Mas talvez haja algo a mais, ela pensou.
Ela caminhou novamente até a entrada e parou na junção com a sala. Se o assassino de fato tivesse entrado pela janela do quarto principal, ali provavelmente seria onde os tiros haviam começado. A falta de sangue ou sinais de caos no quarto indicavam que nada violento havia acontecido lá.
Chloe olhou o sofá e viu um pouco de sangue no chão em frente a ele. Provavelmente o primeiro tiro, pensou. Ela observou o lugar e pode ver tudo em sua mente. O primeiro tiro havia matado alguém no sofá. Isso havia feito outra pessoa no sofá pular rapidamente, talvez derrubando a mesa de café. Talvez ela tentou reagir. Independentemente, o sangue e o refrigerante do outro lado da mesa de café virada indicavam que a pessoa não havia conseguido fugir.
Ainda assim, aquilo a fez pensar. Ela caminhou devagar até a sala, seguindo o caminho que imaginava que as balas tinha feito. A quantidade de sangue seco atrás do sofá a deu evidências suficientes de que a pessoa sentada ali havia morrido imediatamente. Ela não conseguiu encontrar buracos no sofá, o que significava que a bala deveria ter ficado alojada na cabeça da vítima.
Chloe viu facilmente dois buracos de balas na parede da cozinha, a cerca de 10 centímetros uma da outra. Ela pode vê-los do sofá. Mas se havia duas marcas de tiros ali, talvez houvesse mais em outro lugar. E se houvesse, ela poderia criar uma cadeia de eventos mais precisa.
Ela foi até a mesa de café e se abaixou. Se alguém houvesse batido ali antes de ser acertado por um tiro, o assassino teria que ter mirado para baixo. Ela procurou algum outro sinal de tiro e não viu nada. O assassino havia, aparentemente, acertado seu alvo.
No entanto, Chloe viu algo que não estava esperando. Havia uma pequena mesa encostada na parede à sua direita. Havia um vaso decorativo e uma foto emoldurada nela. Entre as pernas da mesa, havia uma cesta de vime velha, com correios e livros velhos. Entre a cesta e as pernas de trás havia um celular.
Ela pegou o celular e viu que era um iPhone. Apertou o botão para ligar e a tela se acendeu. A tela bloqueada mostrava uma foto do Pantera Negra. Ela apertou o botão principal, esperando que a tela da senha aparecesse. No entanto, para surpresa de Chloe, o celular abriu sem mais problemas.
Deve ser o celular do filho, ela pensou. E talvez os pais deixaram sem senha para ter acesso a ele sempre.
Ela levou alguns momentos para entender o que estava vendo. Viu o rosto de um jovem garoto, com algumas características de zumbi desenhadas nele. Olhou as bordas da tela e viu a indicação do aplicativo Snapchat. O que ela estava vendo era um vídeo (ou um “snap”) que não fora enviado.
- Puta merda – murmurou.
Então, percebeu como o telefone estava quente. Procurou o indicador de bateria no canto direito superior e viu que estava no vermelho.
Correu para a entrada, segurando o telefone.
- Rhodes, você encontrou algum carregador de telefone por aí? – Ela gritou.
Houve uma pausa antes da resposta de Rhodes.
- Sim, no criado mudo.
Mesmo antes de responder, Chloe já estava entrando no quarto novamente. Ela viu o carregador do qual Rhodes havia falado e foi até ele no mesmo momento.
- O que é isso? – Rhodes perguntou.
Chloe não pode deixar de pensar: Você não vai querer saber, vai, vadia? Mas ela manteve-se quieta ao conectar o celular no carregador.
- Acho que o filho estava no Snapchat quando o assassino entrou. E acho que ele estava mandando um snap para um amigo. Mas ele não conseguiu enviar a tempo.
Ela apertou o play no vídeo que estava na tela quando encontrara o telefone. Era um jovem, talvez de doze ou treze anos. Ele estava mostrando a língua, e seu rosto tinha uma animação de zumbi. Em dois segundos, ouviu-se o primeiro tiro. O telefone foi jogado e pode-se ouvir mais um tiro. O garoto pareceu cair no chão, assim como o telefone, e então a tela ficou preta—aparentemente parando embaixo da pequena mesa.
Aí o vídeo terminava. Tudo durava cerca de cinco segundos.
- Dê o play de novo – Rhodes disse.
Chloe colocou o vídeo novamente, dessa vez prestando mais atenção. Em cerca de um quarto de segundo, havia a forma de uma figura parada na entrada, vindo para a sala. Era rápido, mas havia. E por conta de o telefone ser de um modelo novo, mesmo em movimentos frenéticos, a imagem era muito clara. Chloe não conseguiu imaginar um rosto a olho nu, mas tinha certeza de que o FBI não teria problemas em fazer uma análise frame a frame daquela filmagem.
- Isso aqui é importante demais – Rhodes disse. – Onde você encontrou o telefone?
- Debaixo da mesa encostada na parede da sala.
Chloe podia ver que Rhodes estava animada com a descoberta, mas não queria dar muito crédito a ela. Ela apenas assentiu em aprovação e voltou a trabalhar, procurando digitais na janela.
As duas sentiram que, graças ao vídeo no Snapchat, seu trabalho estava prestes a terminar ali. Elas tinham a evidência perfeita e tudo o que fizessem depois seria mera metodologia ou rotina.
Chloe imaginou que poderia colaborar e não causar nenhuma outra tensão entre as duas. Ela pegou o telefone e voltou à sala. Caminhou pela cozinha e viu as marcas das balas na parede. Mas ela sabia que a chave para o caso estava no telefone que estava carregando, esperando para fazer o assassino daquela família pagar pelo que fez. E, em sua mente, ela não pode deixar de pensar que aquilo fora fácil demais. Ela tinha certeza que Rhodes pensava a mesma coisa e aquilo, de alguma forma, diminuiu sua animação.
CAPÍTULO QUATRO
Elas voltaram à sede do FBI duas horas depois, e Chloe sentia que já havia evidências mais do que suficientes para que houvesse um suspeito sob custódia até o fim do dia. O vídeo do Snapchat era o que de mais poderoso elas haviam encontrado, mas elas também acabaram encontrando duas digitais, a pegada no tapete do quarto e dois fios de cabelo grudados na janela do quarto.
Elas apresentaram suas descobertas ao Diretor Assistente Garcia, em uma pequena mesa de reuniões nos fundos do escritório dele. Quando Chloe mostrou a ele o que havia encontrado no telefone, viu que ele tentou esconder um pequeno sorriso de satisfação. Ele também parecia feliz em ver quão profissionalmente e dentro das normas Rhodes havia empacotado e catalogado cada uma das evidências encontradas.
Talvez ela também devesse mudar de departamento, Chloe pensou com um pouco de maldade.
- Trabalho incrível - Garcia disse, levantando-se da mesa e as cumprimentando como se fossem estudantes sendo premiadas. – Vocês trabalharam rápido, minuciosamente, e não vejo como não ser possível conseguirmos uma prisão concreta com isso tudo.
As duas agentes agradeceram. Chloe sentiu-se um pouco melhor ao ver que Rhodes não sabia como lidar com elogios, tanto quanto ela.
- Agora, Agente Fine, recebi uma ligação do Diretor Johnson antes de vocês entrarem. Ele quer encontrar com você em cerca de quinze minutos. Agente Rhodes, por que você não vai ao laboratório e vê o que acontece com todas as evidências que vocês trouxeram?
Rhodes assentiu, ainda como se fosse uma boa aluna. Enquanto isso, Chloe sentiu-se em pânico novamente. Quando ela visitara Johnson, no dia anterior, ele havia lhe dado uma notícia que mudara tudo. O que ele teria planejado agora?
Guardando suas perguntas para si, ela caminhou em direção ao escritório dele. Quando entrou na pequena área de recepção, viu que a porta estava fechada. A secretária do diretor apontou para uma das cadeiras encostadas na parede enquanto falava com alguém ao telefone. Chloe sentou-se e finalmente tirou um momento para refletir sobre o que aquele dia significava para ela e para sua carreira.
De um lado, ela havia descoberto uma evidência importante que provavelmente levaria à prisão de um membro de uma gangue que havia matado uma família inteira. Mas ao mesmo tempo, ela havia cometido um erro de principiante ao provavelmente ter estragado o que seria uma pegada. Imaginou que, no longo prazo, a pegada não interessaria, graças à prova do Snapchat. Ainda assim, estava muito envergonhada por ter tido a atenção chamada por Rhodes daquela maneira. Imaginou que, na melhor das hipóteses, as duas coisas ficariam “quites”: sua descoberta incrível balanceando com seu erro terrível.
Quando a porta do escritório de Johnson abriu, seus pensamentos foram interrompidos. Ela olhou para a porta e viu Johnson colocar a cabeça para fora. Ele a viu e sequer disse algo. Apenas a chamou para seu escritório. Era impossível saber se aquela era uma demonstração simples de pressa ou de raiva.
Chloe entrou no escritório e, quando o diretor fechou a porta, apontou para a cadeira no outro lado de sua mesa—um lugar que estava se tornando cada vez mais familiar para Chloe. Quando ele sentou, Chloe finalmente pode ler sua expressão. Ela tinha certeza de que ele estava irritado com algo.
- Você deve saber – ele disse, - que eu acabei de falar com a Agente Rhodes no telefone. Ela me contou que você basicamente destruiu uma pegada na cena do crime.
- É verdade.
Ele assentiu, desapontado.
- Estou decepcionado, porque por um lado, ela é tão nova quanto você. E o fato de ela ter me ligado basicamente para falar mal de você me deixa puto. Mas ao mesmo tempo, estou feliz por ela ter me contado. Porque mesmo esse sendo seu primeiro dia, é importante fica atento a esse tipo de coisas. Você sabe, é claro, que eu não chamo todos os agentes que cometem um erro no meu escritório para falar com eles sobre isso. Mas com você, achei que eu deveria te chamar, já que eu mudei seus planos no último minuto. Você acha que isso te tirou do lugar certo?
- Não. Eu simplesmente não vi. Eu estava muito focada em analisar a janela e não vi a pegada.
- É compreensível, mas um pouco tosco. Mas o Diretor Assistente Garcia me disse que você encontrou uma evidência que deve nos levar a uma prisão—um celular com uma aba do Snapchat aberta. Correto?
- Sim senhor. – E por razões que não entendia, Chloe queria completar: mas qualquer um poderia ter encontrado, sinceramente. Foi meio que sorte.
- Eu me considero um cara que perdoa muito – ele disse. – Mas saiba que mais erros como esse da pegada podem resultar em consequências sérias. Por enquanto, no entanto, quero você e a Agente Rhodes em outro caso. Você tem algum problema em trabalhar com ela?
A palavra sim veio até a ponta da língua, mas Chloe não queria parecer mesquinha.
- Não, eu posso lidar com isso.
- Eu olhei os relatórios dela. Os instrutores dela dizem que ela é muito esperta, mas tem uma tendência a tentar as coisas sozinha. Então, meu conselho é que você não deixe que ela tome o controle total do caso.
Sim, eu já percebi isso, Chloe pensou.
- E sendo honesto, eu já a avisei sobre isso - ele prosseguiu. – Eu também disse a ela que não gosto quando novos agentes tentam ferrar com outros. Então, espero que ela seja mais esperta no próximo caso. Eu e o Diretor Garcia vamos supervisionar isso daqui para frente, só para ter certeza de que tudo está nos conformes.
- Tudo bem, eu agradeço.
- Fora a pegada destruída, você fez um excelente trabalho hoje. Eu gostaria que você passasse o restante do dia escrevendo um relatório da cena do crime e de sua relação com a Agente Rhodes.
- Sim, senhor. Algo mais?
- Por enquanto é isso. Só... como eu disse... se você começar a sentir que essa mudança de última hora está atrapalhando seu trabalho, me diga.
Chloe assentiu e se levantou. Ao sair do escritório, sentiu como se tivesse desviado de uma bala—como uma criança quando é chamada na sala do diretor, mas é liberada apenas com um pequeno tapa no punho. Ainda assim, o fato de Johnson ter elogiado a maior parte de seu trabalho no dia a deixou mais à vontade.
Ela voltou à sua pequena estação de trabalho—um cubículo, mais especificamente—com sua mente disparada. Imaginou se já haveria existido algum novo agente que fora chamado duas vezes no escritório do Diretor em menos de quarenta e oito horas. Sentiu-se importante e, ao mesmo tempo, que estava sendo minuciosamente examinada a todo momento.
Enquanto esperava pelo elevador, viu outro agente vindo. Chloe quase não reconheceu seu rosto, do pequeno grupo de agentes que fora incluído no programa PaCV no dia anterior.
- Você é a Agente Fine, certo? – Ele disse, sorrindo.
- Sou – ela respondeu, sem saber para onde aquela conversa iria.
- Sou Michael Riggins. Soube sobre o caso que você e Rhodes receberam. Assassino de uma família relacionado a gangues. Rumores dizem que já tem uma prisão a caminho. Isso deve ser meio que um recorde, certo?
- Não faço ideia – ela disse, ainda que sentisse que tudo havia acontecido muito rápido.
- Ei, sabe, nem todos os agentes vão para campo já no primeiro dia atualmente – Riggins disse. – Alguns são mandados para pesquisas ou para mexer com a papelada. Estão falando que alguns de nós vão se reunir para tomar uma hoje. Você deveria vir. O lugar fica a duas quadras daqui, se chama Reed’s Bar. Poderíamos usar uma bela história de sucesso para renovar nossos espíritos. Mas acho melhor não convidar a Rhodes. Todo mundo... quer dizer, ninguém parece ligar muito para ela.
Chloe sabia que não deveria, mas não conseguiu deixar de sorrir ao ouvir aquele comentário.
- Pode ser que eu vá – ela disse. Foi a melhor resposta que ela poderia dar... muito melhor do que explicar que ela era introvertida e não era do tipo que ia a um bar com pessoas que não conhecia.
O elevador chegou e suas portas se abriram. Chloe entrou e Riggins acenou com um tchau. Era bizarro ver alguém invejando sua situação, especialmente depois da conversa com Johnson. Aquela sensação, de certa maneira, a fez querer ir ao bar, mesmo se fosse para tomar apenas um drink e ficar lá por meia hora. A outra alternativa era voltar para seu apartamento e continuar tirando as coisas das caixas. E aquilo era algo que, definitivamente, não a animava.
O elevador a levou para cima, até o terceiro andar, onde seu espaço ficava, ao lado de lugares idênticos de outros agentes. Ao caminhar pelo andar, passou por Rhodes na entrada. Pensou em dizer “olá” ou em agradecer ironicamente pela reunião com Johnson. Mas no fim, decidiu passar por cima disso. Era melhor não cair nos joguinhos de Rhodes.
Ainda assim, apenas passar por aquela mulher e trocar olhares sórdidos foi o suficiente para que Chloe tomasse uma decisão: sim, ela iria ao bar naquela noite. E a não ser que seu dia mudasse completamente, ela provavelmente tomaria mais do que apenas um drink.
Parece que isso está acontecendo tarde demais, ela disse a si mesma.
Aquele pensamento a perseguiu pelo restante do dia, mas assim como aconteceu com os recorrentes pensamentos sobre seu pai, ela conseguiu enviá-lo para os cantos mais profundos e escuros de sua mente.
CAPÍTULO CINCO
Quando chegou ao bar, às 6:45, Chloe percebeu que o local era quase como ela imaginara. Ela viu vários rostos familiares, mas nenhum que conhecia bem. Isso porque, de fato, ela não conhecia ninguém. Outra desvantagem de Johnson tê-la trocado de departamento na última hora era que pouquíssimas pessoas do PaCV haviam feito os mesmos cursos ou treinamentos que ela.
Os dois rostos que Chloe reconheceu eram de homens. Primeiro, Riggins. Ele estava sentado com outro agente, conversando animadamente sobre algo. E havia também Kyle Moulton, o agente boa pinta que havia se oferecido para almoçar com ela no primeiro estágio da orientação—o homem que havia perguntado sobre suas tendências violentas. Chloe ficou um pouco desanimada ao ver que ele estava conversando com outras duas mulheres. Mas não surpresa. Moulton era muito bonito. Ele parecia um pouco com Brad Pitt no passado.