“Ambiente Não Selado?” Luna perguntou. “O que é que achas que isso significa?”
“Eu acho que isso significa que não há nenhuma câmara-de-ar nesta saída?” Kevin disse, não tendo a certeza. As palavras estampadas em torno dela faziam-na parecer como algo extremamente perigoso para abrir. Talvez fosse.
“Nenhuma câmara-de-ar?”
“As pessoas não gostariam de uma, se tivessem que sair rapidamente.”
Ele viu a mão de Luna a dirigir-se para a máscara de gás que ela tinha tido de usar durante todo o caminho até ali, e que agora pendia do cinto dos seus jeans. Kevin podia adivinhar o que ela estava a pensar.
“Não há nenhuma maneira do vapor alienígena entrar aqui” disse ele, tentando tranquilizá-la. Ele não queria que Luna se assustasse. “Não se não abrirmos a porta.”
“Eu sei que é estúpido” disse Luna. “Eu sei que o vapor provavelmente já nem sequer está lá fora; que são apenas as pessoas que eles controlaram...”
“Mas ainda não parece ser seguro?” Kevin supôs. Nada parecia seguro naquele momento, mesmo num bunker.
Luna assentiu. “Eu preciso de me afastar desta porta.”
Kevin regressou com ela para o bunker, afastando-se da saída de emergência. Na verdade, saber que os dois poderiam escapar se precisassem, fazia com que ele se sentisse um pouco mais seguro, mas ele esperava que eles não precisassem de o fazer. Eles precisavam de algum lugar seguro, naquele momento. Um lugar onde eles se pudessem esconder dos alienígenas até que fosse seguro sair novamente.
Ou até que a sua doença o matasse. Esse era um pensamento particularmente horrível. Não havia tremores provocados pela leucodistrofia naquele momento, mas Kevin não tinha dúvidas de que eles voltariam, e piores. Ele não podia pensar nisso, porque eles tinham coisas maiores com que se preocupar. Quem diria que seria necessária uma invasão alienígena para fazer com que a sua doença parecer insignificante?
“Eu acho que há quartos aqui” disse Luna, indo à frente por um dos corredores. Havia. Havia dormitórios completos ali, com imensas filas de beliches que não eram mais do que armações de metal, mas alguns tinham coisas perto deles, juntamente com colchões e roupas de cama.
“Terias pensado que alguns deles ficariam cá dentro” disse Kevin. “Não faz sentido que não haja ninguém aqui.”
Luna abanou a cabeça. “Eles teriam saído para ajudar. E depois... bem, no momento em que eles tivessem percebido que isso não era uma boa ideia, os alienígenas já os estariam a controlar.”
Isso fazia uma espécie de sentido, mas não deixava de ser um pensamento horrível.
“Eu sinto falta dos meus pais” disse Luna do nada, embora talvez ela estivesse estado a pensar nisso todo este tempo. A dor causada por a mãe de Kevin ter sido levada não tinha desaparecido; tinha apenas sido empurrada para o segundo plano pela necessidade de continuar a fazer as coisas, pela necessidade de se porem a salvo e para garantir que ambos ficavam em segurança.
“Também sinto falta da minha mãe” disse Kevin, sentando-se à beira de um estrado de cama. Ele descobriu que era impossível imaginá-la, naquele momento, como ela era antes os alienígenas chegarem. Em vez disso, a imagem que lhe vinha à mente era dela quando ela estava na porta da sua casa, controlada pelos alienígenas e a tentar agarrá-lo.
Luna sentou-se no seu próprio estrado de cama. Nenhum deles tinha escolhido uma das que estava com roupa de cama. Isso não parecia correto de certa forma. Aquelas pareciam como se pertencessem a alguém, e os seus donos poderiam estar de volta a qualquer momento.
“Não é apenas dos meus pais” disse Luna. “É de todas as outras crianças da escola, de todas as pessoas que conheci. Todas foram levadas. Todas.”
Ela colocou a cabeça entre as mãos. Kevin colocou a sua mão na dela, sem dizer nada. Era igualmente avassalador para ele naquele momento pensar que todas as pessoas do mundo poderiam ter sido levadas pelos alienígenas. Pessoas comuns, celebridades, amigos...
“Não sobraram pessoas” disse Luna.
“De qualquer das maneiras, eu pensava que tu não gostavas de pessoas.” retrucou Kevin. “Eu pensava que tu tinhas decidido que a maioria das pessoas é estúpida?”
Luna sorriu ligeiramente ao ouvir aquilo, mas pareceu que era em esforço. “Eu prefiro estúpidas do que controladas por alienígenas em qualquer circunstância.” Ela parou por um momento. “Achas... achas que as pessoas vão alguma vez ficar bem outra vez?”
Kevin não conseguia olhar para ela. “Eu não sei.” Ele não conseguia ver como. “Porém, nós estamos a salvo. Isso é tudo o que importa.”
Não era, porém. Longe disso.
***
Eles procuraram pelo bunker até encontrarem mais camas, não querendo tirar nada dos beliches que já estavam preparados. Esses permaneciam tão imaculados como se os seus donos pudessem voltar a qualquer momento, embora Kevin tivesse que desejar que não voltassem, porque ele suponha que os alienígenas os controlassem agora.
Eles voltaram para a cozinha por tempo suficiente para comerem algo. O pacote dizia frango, mas Kevin mal conseguia sentir o seu gosto. Talvez isso fosse uma coisa boa, a julgar pelo olhar no rosto de Luna.
“Eu nunca mais vou reclamar por ter que comer legumes” disse ela, embora Kevin suspeitasse que ela provavelmente o faria. Ela não seria Luna se não o fizesse.
Quando terminaram, eles se revezaram na limpeza de uma das casas de banho do bunker. Eles provavelmente poderiam ter simplesmente escolhido uma casa de banho cada um, ou duas, ou mais, mas Kevin, pelo menos, não queria estar tão distante de Luna ainda. Mesmo quando chegou o momento de escolher os beliches, eles escolheram uns praticamente ao lado um do outro, quando eles tinham todo o espaço do dormitório por onde escolher. Era como uma pequena ilha escolhida no meio do dormitório, e se Kevin tentasse muito, ele conseguia quase fingir que era uma espécie de festa de pijama. Bem, não, ele não conseguia, na verdade, mas era bom pelo menos tentar.
Eles apagaram as luzes, usando lanternas militares para os guiar de volta para a cama. Luna subiu para o beliche de cima que escolheu, enquanto Kevin ficou com um beliche em baixo.
“Medo de alturas?” Luna perguntou.
“Eu só não quero ter uma visão a meio do sono e cair no chão” disse Kevin. Não que ele tivesse tido visões desde aquela que o avisara sobre a invasão. Não que servisse de alguma coisa agora se ele tivesse. Ele interrogou-se de qual era o sentido das suas visões quando nada disso havia ajudado.
“Certo” disse Luna. “Eu acho... que sim, eu acho que deves ter cuidado.”
“Talvez de manhã as coisas pareçam melhores” sugeriu Kevin. Ele não acreditava realmente nisso.
“Nós teríamos de as ver antes de elas poderem parecer melhores” Luna salientou.
“Bem, talvez consigamos encontrar uma maneira de ver as coisas novamente” disse Kevin. Se eles o fizessem, no entanto, o que é que eles poderiam ver? Eles veriam agora hordas de alienígenas lá fora no mundo? Uma paisagem árida sem nada?
“Talvez nós descubramos o que vamos fazer a seguir” sugeriu Luna. “Talvez sonhemos com uma maneira de melhorar tudo isto.”
“Talvez” Kevin disse, embora suspeitasse que qualquer sonho que tivesse fosse ser dominado pela visão de todas aquelas pessoas silenciosas.
“Dorme bem” disse Kevin.
“Dorme bem.”
Na verdade, pareceu demorar uma eternidade para Kevin adormecer. Ele estava ali no escuro, a ouvir a respiração profunda de Luna quando ela começou a roncar de uma maneira que ela provavelmente nunca iria admitir quando acordada. Isto seria sido muito diferente se ela não estivesse ali. Mesmo que estivesse ali outra pessoa, Kevin ter-se-ia sentido sozinho, mas assim...
… Mas assim, ele ainda estava quase sozinho, mas pelo menos Luna estava ali para partilhar a solidão daquilo. Kevin não conseguia se afastar dos pensamentos do que havia acontecido com a sua mãe, com todos, mas pelo menos ele sabia que Luna estava segura.
Esses pensamentos seguiram-no no seu sono e nos seus sonhos.
Nos seus sonhos, Kevin estava cercado por todas as pessoas que ele conhecia. A sua mãe, os seus amigos da escola, os seus professores, as pessoas da NASA. Ted estava lá, com equipamento militar pendurado em cima de si, e o Professor Brewster também, com uma expressão carrancuda que sugeria que ele desaprovava tudo o que Kevin havia feito.
Kevin viu as feições deles a contorcerem-se, transformando-se em alienígenas de um filme de ficção científica. Alguns deles ficaram com pele cinzenta e olhos grandes, enquanto outros pareciam-se mais com insetos com placas de armadura a atravessarem-nos. O Professor Brewster tinha tentáculos a saírem das suas mãos, enquanto os olhos da Dra. Levin estavam sobre hastes. Eles arrastaram-se em direção a Kevin e ele começou a correr.
Ele correu pelos corredores do instituto da NASA, mal conseguindo se manter à frente deles enquanto eles apareciam por detrás de cada porta, e mesmo tendo vivido ali, Kevin não conseguia encontrar o caminho de saída para ficar em segurança. Ele não conseguia encontrar o caminho para melhorar isto.
Ele entrou de rompante num laboratório, fechando a porta atrás de si e barricando-a com cadeiras, mesas e qualquer outra coisa que ele conseguisse encontrar. Mesmo assim, do lado de fora da sala, as pessoas transformadas martelavam na porta com os punhos quando, sem nenhum motivo que Kevin entendesse, um alarme começou a soar...
Kevin acordou ofegante. Ainda estava escuro, mas ao olhar para as horas no seu telefone, ele percebeu que era só porque eles estavam debaixo da terra. Ao fundo, um alarme soava, e o seu zumbido abafado era constante, enquanto, por baixo desse som, havia uma batida abafada e metálica.
Ele percebeu que Luna estava acordada, porque ela acendeu as luzes.
“O que é?” Kevin perguntou.
Luna olhou para ele. “Eu acho que... eu acho que alguém quer entrar.”
CAPÍTULO DOIS
Eles correram para o centro de comando e agora que eles estavam mais perto da entrada, o som da batida estava mais alto. Mesmo assim, com a câmara-de-ar no meio do caminho, Kevin ficou impressionado que o som estivesse a chegar. Com o que é que eles estavam a bater na porta?
Luna não parecia impressionada; ela parecia preocupada.
“O que foi?” Kevin perguntou.
“E se forem alienígenas ou pessoas controladas?” ela perguntou. “E se eles estiverem por aí, a reunirem sobreviventes?”
“Porque é que eles fariam isso?” Kevin perguntou, mas o medo se apoderou dele ao pensar nisso. E se eles estivessem? E se eles entrassem?
“Era o que eu faria se eu fosse um alienígena” disse Luna. “Controlar tudo, ter a certeza que não havia mais ninguém para combater. Matar qualquer pessoa que se metesse no caminho.
Não pela primeira vez na sua vida, Kevin jurou nunca ficar no lado oposto ao de Luna. Mesmo assim, ele conseguia ouvir o medo por baixo das palavras dela. Ele também estava com medo. E se eles tivessem fugido para um lugar que parecia seguro, mas que já não era seguro?
“Conseguimos ver quem está lá fora?” Kevin perguntou.
Luna apontou para os ecrãs em branco. “Eles não estão a funcionar desde a noite passada.”
“Mas isso é apenas o sinal do mundo inteiro” insistiu Kevin. “Tem de haver... eu não sei, câmaras de segurança ou algo assim.”
Tinha de haver. Um centro de pesquisa militar não ficaria cego relativamente a tudo o que acontecia à sua volta. Ele começou a pressionar os botões nos sistemas do computador, tentando encontrar uma maneira de fazer com que eles fizessem o que eles queriam. A maioria dos ecrãs estava em branco, com os sinais do mundo inteiro desligados, bloqueados ou simplesmente... desaparecidos. Luna começou a carregar nos botões juntamente com ele, embora Kevin suspeitasse que ela sabia tão pouco o que fazer como ele.
“Quem quer que seja, não sei se o devíamos deixar entrar” disse Luna. “Pode ser qualquer um lá fora.”
“Pode ser” disse Kevin “mas e se for alguém que precisa da nossa ajuda?”
“Talvez” disse Luna, não parecendo convencida. “Quem quer que seja, está a bater na porta com muita força.”
Isso era verdade. Os ecos metálicos de cada golpe reverberavam pelo bunker. Chegavam em grupos de três e, lentamente, Kevin começou a perceber que havia um padrão nos espaços entre eles.
“Três curtos, três longos, três curtos” disse ele.
“Queres dizer SOS?” Luna perguntou.
Kevin olhou para ela.
“Eu pensava que todas as pessoas conheciam isso” disse ela. “Isso é tudo o que eu me lembro.”
“Então alguém lá fora está em apuros?” Kevin perguntou, e ao pensar nisso ficou preocupado de uma forma diferente. Eles deviam estar a ajudar em vez de estarem a hesitar? Ele viu uma foto de uma câmara no canto de um dos ecrãs. Ele pressionou na foto, e agora os ecrãs iluminaram-se com imagens de câmaras de segurança em torno da base deserta.
“Aquela” disse Luna, apontando para uma das imagens como se Kevin não soubesse como selecionar uma de entre as outras. “Deixa-me tentar.”
Ela pressionou um botão e a imagem preencheu o ecrã.
Kevin não sabia o que tinha estado à espera. Uma horda de pessoas controladas pelos alienígenas, talvez. Algum soldado que sabia sobre a base e que tinha lutado para atravessar o país para lá chegar. Não era uma miúda da idade deles, segurando o que pareciam ser os restos de uma placa de sinalização e batendo com ela contra a porta num ritmo constante.
Ela era atlética e tinha cabelos escuros, o cabelo curto e um piercing no nariz, como se a desafiar o mundo a dizer alguma coisa sobre isso. Kevin pôde ver que as suas feições eram bonitas, muito bonitas, ele pensou, mas algo desleixada o que sugeria que ela não apreciaria ser chamada assim. Ela estava a usar um top escuro com capuz e uma jaqueta de couro que parecia um par de tamanhos acima, jeans rasgados e botas de caminhada. Ela tinha uma pequena mochila, como se ela estivesse na montanha apenas para fazer as caminhadas, mas o resto dela parecia mais como se ela fosse uma fugitiva, com as suas roupas suficientemente sujas para ela poder ter andado lá por fora durante semanas antes dos alienígenas chegarem.
“Eu não gosto disso” disse Luna. “Porque é que há apenas uma miúda lá fora, a tentar entrar?”
“Eu não sei” disse Kevin “mas devíamos provavelmente deixá-la entrar.”
Isso fazia sentido, não fazia? Se ela estava a pedir ajuda, então eles deviam pelo menos tentar, não era? A miúda estava a olhar para o ecrã agora, e embora não parecesse haver qualquer som, ela não parecia satisfeita por a estarem a deixar lá fora.
Luna pressionou algo e agora eles conseguiam ouvi-la, com os microfones a captarem as suas palavras.
“… para me deixarem entrar! Ainda há essas coisas aqui fora! Tenho a certeza disso!”
Kevin deu por si a olhar para lá dela no ecrã, e, como era de esperar, ele achava que conseguia distinguir os sinais das pessoas ali, movendo-se com a estranha falta de propósito que sugeria que os alienígenas as controlavam.
“Devíamos deixá-la entrar” disse Kevin. “Não podemos simplesmente deixar alguém lá fora.”
“Ela não está a usar uma máscara” Luna salientou.
“E então?”
Luna abanou a cabeça. “Então, se ela não está a usar uma máscara, porque é que o vapor alienígena não a está a converter? Como é que sabemos que ela não é um deles?”
Como se em resposta a isso, a miúda no ecrã aproximou-se da câmara, olhando para cima diretamente para ela.
“Eu sei que há alguém aí dentro” disse ela. “Eu vi a câmara se mexer. Olhem, eu não sou um deles, sou normal. Olhem para mim!”
Kevin olhou-a nos olhos. Eles eram grandes e castanhos, mas o mais importante, as pupilas eram normais. Não mudando para branco puro como tinha acontecido com os cientistas quando o vapor da rocha os havia reivindicado, ou como os olhos da sua mãe estavam quando ele foi a casa...