido de noite de cetim azul com um decote profundo e uma longa fenda no lado direito que começava em sua coxa. Ela tinha seu cabelo apanhado num coque casual que ela esperava desfazer como sendo parte de uma sedução pós-jantar. Os saltos que ela usava a erguiam de seus normais cinco pés e dez polegadas para bem mais do que seis pés de altura.
De repente, tudo pareceu tão ridículo. Era como se ela estivesse jogando um triste jogo em que se vestia elegantemente. Mas na realidade, ela era apenas mais uma patética dona de casa esperando que seu homem voltasse para casa e desse à sua vida algum sentido.
Ela pegou os pratos e caminhou até à cozinha, onde colocou as duas refeições no lixo, peixe inteiro e tudo. Ela foi se trocar, vestindo roupa confortável. Depois disso, voltou para a sala de jantar, agarrou na garrafa aberta de Shiraz, encheu um copo até à borda e deu um gole enquanto caminhava para a sala de estar.
Ela se atirou para o sofá, ligou a TV, se acomodando para ver o que parecia ser uma maratona de Life Below Zero, uma série de reality sobre pessoas que viviam voluntariamente em áreas remotas do Alasca. Ela justificou dizendo a si mesma que isso a ajudaria a apreciar que tinha pessoas que viviam muito pior do que ela em sua casa chique na Califórnia do Sul, com seu vinho caro e sua televisão de tela plana de setenta polegadas.
Por volta do terceiro episódio e da meia garrafa vazia, ela adormeceu.
*
Ela foi acordada por Kyle lhe chacoalhando suavemente o ombro. Olhando para cima através de seus olhos embaçados, ela entendeu que ele estava um pouco embriagado.
“Que horas são?”, ela murmurou.
“Onze e pouco.”
“O que aconteceu para você não estar em casa às nove?”, ela perguntou.
“Eu fiquei retido”, ele disse timidamente. “Preste atenção, querida. Eu sei que deveria ter ligado antes. Isto não se faz. Lamento mesmo.”
“Tudo bem” disse ela. Ela tinha a boca seca e lhe doía a cabeça.
Ele passou um dedo ao longo do braço dela.
“Eu gostaria de fazer as pazes com você”, ele propôs sugestivamente.
“Hoje não, Kyle”, disse ela, afastando a mão dele enquanto se levantava. “Eu não estou com disposição. Nem um pouco. Talvez da próxima vez você possa tentar não me fazer sentir como se eu fosse sua segunda escolha. Vou para a cama.”
Ela subiu as escadas e, apesar da vontade de olhar para trás para ver a reação dele, continuou sem dizer mais nada. Kyle não disse nada. Ela se arrastou para a cama sem sequer desligar a luz. Apesar da dor de cabeça e da boca seca, ela adormeceu em menos de um minuto.
*
Jessie sentiu um ramo espinhento lhe arranhar o rosto enquanto corria pela floresta escura. Era inverno e ela sabia que, mesmo descalça, seus passos, pisando as folhas caídas e secas que cobriam a neve, eram barulhentos; que ele provavelmente os ouviria. Mas ela não tinha escolha. Sua única esperança era continuar a correr e esperar que ele não conseguisse a encontrar.
Mas, ao contrário dele, ela não conhecia bem a floresta. Ela estava correndo às cegas, completamente perdida e procurando qualquer referência familiar. Suas pequenas pernas eram demasiado pequenas. Ela sabia que ele se estava aproximando. Ela conseguia ouvir seus passos pesados e sua respiração ainda mais pesada. Ela não tinha onde se esconder.
CAPÍTULO SEIS
Jessie se sentou na cama, acordando a tempo de ouvir seu próprio grito. Ela demorou um pouco para se orientar e entender que estava em sua própria cama em Westport Beach, vestindo as roupas com as quais ela tinha adormecido bêbada na noite anterior.
Seu corpo estava todo coberto de suor e sua respiração era superficial. Ela pensou que estava mesmo a ouvir o sangue a correr em suas veias. Ela levou a mão até sua bochecha esquerda. A cicatriz do galho ainda estava lá. Já não se notava tanto e poderia ser quase toda escondida com maquiagem, ao contrário da cicatriz mais longa em sua clavícula direita. Mas ela ainda conseguia sentir sua saliência. Até mesmo agora, ela quase que conseguia sentir a espetada afiada.
Ela olhou para a esquerda e viu que a cama estava vazia. Ela percebeu que Kyle tinha dormido lá porque seu travesseiro estava recuado e os lençóis estavam todos bagunçados. Mas ela não sabia onde ele estava. Ela tentou ouvir o som do chuveiro, mas a casa estava em silêncio. Olhando para o relógio da cabeceira, ela viu que eram 7h45 da manhã. A esta hora ele já teria saído para o trabalho.
Ela saiu da cama, tentando ignorar sua cabeça latejante enquanto se arrastava para o banheiro. Depois de um banho de quinze minutos, metade do tempo gasto simplesmente sentada nos ladrilhos frios, ela se sentiu pronta para se vestir e descer. Na cozinha, ela viu uma nota colocada na mesa do café. Dizia “Desculpa novamente pela noite passada. Adoraria uma outra oportunidade quando você estiver com disposição. Te amo.”
Jessie deixou-o de lado e preparou um pouco de café e aveia, a única coisa de que se sentia capaz de comer agora. Ela conseguiu terminar meia tigela, jogou o resto no lixo e caminhou até à sala de estar da frente, onde uma dúzia de caixas fechadas esperava por ela.
Ela se acomodou no sofá de dois lugares com uma tesoura, colocou o café na mesa de apoio e puxou uma caixa em sua direção. Enquanto ela, distraída, ia vendo o que estava nas caixas, eliminado os itens à medida que os localizava, sua mente viajou para sua tese da DNR.
Se não fosse pela briga deles, Jessie quase certamente teria contado a Kyle não apenas sobre suas iminentes aulas práticas na instituição, mas também sobre as conseqüências de sua tese original, incluindo seu interrogatório. Isso teria sido uma violação de seu Acordo de Confidencialidade.
Ele obviamente conhecia as linhas gerais, uma vez que ela tinha discutido o projeto com ele enquanto fazia a pesquisa. Mas o Painel tinha feito com que ela jurasse segredo sobre o assunto depois, até mesmo do marido.
Parecia estranho esconder de seu parceiro uma parte tão importante de sua vida. Mas tinham garantido a ela que tal era necessário. E para além de algumas perguntas gerais sobre como as coisas tinham acontecido, ele, na verdade, não a pressionava sobre o assunto. Algumas respostas vagas o deixavam satisfeito, o que tinha sido um alívio na época.
Mas ontem, com seu entusiasmo pelo o que tinha feito - visitar um hospital psiquiátrico para assassinos - numa situação sem precedentes, ela estava preparada para finalmente o pôr a par das coisas, apesar da proibição e de suas conseqüências. Se a briga deles teve algum resultado positivo, foi que isso a impediu de lhe contar e colocar em risco o futuro de ambos.
Mas que tipo de futuro é este se eu não puder compartilhar meus segredos com meu próprio marido? E se ele parece alheio a que eu tenha segredos?
Ao ter este pensamento, uma leve onda de melancolia tomou conta dela. Ela tentou a afastar de sua cabeça, mas na verdade não conseguiu fazer muito bem.
Ela se assustou com o toque da campainha. Olhando para o relógio, ela entendeu que tinha ficado sentada no mesmo lugar, perdida em sua desilusão, com as mãos pousadas numa caixa de embalagem fechada, durante os últimos dez minutos.
Ela se levantou e caminhou até à porta, tentando sacudir a escuridão de seu sistema a cada passo que dava. Quando ela abriu a porta, Kimberly, que morava do outro lado da rua, estava diante dela com um sorriso alegre no rosto. Jessie tentou corresponder.
“Oi, vizinha”, disse Kimberly com entusiasmo. “Como vai o desencaixotamento?”
“Devagar”, admitiu Jessie. “Mas obrigado por perguntar. Como é que você está?”
“Eu estou bem. Na verdade, tenho algumas senhoras do bairro em minha casa agora para tomar um café no meio da manhã e então pensei que você gostaria de se juntar a nós.”
“Claro”, respondeu Jessie, feliz por ter uma desculpa para sair de casa por alguns minutos.
Ela pegou nas chaves, fechou a porta e foi com Kimberly. Quando elas chegaram, quatro cabeças se viraram em sua direção. Nenhum dos rostos parecia familiar. Kimberly as apresentou a todas e levou Jessie até à mesa do café.
“Elas não esperam que você se lembre de seus nomes”, ela sussurrou enquanto enchia as chávenas. “Portanto, não sinta qualquer tipo de pressão. Todas elas estiveram onde você está agora.”
“Isso é um alívio”, Jessie confessou. “Eu tenho tanta coisa em minha cabeça ultimamente que mal me consigo lembrar de meu próprio nome.”
“Totalmente compreensível”, disse Kimberly. “Mas eu devo avisar, eu falei sobre a questão de ser especialista do FBI em perfis criminais, pelo que poderão fazer algumas perguntas sobre isso a você.”
“Oh, eu não trabalho para o FBI. Eu nem sequer me formei ainda.”
“Confie em mim - isso não importa. Todas pensam que você é uma Clarice Starling da vida real. Não me costumo enganar muito no que respeita a assassínios em série.”
Kimberly subestimara.
“Você fica na mesma sala juntamente com esses caras?”, perguntou uma mulher chamada Caroline com o cabelo tão comprido que algumas madeixas chegavam às suas nádegas.
“Depende das regras da instituição”, respondeu Jessie. “Mas eu nunca entrevistei um sem que estivesse comigo um especialista em perfis criminais experiente ou um investigador experiente, assumindo a liderança.”
“Os assassinos em série são tão inteligentes quanto parecem ser nos filmes?”, uma mulher tímida chamada Josette perguntou hesitante.