“Mas eu não vejo nenhum lugar para atracar um navio.” Thor disse.
“Isso seria fácil demais.” Kolk retrucou.
“Então, como chegaremos à ilha?” O’Connor perguntou.
Kolk sorriu, era um sorriso malvado.
“Vocês nadarão.” Disse ele.
Por um momento, Thor se perguntou se Kolk não estaria brincando, mas pela expressão de seu rosto Thor percebeu que ele falava sério. Thor engoliu em seco.
“Nadar?” Reece disse incrédulo.
“As águas estão infestadas de criaturas!” Elden disse.
“Oh, isso é o de menos.” Kolk continuou. “As marés são traiçoeiras; esses redemoinhos sugarão vocês para baixo; essas ondas esmagarão vocês ao lançá-los contra aquelas pedras irregulares; a água é quente e se vocês conseguirem chegar vivos até as rochas, terão de encontrar uma maneira de escalar os penhascos para poder chegar à terra firme. Isso, se as criaturas do mar não pegarem vocês primeiro. Bem-vindos ao seu novo lar.”
Thor ficou lá com os outros ao lado da amurada, olhando para a formação de espuma do mar abaixo dele. A água girava debaixo dele como uma coisa viva, as correntes eram mais fortes a cada segundo e balançavam o barco, tornando mais difícil manter o equilíbrio. Lá embaixo, as águas se enfureciam, produzindo, um vermelho brilhante que parecia conter o sangue do próprio inferno. Pior ainda, ao olhar bem de perto Thor viu que as águas eram perturbadas a cada poucos metros pelo surgimento de outro monstro marinho que emergia, estalava os dentes longos e logo submergia.
O navio ancorou repentinamente, longe da costa e Thor engoliu seco. Ele olhou para as pedras que contornavam a ilha e se perguntou como eles iriam dali até ela. O ruído das ondas arrebentando ficava mais alto a cada segundo, fazendo com que os outros tivessem de gritar para serem ouvidos.
Enquanto Thor observava, vários pequenos barcos a remos foram baixados até a água e em seguida guiados pelos comandantes para longe do navio, permanecendo a uma distância de cerca de trinta metros. Os comandantes não iriam facilitar as coisas para os rapazes, os quais teriam de nadar para alcançar os barcos.
A ideia de ter de nadar fez o estômago de Thor revirar.
“PULEM!” Gritou Kolk.
Pela primeira vez, Thor estava apavorado. Ele perguntou-se isso não o rebaixaria como membro da Legião e como guerreiro. Ele sabia que os guerreiros deviam ser destemidos em todas as circunstâncias, mas ele teve de admitir para si mesmo que ele sentia medo naquele instante. Ele odiava o fato de sentir-se assim e desejava que não estivesse com medo. Mas ele realmente estava.
Porém quando Thor olhou em volta e viu os rostos aterrorizados dos outros garotos, ele se sentiu melhor. Todos os rapazes ao seu redor permaneceram ao lado da amurada, congelados de medo, olhando para as águas. Um garoto em especial, estava tão assustado que todo o seu corpo tremia. Era o garoto que Thor tinha visto no dia do treinamento com os escudos, o único que tivera medo, o que tinha sido forçado a correr mais voltas.
Kolk deve ter percebido isso, porque ele cruzou o convés na direção do rapaz. Kolk parecia inalterado quando o vento jogou o seu cabelo para trás, ele franzia o cenho enquanto prosseguia, parecia estar pronto para conquistar a própria natureza. Ao aproximar-se do garoto ele fechou a carranca.
“PULE!” Kolk gritou.
“Não!” O garoto respondeu. “Eu não posso! Não posso fazer isso! Eu não sei nadar! Leve-me de volta para casa!”
Kolk caminhou até o garoto, que já estava começando a se afastar da amurada, agarrou-o pela parte de trás de sua camisa e levantou-o bem alto.
“Então você vai aprender a nadar!” Kolk rosnou, então ele jogou o garoto por cima da borda. Thor não podia acreditar que isso estivesse acontecendo.
O garoto saiu voando pelo ar, gritando enquanto despencava de uma altura de cerca de cinco metros, no mar espumante. Ele mergulhou produzindo um esguicho, então veio à tona, agitando-se, tentando respirar.
“SOCORRO!” Ele gritava.
“Qual é a primeira lei da Legião?” Kolk gritou, virando-se para os outros rapazes no navio, ignorando o garoto na água.
Thor estava vagamente ciente da resposta correta, mas estava distraído demais com a visão do garoto afogando-se abaixo, para poder responder à pergunta de Kolk.
“Ajudar um membro da Legião em necessidade!” Elden exclamou.
“E ele está em necessidade?” Kolk gritou, apontando para o rapaz.
O garoto levantava os braços e batia freneticamente na água, os outros rapazes ficaram no convés olhando-o, todos estavam assustados demais para mergulhar.
Naquele momento, algo estranho aconteceu com Thor. À medida que ele se concentrava no rapaz se afogando, tudo se dissipava. Thor já não pensava em si mesmo. O fato de que ele pudesse morrer nunca sequer passou por sua cabeça. O mar, os monstros, as correntes… tudo isso tinha desaparecido. Tudo em que ele podia pensar agora era em resgatar alguém.
Thor subiu na larga amurada de carvalho, dobrou os joelhos e sem pensar, pulou bem alto para cair de cabeça nas borbulhantes águas abaixo dele.
CAPÍTULO CINCO
Gareth estava sentado sobre o trono de seu pai, no Salão Real, ele passava as mãos ao longo dos braços de madeira lisa do trono e olhava para a cena diante dele: milhares de seus súditos lotavam a sala, pessoas que provinham de todos os recantos do Anel para assistir a um evento único em suas vidas, elas estavam ali para ver se ele poderia empunhar a Espada da Dinastia. Para ver se ele era o Escolhido. Desde que o seu pai era jovem as pessoas nunca tinham tido a oportunidade de assistir a uma cerimônia de elevação e parecia que ninguém queria perdê-la. A excitação pairava no ar como uma nuvem.
O próprio Gareth estava entorpecido com a expectativa. Enquanto ele observava a sala continuar a encher com as pessoas que se apinhavam ali dentro, ele começou a se perguntar se os conselheiros de seu pai não teriam razão: se, de fato, não tinha sido uma má ideia conduzir a cerimônia de elevação no Salão Real e abri-lo para o público. Eles tinham lhe exortado a tentar fazê-lo na pequena sala privada onde a espada se encontrava; tinham argumentado que se por acaso ele falhasse, poucos testemunhariam isso. Mas Gareth não confiava nas pessoas do círculo de seu pai; ele se sentia mais confiante em seu destino do que a velha guarda de seu pai. Ele queria que todo o reino testemunhasse o evento; que testemunhasse que ele era o Escolhido, no exato momento em que isso acontecesse. Ele queria que o momento ficasse gravado no tempo. O momento em que seu destino havia chegado.
Gareth entrou no salão com atitude, ele cruzou o Salão Real acompanhado por seus assessores, ele usava sua coroa, seu manto e empunhava seu cetro. Ele queria que todos soubessem que era ele o verdadeiro rei, o verdadeiro MacGil, não o seu pai.
Enquanto ele esperava, não tardou muito tempo para que ele sentisse que aquele era o seu castelo, aqueles eram seus súditos. Ele queria que o seu povo sentisse aquilo naquele momento, que aquela demonstração de poder fosse vista amplamente. Depois daquele dia, eles saberiam com certeza que ele era o seu único e verdadeiro rei.
Mas agora que Gareth estava sentado ali, sozinho no trono, ele já não estava tão seguro. Ele olhava para os suportes de ferro no centro da sala, eles estavam iluminados por um raio de sol que entrava pelo teto e a espada seria colocada sobre eles. A gravidade do que ele estava a ponto de fazer pesava sobre ele, seria um passo irreversível, não haveria como voltar atrás. E se, de fato, ele não conseguisse? Ele tentou afastar essa ideia de sua mente.
A enorme porta se abriu com um rangido do outro lado da sala e depois de um burburinho animado a sala ficou em silêncio com a expectativa. Uma dúzia dos homens mais fortes da corte marchava segurando a espada em suas mãos, todos lutando sob o seu peso. Seis homens estavam de cada lado, marchando devagar, um passo de cada vez, carregando a espada em direção a seu lugar de descanso.
O coração de Gareth acelerou enquanto ele a observava chegar mais perto. Por um breve momento sua confiança o abandonou. Aqueles doze homens eram maiores do que qualquer outro homem que ele já tinha visto, se eles mal conseguiam segurá-la, que chance ele tinha? Mas ele tentou afastar tais pensamentos de sua mente, afinal, a espada tinha a ver com o destino, não com a força. E ele se forçou a lembrar que o seu destino era estar ali, era ser o primogênito dos MacGils, era ser rei. Ele procurou Argon entre a multidão, por algum motivo ele teve um súbito e intenso desejo de buscar seu conselho. Aquele era o momento em que Gareth mais precisava dele. Por alguma razão, ele não conseguia pensar em mais ninguém. Mas, claro, Argon estava longe de ser encontrado.
Finalmente, os doze homens alcançaram o centro da sala carregando a espada até o raio de sol e colocaram-na sobre os suportes de ferro. Ela caiu com um estrondo, o som viajou em ondas por toda a sala. A sala ficou completamente em silêncio.
A multidão instintivamente se separou, abrindo caminho para que Gareth descesse até a espada e a erguesse.
Gareth lentamente se levantou de seu trono saboreando o momento, saboreando toda aquela atenção. Ele podia sentir todos os olhos sobre ele. Ele sabia que uma ocasião como aquela nunca se apresentaria outra vez, uma ocasião durante a qual todo o reino o observava tão completamente, tão intensamente, analisando cada movimento que ele fazia. Ele tinha vivido aquele momento tantas vezes em sua mente quando ainda era apenas um garoto e agora ele tinha chegado. Ele queria ir devagar.
Gareth descia os degraus do trono, um de cada vez, saboreando cada passo. Ele caminhava sobre o tapete vermelho sentindo sua suavidade debaixo dos pés, ele agora estava cada vez mais perto do raio de sol, seguia em direção à espada. Enquanto andava, era como se andasse em um sonho. Sentia-se eufórico. Uma parte dele se sentia como se tivesse andado sobre aquele tapete muitas vezes anteriormente, depois de ter erguido a espada um milhão de vezes em seus sonhos. Isso o fez sentir-se ainda mais confiante de que ele estava destinado a erguê-la. Ele estava caminhando para alcançar seu destino.
Em sua mente ele via como tudo seria: ele iria avançar corajosamente, estender apenas uma mão e quando seus súditos se inclinassem, de repente e dramaticamente ele elevaria a espada sobre sua cabeça. Eles dariam um suspiro, se prostrariam diante dele e o proclamariam O Escolhido, o mais importante dos reis MacGil que já chegou a governar, aquele destinado a governar para sempre. Eles iriam chorar de alegria diante da visão. Eles se encolheriam de temor diante dele. Eles agradeceriam a Deus por ter vivido para testemunhar isso. Eles iriam adorá-lo como a um deus.
Gareth se aproximou da espada, ela agora se encontrava a poucos metros dele. Ele sentiu tremer por dentro. Embora Gareth tivesse visto a espada muitas vezes anteriormente, ele foi pego de surpresa por sua beleza quando se colocou ao lado dela, sob a luz do sol. Ele nunca tinha tido permissão para estar tão perto da espada antes e sua beleza o surpreendeu. Ela era intensa, sua lâmina era longa e brilhante, feita de um material que ninguém podia identificar. A espada tinha o punho mais ornamentado que ele já tinha visto, o qual estava envolto em um finíssimo tecido sedoso, incrustado com pedras preciosas de todo tipo e estampado com o brasão de um falcão. Quando ele aproximou-se mais da espada, sentiu a energia poderosa que irradiava dela. Ela parecia pulsar. Ele mal podia respirar. Em apenas um momento ela estaria na palma da sua mão, bem alto, sobre sua cabeça; brilhando na luz do sol para que todo o mundo pudesse ver.
Para vê-lo, ele, Gareth, o grande.
Gareth esticou o braço e colocou a mão direita sobre o punho da espada, fechando lentamente os dedos em torno dele, sentindo cada jóia, cada contorno enquanto ele o segurava eletrizado. Uma intensa energia irradiava através da palma de sua mão e subia pelo seu braço, percorrendo seu corpo. Era diferente de tudo que ele já havia sentido. Aquele era seu momento. Seu momento de todos os tempos.
Gareth não se arriscaria, ele estendeu a outra mão para poder apertar o punho com ela também. Ele fechou os olhos, sua respiração se cortou.
Se for da vontade dos deuses, que eles permitam-me elevar a espada. Que eles deem-me um sinal. Que eles mostrem-me que eu sou rei. Que eles mostrem-me que eu estou destinado a governar.
Gareth orava em silêncio à espera de uma resposta, de um sinal, para o momento perfeito. Mas os segundos se passaram, uns dez segundos, o reino inteiro o observava, no entanto, ele não ouvia nada.
Então, de repente ele viu o rosto de seu pai olhando para ele com desprezo.
Gareth abriu os olhos, aterrorizado, querendo limpar a imagem de sua mente. Seu coração batia forte e ele sentiu que aquele era um péssimo presságio.
Era agora ou nunca.
Gareth inclinou-se e tentou erguer a espada com todas as suas forças. Ele lutou com toda a energia que tinha, até que todo o seu corpo tremia convulsionado.
A espada não se moveu. Era como tentar mover os próprios alicerces da Terra.
Gareth tentou com mais força ainda, a luta era cada vez mais difícil. Finalmente, ele estava visivelmente gemendo e gritando.
Momentos depois ele entrou em colapso.
A espada não tinha se movido nem um centímetro.
Um suspiro chocado espalhou-se por toda a sala quando Gareth caiu no chão. Vários assessores correram em seu auxílio, para verificar se ele estava bem, mas ele os empurrou violentamente. Ele se levantou constrangido, tentando recuperar a compostura.
Humilhado, Gareth olhou para seus súditos desejando ver como eles iriam vê-lo de agora em diante.
Eles já haviam se virado e começavam a deixar a sala. Gareth podia ver a decepção em seus rostos, podia ver que ele era apenas mais um espetáculo falido aos seus olhos. Agora, tudo o que eles sabiam, todos e cada um deles, era que ele não era o seu verdadeiro rei. Ele não era o Escolhido não era o MacGil destinado a reinar. Ele não era nada. Era apenas mais um príncipe que havia usurpado o trono.
Gareth sentia a vergonha queimando-o. Ele nunca tinha se sentido mais solitário do que naquele momento. Tudo o que ele tinha imaginado, desde quando ele ainda era uma criança, tinha sido uma mentira. Uma ilusão. Ele tinha acreditado em sua própria fábula.
E isso o havia aniquilado.
CAPÍTULO SEIS
Gareth dava voltas pelo seu quarto, sua cabeça girava atordoada devido a sua incapacidade de erguer a espada, tentando processar as ramificações. Ele sentia-se entorpecido. Mal podia acreditar que tinha sido tão estúpido para tentar erguer a espada, a Espada da Dinastia, a que nenhum MacGil tinha sido capaz de erguer por sete gerações. Por que ele pensou que seria melhor do que os seus antepassados? Por que ele supôs que com ele tudo seria diferente?
Ele deveria ter imaginado. Ele deveria ter sido cauteloso, jamais deveria ter superestimado a si mesmo. Ele deveria simplesmente ter se contentado com ter o trono de seu pai. Por que ele tinha querido ir mais além?
Agora todos os seus súditos sabiam que ele não era o Escolhido; agora o seu governo seria marcado por isso; agora, talvez, eles tivessem mais motivos para suspeitar dele pela morte de seu pai. Ele viu que todo mundo já olhava para ele de forma diferente, como se ele fosse um fantasma andante, como se todos eles já estivessem se preparando para a chegada do próximo rei.
Pior do que isso, pela primeira vez em sua vida, Gareth se sentia inseguro sobre si mesmo. Durante toda a sua vida, ele tinha visto o seu destino de forma clara. Ele tinha certeza de que estava destinado a tomar o lugar de seu pai, de que governaria e de que manejaria a espada. Sua confiança foi abalada ao máximo. Agora, ele não tinha certeza de nada.