Jessie se sentou na poltrona confortável que sempre usava para as sessões e imediatamente se familiarizou de novo com a vibração a que estava acostumada. Ela já não vinha aqui tinha algum tempo, tinha bem mais de um ano, e tinha esperado continuar a não vir. Mas era um lugar de conforto, onde ela tinha lutado para fazer as pazes com seu passado, e, intermitentemente, sido bem sucedida.
A Dra. Lemmon deu água a ela, se sentou na sua frente, pegou num bloco de notas e numa caneta, os colocando no colo dela. Esse era seu sinal de que a sessão havia começado formalmente.
“Vamos falar sobre o quê hoje, Jessie?”, ela perguntou calorosamente.
“As boas notícias primeiro, eu acho. Vou começar minhas aulas práticas na DSH-Metro, na unidade DNR.”
“Oh... uau! Isso é impressionante. Quem é seu orientador?
“Warren Hosta na UC-Irvine”, disse Jessie. “Você o conhece?”
“Nós já interagimos”, disse a médica enigmaticamente. “Eu acho que você está em boas mãos. Ele é implicante, mas conhece o trabalho, que é o que importa para você.”
“Fico feliz em ouvir isso porque não tive muita escolha”, observou Jessie. “Ele era apenas um que o Painel aprovaria na área.”
“Eu acho que para você conseguir o que quer, você tem que seguir as regras deles. É isto que você queria, certo?”
“É”, disse Jessie.
A Dra. Lemmon olhou para ela de perto. Um momento de compreensão silencioso passou entre elas. No passado, quando Jessie foi interrogada sobre sua tese pelas autoridades, a Dra. Lemmon apareceu na delegacia da polícia do nada. Jessie lembrava de ver sua psiquiatra falando baixinho com várias pessoas que tinham estado a observar silenciosamente sua entrevista. Depois disso, as perguntas pareceram menos acusatórias e mais respeitosas.
Foi só mais tarde que Jessie soube que a Dra. Lemmon era membro do Painel e estava bem ciente dos acontecimentos na DNR. Ela até tinha tratado alguns dos pacientes lá. Olhando para trás, tal não devia ter sido uma surpresa. Afinal, Jessie tinha procurado esta mulher como terapeuta, justamente devido à sua reputação de especialista nessa área.
“Posso perguntar uma coisa a você, Jessie?”, a Dra. Lemmon perguntou. “Você diz que trabalhar na DNR é o que você quer. Mas você já considerou que o lugar pode não lhe dar as respostas que você está procurando?”
“Eu só quero entender melhor como essas pessoas pensam”, Jessie insistiu, “para que eu possa ser uma especialista em perfis criminais melhor.”
“Eu acho que nós duas sabemos que você está procurando muito mais do que isso.”
Jessie não respondeu. Em vez disso, ela cruzou as mãos no colo e respirou fundo. Ela sabia como a médica interpretaria isso, mas ela não se importava.
“Podemos voltar a isso depois”, disse a Dra. Lemmon em voz baixa. “Vamos avançar. Como é que está sendo a vida de casada?”
“Essa é a principal razão pela qual eu queria ver você hoje”, disse Jessie, feliz por mudar de assunto. “Como você sabe, Kyle e eu acabamos de nos mudar daqui para Westport Beach porque a empresa o transferiu para o escritório de Condado de Orange. Nós temos uma casa grande num ótimo bairro a uma curta distância do porto... “
“Mas...”, a Dra. Lemmon cutucou.
“Há algo no lugar que simplesmente não bate certo. Eu tenho tido dificuldades em entender o quê. Todas as pessoas têm sido incrivelmente amistosas até agora. Já fui convidada para cafés, almoços e churrascos. Recebi sugestões para as melhores mercearias e creches, caso precisássemos de uma. Mas tem qualquer coisa que parece estar... errada. E isso está começando a me afetar.”
“De que maneira?”, a Dra. Lemmon perguntou.
“Me apanho às vezes triste sem ter um bom motivo para isso”, disse Jessie. “Kyle chegou em casa tarde para um jantar que eu tinha feito e eu deixei que isso me afetasse negativamente muito mais do que deveria. Não teve assim tanta importância, mas ele ficou tão indiferente ao assunto. E isso simplesmente me afetou. Além disso, simplesmente desempacotar caixas parece assustador de uma forma que é desproporcional. Eu tenho essa sensação constante e esmagadora de não pertencimento, de que existe alguma chave secreta para um quarto em que toda a gente já esteve e ninguém vai me dar.”
“Jessie, como já faz algum tempo desde nossa última sessão, eu vou relembrar algo que nós já discutimos antes. Não precisa haver uma 'boa razão' para esses sentimentos surgirem. Você está lidando com algo que pode aparecer do nada. E não é um choque que uma situação nova e estressante, não importa o quão aparentemente perfeita seja a imagem, os possa incitar. Você está a tomar sua medicação regularmente?”
“Todos os dias.”
“Ok”, disse a médica, tomando nota em seu bloco. “É possível que precisemos mudar isso. Eu também notei que você mencionou que uma creche pode ser necessária no futuro próximo. Isso é algo que vocês os dois estão buscando ativamente - crianças? Se assim for, essa é outra razão para mudar sua medicação.”
“Estamos tentando... de forma intermitente. Mas às vezes Kyle parece animado com a perspetiva e, depois, fica... distante; quase frio. Às vezes ele diz algo e eu me pergunto 'quem é este cara?'“
“Se lhe servir de conforto, tudo isso é muito normal, Jessie. Você está num novo ambiente, cercada por estranhos, com apenas uma pessoa que você conhece bem para se agarrar. É estressante. E ele está sentindo muitas dessas mesmas coisas, por isso que vocês ficam sujeitos a discussões e a terem momentos em que vocês não se conectam.”
“Mas é isso, doutora”, Jessie insistiu. “Kyle não parece estressado. Ele obviamente gosta de seu trabalho. Ele tem um antigo amigo do colégio que vive na área portanto ele tem esse escape. E todos os sinais indicam que ele está totalmente empolgado por estar lá - sem período de ajuste necessário. Ele não parece sentir falta de nada de nossa antiga vida - nem de nossos amigos, nem de nossos velhos lugares, nem de estar num lugar onde tem vida depois das nove da noite. Ele está completamente ajustado.”
“Pode parecer assim. Mas eu estaria disposta a apostar que, por dentro, ele não tem assim tanta certeza das coisas.”
“Eu aceito essa aposta”, disse Jessie.
“Quer você tenha razão ou não”, disse a Dra. Lemmon, notando o tom de desafio na voz de Jessie, “o próximo passo é você se perguntar a si própria o que vai fazer com essa nova vida. O que é que você pode fazer para isso funcionar melhor para si, enquanto indivíduo e enquanto casal?”
“Eu não sei mesmo o que fazer”, disse Jessie. “Eu sinto que estou a dar uma oportunidade a este lugar. Mas eu não sou como ele. Eu não sou do gênero de me 'atirar de cabeça'.”
“Isso é verdade realmente”, a médica concordou. “Você é uma pessoa naturalmente cautelosa, com bom senso. Mas você pode ter que se adaptar um pouco para sobreviver durante um tempo, especialmente em situações sociais. Talvez tentar se abrir um pouco mais para as possibilidades ao seu redor. E talvez dar a Kyle o benefício da dúvida um pouco mais. Estes são pedidos razoáveis?”
“Claro que são, nesta sala. Lá fora é diferente.”
“Talvez seja uma escolha que você está fazendo”, sugeriu a Dra. Lemmon. “Me deixe perguntar uma coisa. A última vez que nos encontramos, discutimos a origem de seus pesadelos. Suponho que você ainda os tem, certo?”
Jessie assentiu. A médica continuou.
“Muito bem. Também discutimos sobre você compartilhar isso com seu marido, dizendo a ele porque você acorda com calafrios várias vezes por semana. Você fez isso?”
“Não”, Jessie admitiu culpada.
“Eu sei que você está preocupada sobre como ele vai reagir. Mas nós falamos sobre como contar a verdade a ele sobre seu passado a poderá ajudar a lidar com isso de maneira mais eficaz e aproximar vocês dois.”
“Ou a separar”, rebateu Jessie. “Eu entendo o que está dizendo, Doutora. Mas tem uma razão para que poucas pessoas saibam de minha história pessoal. Não é emocionalmente reconfortante. A maioria das pessoas não consegue lidar com isso. Você só sabe porque eu pesquisei sobre sua experiência e determinei que você tinha formação e experiência específicas com este tipo de coisas. Eu procurei você e deixei que você entrasse em minha cabeça porque eu sabia que você conseguia lidar com isso.”
“Seu marido conhece você tem quase uma década. Você acha que ele não consegue lidar com isso?
“Eu acho que uma profissional experiente como você teve que usar toda a contenção e empatia que tinha para não correr para fora da sala aos berros quando eu contei a você. Como é que você acha que um tipo normal dos subúrbios da Califórnia do Sul vai reagir?”
“Como eu não conheço Kyle, eu não sei”, respondeu a Dra. Lemmon. “Mas se você está a planejar começar uma família com ele - passar o resto de sua vida com ele - você pode querer considerar se você consegue realisticamente esconder dele uma parte significativa de sua vida.”
“Vou levar isso em consideração”, disse Jessie sem compromisso.
Ela percebeu que a Dra. Lemmon tinha entendido que ela não ia desenvolver mais o assunto.
“Então vamos falar sobre medicação”, disse a médica, mudando de assunto. “Eu tenho algumas sugestões de alternativas agora que você está planejando engravidar.”
Jessie olhou para a Dra. Lemmon, observando sua boca se mover. Mas por mais que tentasse, ela não se conseguia concentrar. As palavras flutuavam enquanto seus pensamentos voltavam para aqueles bosques escuros de sua infância, os que assombravam seus sonhos.
CAPÍTULO OITO
Jessie estava deitada na cama, enroscada nos lençóis, tentando ignorar a luz do sol cutucando seus olhos pela fenda aberta nas cortinas do quarto.
Era sua primeira manhã de sábado nesta casa e ela queria que fosse uma manhã preguiçosa, só ela e Kyle, casualmente abrindo caixas, tomando café, fazendo amor. Ontem tinha sido um bom dia. O Professor Hosta tinha enviado e ela um e-mail para avisar que ela iria visitar a DNR pela primeira vez na próxima semana. Ela tinha feito uma ótima corrida até ao porto e voltado. Foi a primeira oportunidade que ela realmente teve de fazer algum exercício e limpar a cabeça desde que eles haviam mudado. Ela se sentia com energia e esperança. Kyle não precisava ir para o escritório por isso eles tiveram o fim de semana livre.