Suas mãos tremiam quando uma nova percepção o atingiu. Não conseguia se lembrar, o que significava que poderia ter sido suprimida pelo implante. Mas por que quaisquer memórias de Kate foram apagadas com o Agente Zero?
–Papai! Maya o chamou do fundo das escadas. Você vai se atrasar!
—Sim, ele murmurou. Chegando. Ele teria que encarar a realidade de que ou ele procurava uma solução para seu problema, ou as lembranças ocasionais que ressurgiam continuariam a se arrastar, confusas e dissonantes.
Mas enfrentaria essa realidade mais tarde. Agora tinha uma promessa a cumprir.
Ele desceu as escadas, beijou cada uma de suas filhas no topo da cabeça e saiu para o carro. Antes de caminhar pela calçada, ele se certificou de que Maya havia acionado o alarme, e então entrou na SUV prateada que havia comprado algumas semanas antes.
Mesmo que estivesse muito nervoso e certamente excitado em ver Maria de novo, ele ainda não conseguia sacudir a bola de medo em seu estômago. Não podia deixar de sentir que deixar as meninas sozinhas, mesmo que por pouco tempo, era uma péssima ideia. Se os eventos do mês anterior lhe ensinaram alguma coisa, foi em primeiro lugar que não faltavam ameaças para vê-lo sofrer.
CAPÍTULO TRÊS
—Como você está se sentindo esta noite, senhor? A enfermeira da noite perguntou educadamente quando ela entrou em seu quarto de hospital. O nome dela era Elena, ele sabia, e era suíça, embora falasse com ele em inglês com um sotaque acentuado. Ela era baixinha e jovem, a maioria diria bonita, e bem alegre.
Rais não disse nada em resposta. Ele nunca respondia. Apenas olhou quando ela colocou um copo de isopor em sua mesa de cabeceira e começou a inspecionar cuidadosamente suas feridas. Sabia que sua alegria era supercompensação por seu medo. Sabia que não gostava de estar no quarto com ele, apesar da dupla de guardas armados atrás dela, observando cada movimento seu. Ela não gostava de tratá-lo, nem de falar com ele.
Ninguém gostava.
A enfermeira, Elena, inspecionou suas feridas com cautela. Ele podia dizer que ela estava nervosa perto dele. Sabiam o que tinha feito; que havia matado em nome de Amun.
Ficariam com muito mais medo se soubessem quantos, pensou ironicamente.
–Você está se curando muito bem, ela disse a ele. Mais rápido do que o esperado. Ela dizia aquilo a ele todas as noites, o que para ele significava espero que você vá embora daqui em breve.
Isso não era uma boa notícia para Rais, porque quando estivesse finalmente bem o suficiente para sair, provavelmente seria enviado para um buraco horrível no chão, um local escuro da CIA no deserto, para ganhar mais ferimentos enquanto o torturavam por informações.
Como Amun, nós aguentamos. Esse tinha sido seu mantra por mais de uma década, mas esse não era mais o caso. Amun não existia mais, até onde Rais sabia; sua ação em Davos havia fracassado, seus líderes tinham sido detidos ou mortos, e todas as Agências de segurança do mundo sabiam deles, o glifo de Amun que seus membros tinham queimando a pele.
Rais não tinha permissão para assistir à televisão, mas recebeu notícias de seus guardas policiais armados, que falavam com frequência (e com bastante afinco, muitas vezes para o aborrecimento de Rais).
Ele próprio tirou a marca de sua pele antes de ser levado ao hospital em Sion, mas acabou sendo em vão; eles sabiam quem era e pelo menos um pouco do que tinha feito. Mesmo assim, a cicatriz irregular e manchada de rosa, onde a marca já estivera em seu braço, era um lembrete diário de que Amun não existia mais, e assim parecia apropriado que seu mantra mudasse.
Eu aguento.
Elena pegou o copo de isopor, cheio de água gelada e um canudo.
–Você gostaria de algo para beber?
Rais não disse nada, mas ele se inclinou para a frente e separou os lábios. Ela guiou o canudo na direção dele com cautela, com os braços totalmente estendidos e travados nos cotovelos, o corpo reclinado em ângulo. Estava com medo; quatro dias antes, Rais tentara morder o Dr. Gerber. Seus dentes tinham raspado o pescoço do médico, nem mesmo rasgou a pele, mas ainda assim, justificou um soco no queixo vindo de um de seus guardas.
Rais não tentou nada dessa vez. Tomou goles longos e lentos através do canudo, aproveitando o medo da menina e a ansiedade tensa dos dois policiais que o observavam atrás dela. Quando terminou, ele se inclinou para trás novamente. Ela suspirou audivelmente de alívio.
Eu suporto.
Ele havia sofrido bastante nas últimas quatro semanas. Havia sofrido uma nefrectomia para remover seu rim perfurado. Havia sofrido uma segunda cirurgia para extrair uma parte de seu fígado dilacerado. Havia sofrido um terceiro procedimento para garantir que nenhum de seus outros órgãos vitais tivesse sido danificado.
Passou vários dias na UTI antes de ser transferido para uma unidade médico-cirúrgica, mas nunca saiu da cama onde estava algemado pelos dois pulsos. As enfermeiras o viraram e mudaram sua comadre e o mantiveram tão confortável quanto puderam, mas ele nunca teve permissão para se levantar, ficar de pé, para se movimentar por vontade própria.
As sete facadas em suas costas e uma em seu peito foram suturadas e, como a enfermeira noturna, Elena, continuamente lhe lembrava, estava curando bem. Ainda assim, havia pouco que os médicos pudessem fazer sobre os danos nos nervos. Às vezes, suas costas inteiras ficavam dormentes, até os ombros e ocasionalmente até os bíceps. Não sentia nada, como se aquelas partes de seu corpo pertencessem a outra pessoa.
Outras vezes acordava de um sono sólido com um grito na garganta enquanto uma dor lancinante rasgava através dele como uma tempestade de raios furiosa. Nunca durou muito, mas era aguda, intensa e vinha de forma irregular. Os médicos os chamavam de —ferrões, um efeito colateral visto às vezes naqueles com danos nos nervos tão extensos quanto os dele. Eles asseguraram-lhe que esses ferrões frequentemente desapareciam e paravam por completo, mas não podiam dizer quando isso aconteceria. Em vez disso, disseram que tinha sorte de não haver danos na medula espinhal. Eles disseram que teve sorte de ter sobrevivido aos ferimentos.
Sim, sorte, pensou amargamente. Sorte que estava se recuperando apenas para ser empurrado para os braços de um lugar escuro da CIA. Sorte de ter tempos de trabalho, tudo eliminado ao longo de um único dia. Sorte de ter sido vencido não uma, mas duas vezes por Kent Steele, um homem que ele odiava, detestava, com todas as forças possíveis de seu ser.
Eu aguento.
Antes de sair do quarto, Elena agradeceu aos dois oficiais em alemão e prometeu levar-lhes café quando voltasse mais tarde. Depois que ela foi embora, retomaram o posto do lado de fora de sua porta, que estava sempre aberta, e retomaram a conversa, algo sobre um recente jogo de futebol.
Rais era bastante versado em alemão, mas as particularidades do dialeto suíço-alemão e a velocidade com que falavam tornava o entendimento confuso, às vezes. Os oficiais do turno diurno geralmente conversavam em inglês, e foi assim que ele recebeu muitas de suas notícias sobre os acontecimentos do lado de fora do seu quarto de hospital.
Ambos eram membros do Escritório Federal de Polícia da Suíça, que exigia que ele tivesse dois guardas em seu quarto o tempo todo, vinte e quatro horas por dia. Eles revezavam em turnos de oito horas, com uma dupla totalmente diferente de guardas às sextas-feiras e ao fim de semana.
Sempre havia dois, sempre; se um policial tivesse que usar o banheiro ou comer alguma coisa, primeiro teria que ligar para chamar um dos guardas de segurança do hospital e aguardar a chegada dele. A maioria dos pacientes em sua condição e com esta recuperação provavelmente teria sido transferida para um centro de trauma de nível inferior, mas Rais permaneceu no hospital. Era uma instalação mais segura, com suas unidades trancadas e guardas armados.
Sempre havia dois. Sempre. E Rais havia determinado que isso poderia funcionar a seu favor.
Teve muito tempo para planejar sua fuga, especialmente nos últimos dias, quando os níveis de medicação diminuíram e ele pôde pensar com lucidez. Passou por vários cenários em sua cabeça, vários e vários. Memorizou horários e interceptou conversas. Não demoraria muito para que o dispensassem – uma questão de dias, no máximo.
Tinha que agir, e decidiu que faria isso hoje à noite.
Seus guardas se tornaram complacentes ao longo das semanas de sentinela do lado de fora de sua porta. Eles o chamavam de —terrorista, e sabiam que era um assassino, mas além do incidente com o Dr. Gerber alguns dias antes, Rais não tinha feito nada além de ficar em silêncio, quase imóvel, e permitir que a equipe cumprisse suas obrigações. Se ninguém estava na sala com ele, os guardas mal prestavam atenção, a não ser ocasionalmente olhavam para ele.
Não tentou morder o médico por maldade ou malícia, mas por necessidade. Gerber estivera debruçado sobre ele, inspecionando a ferida em seu braço, onde cortara a marca de Amun – e o bolso do jaleco branco do médico roçara os dedos da mão algemada de Rais. Ele pulou, estalando as mandíbulas, e o médico deu um pulo para trás assustado quando os dentes roçaram seu pescoço.
E uma caneta-tinteiro permaneceu firme no punho de Rais.
Um dos oficiais de plantão lhe dera um duro soco no rosto e, no momento em que o golpe o acertou, Rais enfiou a caneta sob os lençóis, colocando-a sob a coxa esquerda. Ali ficou por três dias, escondida sob os lençóis, até a noite anterior. Ele havia tirado o objeto enquanto os guardas conversavam no corredor.
Com uma das mãos, incapaz de ver o que estava fazendo, separou as duas metades da caneta e retirou o cartucho, trabalhando devagar e com firmeza para que a tinta não se derramasse. A caneta era de ponta de ouro de estilo clássico. Ele colocou a metade de volta sob o lençol. A metade de trás tinha um clipe de bolso de ouro, que ele cuidadosamente ergueu e afastou com o polegar até que se soltasse.
A algema em seu pulso esquerdo permitia um pouco menos de 30 centímetros de mobilidade para seu braço, mas se esticasse a mão até o limite, poderia alcançar os primeiros centímetros do suporte da cabeceira. A mesa era simples, de tábuas de madeira lisa, mas a parte de baixo era áspera como uma lixa.
No decorrer das exaustivas e dolorosas quatro horas na noite anterior, Rais gentilmente esfregou o clipe da caneta para frente e para trás ao longo da parte inferior da mesa, tomando cuidado para não fazer muito barulho. Com cada movimento, ele temia que o clipe escorregasse de seus dedos, ou que os guardas notassem o movimento, mas seu quarto estava escuro e estavam em profunda conversa. Ele trabalhou e trabalhou até afiar o clipe como uma agulha. Então, o clipe desapareceu sob os lençóis também, ao lado da outra parte.
Sabia, por meio de trechos de conversas, que haveria três enfermeiras noturnas na unidade, Elena, com outras duas de plantão, se necessário. Elas, além de seus guardas, significavam pelo menos cinco pessoas com quem ele teria que lidar, e no máximo sete.
Ninguém dentre a equipe médica gostava de atendê-lo, sabendo quem era, então eles verificavam o quarto com uma baixíssima frequência. Agora que Elena tinha feito o que precisava fazer, Rais sabia que teria algo entre sessenta e noventa minutos antes que ela pudesse voltar.
Seu braço esquerdo estava preso por uma contenção padrão do hospital, o que os profissionais às vezes chamavam de —quatro ponteiros—. Era uma algema azul macia que ficava em volta do pulso com uma cinta de nylon branca justa em volta, a outra extremidade ficava firmemente presa no corrimão de aço da cama dele. Por causa da gravidade de seus crimes, seu pulso direito estava algemado.
Os dois guardas do lado de fora conversavam em alemão. Rais ouviu atentamente; o da esquerda, Luca, parecia estar reclamando que sua esposa estava engordando. Rais quase zombou; Luca estava longe de ser magro. O outro, um homem chamado Elias, era mais jovem e atlético, mas tomava café em doses que deveriam ser letais para a maioria dos humanos.
Todas as noites, entre noventa minutos e duas horas em seu turno, Elias telefonava para o guarda noturno para que pudesse se aliviar. Enquanto estava fora, Elias saía para fumar um cigarro, de modo que, com o intervalo do banheiro, significava que geralmente gastaria de oito a onze minutos. Rais passara as últimas várias noites contando em silêncio os segundos das ausências de Elias.
Era uma janela de oportunidade muito estreita, mas para a qual estava preparado.
Ele alcançou sob seus lençóis o clipe afiado e segurou-o nas pontas dos dedos de sua mão esquerda. Então, cuidadosamente, jogou-o em um movimento de arco sobre seu corpo. O clipe aterrissou com destreza na palma da mão direita.
Em seguida, viria a parte mais difícil do seu plano. Ele puxou o pulso para que a corrente da algema estivesse esticada e, enquanto a segurava dessa maneira, torceu a mão e passou a ponta afiada do clipe para dentro do buraco da fechadura ao redor do corrimão de aço.
Era um movimento difícil e desajeitado, mas havia escapado de algemas antes; sabia que o mecanismo de captura era projetado de modo que uma chave universal pudesse abrir praticamente qualquer algema, e conhecer o funcionamento interno de uma fechadura significava simplesmente fazer os ajustes certos para acionar os pinos lá dentro. Ele teve que manter a corrente esticada, no entanto, para evitar que a braçadeira batesse contra o corrimão e alertasse seus guardas.
Levou quase vinte minutos, virando-se, fazendo pequenas pausas para aliviar seus dedos doloridos e tentando de novo, mas finalmente a fechadura estalou e a algema se abriu. Rais retirou-a cuidadosamente do corrimão.
Uma mão estava livre.
Estendeu a mão e apressadamente soltou a parte esquerda.
Ambas as mãos estavam livres.
Ele guardou o clipe sob os lençóis e retirou a metade superior da caneta, segurando-a na palma da mão de modo que apenas a ponta afiada estivesse exposta.
Do lado de fora de sua porta, o oficial mais jovem se levantou de repente. Rais segurou o fôlego e fingiu estar dormindo quando Elias olhou para ele.
—Ligue para Francis, certo? Disse Elias em alemão. Eu tenho que mijar.
–Claro, disse Luca com um bocejo. Ligou para o guarda noturno do hospital, que normalmente estava atrás da recepção no primeiro andar. Rais havia visto Francis muitas vezes; era um homem mais velho, com mais ou menos cinquenta anos, talvez com sessenta e poucos anos, com um corpo magro. Carregava uma arma, mas seus movimentos eram lentos.
Era exatamente o que Rais esperava. Não queria lutar contra o policial mais novo em seu estado ainda em recuperação.
Três minutos depois, Francis apareceu de uniforme branco e gravata preta, e Elias correu para o banheiro. Os dois homens do lado de fora trocaram gentilezas enquanto Francis pegava o assento de plástico de Elias com um suspiro pesado.
Era hora de agir.
Rais cuidadosamente deslizou para o final da cama e colocou os pés descalços no azulejo frio. Já fazia algum tempo desde que usara as pernas, mas estava confiante de que seus músculos não haviam atrofiado a ponto de deixá-lo na mão.
Ficou de pé com cuidado, em silêncio, e então seus joelhos se dobraram. Agarrou a beira da cama em busca de apoio e lançou um olhar para a porta. Ninguém veio; as vozes continuaram. Os dois homens não ouviram nada.
Rais ficou trêmulo, ofegante e deu alguns passos silenciosos. Suas pernas estavam fracas, com certeza, mas ele sempre foi forte quando necessário, e precisava ser forte agora. Sua roupa de hospital fluiu ao redor dele, aberta na parte de trás. A roupa só o impediria, então ele a puxou, ficando descaradamente nu no quarto do hospital.