Ela olha para Caleb, e vê que ele está avaliando a cena, igualmente assombrado. Ela estica o braço e fica feliz quando ele segura em sua mão. É agradável sentir seu toque novamente.
Ele se vira para ela e Caitlin pode ver o amor nos olhos dele.
"Bem," ele diz, limpando a garganta, "isso não é nada parecido com a Paris do século XVIII."
Ela sorri para ela. "Não, de forma alguma.”
"Mas estamos juntos, e é isso que importa," completa ele.
Ela sente o amor de Caleb, quando ele olha dentro dos olhos dela e, por um momento, ela se esquece de sua missão.
"Sinto muito por tudo que aconteceu na França," ele diz. "Com Sera. Eu nunca tive a intenção de magoar você, espero que saiba disso."
Ao olhar para ele, Caitlin sabe que ele está sendo sincero. E para sua surpresa, ela sente que pode perdoá-lo facilmente. A antiga Caitlin teria guardado rancor, mas ela se sente mais forte do que nunca, e realmente acha que pode esquecer tudo. Especialmente porque ele havia voltado para ela, e especialmente porque está claro que ele não tem mais qualquer sentimento por Sera.
E acima de tudo, ela agora, pela primeira vez, reconhece seus próprios erros do passado, sua tendência a julgar rápido demais, a não confiar nele, e não lhe dar o devido espaço.
“Eu também sinto muito,” ela diz. "Esta é uma nova vida, e estamos juntos agora. Nada mais importa.”
Ele aperta a mão dela, e quando faz isso, Caitlin é tomada pela emoção.
Ele se inclina e a beija. Ela fica surpresa, e excitada ao mesmo tempo. Ela sente a eletricidade atravessando seu corpo, e retribui o beijo.
Ruth começa a gemer aos pés deles.
Eles se afastam, olham para baixo e caem na risada.
"Ela está com fome," Caleb diz.
"Eu também.”
"Vamos conhecer Londres?" ele convida com um sorriso. "Podemos voar," ele completa, “isso é, se você estiver preparada.”
Ela alonga os ombros e sente a presença de suas asas, e tem certeza de que está de fato pronta. Caitlin já se sente recuperada da última viagem no tempo, e pensa que talvez esteja, afinal, se acostumando com o procedimento.
"Estou," ela diz, "mas prefiro ir andando. Gostaria de conhecer a cidade, pela primeira vez, como as outras pessoas o fazem.”
E também porque é bem mais romântico, ela pensa, mas não diz nada.
Mas ele olha para ela e sorri, e ela se pergunta se ele teria lido seus pensamentos.
Ele estende o braço, sorrindo, ela segura na mão dele e os dois começam a descer as escadas.
*
Ao saírem da igreja, Caitlin localiza um rio a distância, e uma rua larga a uns cinquenta metros dele, com uma placa esculpida grosseiramente com os dizeres “Estrada do Rei.” Eles teriam que escolher entre virar à direita ou à esquerda. A cidade parece mais desenvolvida à esquerda.
Eles viram para a esquerda, na direção norte, seguindo a Estrada do Rei paralela ao rio. Enquanto andam, Caitlin fica encantada com a paisagem e os sons, absorvendo tudo que vê pela frente. A direita deles há uma série de grandiosas casas de madeira ao estilo Tudor, com os exteriores em estuque branco e bordas marrons que terminam em telhados de palha. A esquerda, ela fica surpresa ao ver pequenas fazendas com eventuais casas simples e algumas vacas e ovelhas pontuando a paisagem. A cidade de Londres em 1599 a fascina. Um lado da rua é cosmopolita e abastado, enquanto o outro ainda é povoado por fazendeiros.
A rua em si já é motivo de espanto. Seus pés se prendem à lama enquanto eles andam, a terra está ainda mais fofa e macia devido ao trânsito de pedestres e cavalos. Isso seria aceitável, mas em meio à lama há excrementos das matilhas de cães selvagens que vagam pelas ruas, ou fezes humanas arremessadas pelas janelas. Na verdade, enquanto avançam, algumas janelas se abrem ocasionalmente, e baldes aparecem, com mulheres idosas despejando os excrementos das casas pelas janelas. O cheiro no ar é bem pior do que o que ela tinha sentido em Veneza, Florença ou Paris. Ela quase passal mal em diversas ocasiões, e gostaria de ter uma daquelas bolsinhas perfumadas para levar ao nariz. Por sorte, ela ainda está calçando os sapatos de treinamento que Aiden tinha lhe dados em Versalhes. Ela não quer nem pensar em como seria ter que andar naquelas ruas com saltos.
Mesmo assim, em meio à estranha mistura de áreas rurais com grandes propriedades, ocasionalmente eles encontram alguns feitos arquitetônicos. Caitlin se encanta ao perceber, espalhados pelo caminho, algumas construções que ela reconhece de fotos do século XXI, igrejas belíssimas e ocasionalmente alguns palacetes.
A estrada chega abruptamente ao fim em diante de um grande portão, com vários guardas uniformizados parados em frente dele, empunhando lanças. Mas o portão está aberto, e eles simplesmente passam por ele.
Uma placa presa na coluna de pedra diz “Palácio Whitehall,” e eles continuam caminhando por um pátio comprido e estreito, passando por outro portão e chegarem ao outro lado, de volta à estrada. Eles logo chegam a uma pequena rotatória onde há outra placa com os dizeres “Charing Cross,” e um grande monumento vertical no meio. A rua se divide para a direita e para a esquerda.
"Para que lado?" ela pergunta.
Caleb parece tão confuso quanto ela. Finalmente, ele diz, “Meus instintos dizem que devemos permanecer próximos ao rio, e seguirmos pela direita.”
Ela fecha os olhos e tenta se concentrar também. "Eu concordo," ela diz, e completa, "Você faz alguma ideia do que é que estamos procurando, exatamente?"
Ele balança a cabeça negativamente. "Seu palpite é tão bom quanto o meu.”
Ela olha para o anel e lê a charada mais uma vez.
Across the Bridge, Beyond the Bear,
With the Winds or the sun, we bypass London
A charada não a ajuda, e parece não surtir qualquer efeito sob Caleb também.
"Bem, ela menciona Londres," diz ela, "então acredito que estamos no caminho certo. Meu instinto me diz que devemos continuar avançando, entrar na cidade, e que saberemos quando encontrarmos.”
Ele concorda, e Caitlin pega em sua mão e os dois viram para a direita, caminhando paralelamente ao rio seguindo uma placa que diz “A Strand.”
Enquanto andam por esta rua, Caitlin percebe que a área está ficando cada vez mais populosa, – com casas construídas mais próximas umas das outras, em ambos os lados da rua. Ela tem a sensação de que estão cada vez mais próximos do centro da cidade, pois as ruas também estão mais movimentadas. O clima está perfeito – Caitlin sente que está no começo do outono, e o sol brilha incessantemente. Ela se pergunta por um instante em que mês estariam, e fica surpresa com a facilidade em que perde a noção do tempo.
Pelo menos não está muito quente. Mas à medida que as ruas se enchem de gente, ela começa a sentir claustrofóbica. Eles definitivamente estão se aproximando de alguma cidade metropolitana, mesmo sem a sofisticação dos tempos modernos. Ela fica espantada: sempre tinha imaginado que nos tempos antigos houvesse menos pessoas, que tudo fosse menos lotado. Mas na verdade, é bem o contrário: enquanto as ruas parecem ficar cada vez mais lotadas, ela não consegue acreditar que tantas pessoas vivam ali. A cena a faz lembrar quando ainda morava em Nova Iorque no século XXI. As pessoas se empurram e acotovelam sem ao menos se desculparem. E ainda por cima, fedem.
Além disso, há vendedores parados em todas as esquinas, tentando vender seus produtos agressivamente. Por onde anda, ela ouve pessoas gritando com sotaques britânicos engraçados.
E quando as vozes dos vendedores se calam, outras dominam o ambiente: os gritos dos pregadores. Por toda parte, Caitlin pode ver algumas plataformas, palcos e púlpitos improvisados, sobre os quais os pregadores declamam os seus sermões, gritando para serem ouvidos.
"Jesus diz ARREPENDAM-SE!" diz um pastor, parado com um chapéu engraçado e um olhar severo. "Eu digo que TODOS OS TEATROS devem ser fechados! Todo o tempo ocioso deve ser PROIBIDO! Voltem para os seus templos de oração!”
A cena faz Caitlin pensar nas pessoas que pregam nas esquinas de Nova Iorque. Algumas coisas não haviam mudado.
Eles chegam a outro portão, bem no meio da rua, com um sinal que diz “Temple Bar, Portão da Cidade”, e Caitlin acha graça que cidades tenham portões. O enorme portão está aberto, permitindo que as pessoas passem livremente, e Caitlin se pergunta se alguém o fecha durante a noite. Há guardas em pé em ambos os lados do portão.
Mas este portão é diferente: parece ser também um local de encontros. Um grande grupo se amontoa ao redor dele e, de cima de uma plataforma, o guarda segura um chicote. Caitlin olha para cima e fica admirada ao perceber um homem, acorrentado e praticamente nu, está amarrado ao pelourinho. O guarda ergue o braço e o chicoteia repetidas vezes, e o grupo inteiro reage à cena.
Caitlin analisa as expresses da multidão, e não consegue acreditar na indiferença deles, como se este acontecimento fosse corriqueiro, como se aquilo tudo representasse alguma forma de entretenimento popular. Ela sente a raiva se acumular dentro dela em resposta à barbárie daquela sociedade, e cutuca Caleb. Ele está absorto pelo que vê, e ela pega na mão dele e se apressa para atravessar o portão com ele, esforçando-se para não ver o que está acontecendo. Ela teme que se pensar muito a respeito, será incapaz de se segurar, e irá atacar os guardas.
“Este lugar é mesmo primitivo,” ela diz, ao ganharem distância da cena macabra e quando o barulho do chicote mal pode ser ouvido.
“Terrível,” ele concorda.
Ao continuarem a caminhada, Caitlin tenta tirar a imagem da cabeça, se esforçando para concentrar suas atenções em qualquer outra coisa. Ao olhar para uma placa na rua, ela vê que o nome da rua em que estão andando havia mudado para “Fleet Street.” Enquanto caminham, as ruas se tornam mais cheias de gente, mais apertadas, e os prédios e fileiras de casas parecem ser construídos ainda mais próximos uns dos outros. Esta rua também possui diversas lojas; uma das placas informa: “Barba por um centavo.” Diante de outra loja há a placa de um ferreiro, com uma ferradura pendurada na frente dela. Outra placa diz, em letras garrafais, “Selaria.”
"Está precisando de ferraduras novas, senhorita?" um vendedor local pergunta a Caitlin ao vê-la.
Ele a pega um pouco desprevenida. "Hmm… não, obrigada," ela diz.
"E que tal você, senhor?" insiste o homem. "Quer fazer a barba? Tenho as lâminas mais limpas de toda Fleet Street.”
Caleb sorri para o homem. "Muito obrigada, mas estou bem."
Caitlin olha para Caleb, e percebe que ele está sempre de barba feita, o tempo todo. Seu rosto é tão macio, que a faz pensar em uma porcelana.
Ao continuarem avançando pela Fleet Street, Caitlin não consegue deixar de notar como a aparência da multidão parece ter mudado. O ambiente ali é mais puído, com várias pessoas bebendo abertamente de frascos e garrafas de vidro, vagando pelas ruas, rindo em tom alto e importunando as mulheres.
"GIM AQUI! GIM AQUI!” grita um garoto, que deve ter uns dez anos, enquanto segura um engradado repleto de pequenas garrafas verdes com gim. “PEGUEM SUAS GARRAFAS! DOIS TOSTÕES! PEGUEM SUAS GARRAFAS!”
Caitlin é empurrada mais uma vez, à medida que a multidão se torna mais densa. Ela olha para o lado e vê um grupo de mulheres, maquiadas em excesso, vestindo roupas pesadas com quilos de tecido e com decotes que deixam a maior parte de seus seios à mostra. .
"Quer se divertir um pouco?" grita uma das mulheres, obviamente bêbada, quase sem conseguir ficar em pé. Ela se aproxima de um transeunte, que a empurra bruscamente.
Caitlin se surpreende com o quanto aquela parte da cidade é perigosa. Ela sente Caleb se aproximar instintivamente dela, colocando a mão ao redor de sua cintura, e sente que ele a protege. Eles apressam o passo e continuam a atravessar a multidão; Caitlin olha para baixo e vê que Ruth ainda os acompanha.
A rua termina em uma pequena ponte de pedestres e, ao atravessarem, Caitlin olha para baixo. Ela vê uma placa enorme que diz “Fosso de Fleet,” e se espanta; abaixo deles, em um pequeno canal de uns três metros de largura, completamente cheio de água suja. Em meio a água, lixos e dejetos de todos os tipos flutuam na superfície. Quando olha para cima, Caitlin vê que algumas pessoas urina no canal, enquanto outras despejam baldes de excrementos, ossos de frango, lixo doméstico e todos os tipos de detritos. O lugar é um imenso esgoto a céu aberto, e as águas carregam todo o lixo da cidade canal abaixo.
Ela tenta identificar para onde flui o rio e vê que, à distância, o canal termina em um rio. Ela vira o rosto devido ao odor; aquele é provavelmente o pior cheiro que ela já sentiu em toda sua vida. A água libera gases tóxicos que fazem o cheiro horrível das ruas da cidade se parecer com rosas em comparação.
Eles correm para atravessar a ponte.
Ao atravessarem até o outro lado da Fleet Street, Caitlin fica aliviada ao perceber que a rua se torna mais larga, e um pouco menos lotada. O odor também é mais sutil; depois da terrível experiência com o cheiro do Fosso de Fleet, os cheiros cotidianos das ruas não a incomodam mais. Ela se dá conta que é assim que as pessoas vivem satisfeitas naquelas condições: está tudo relacionado ao que se consegue acostumar, no contexto em que se vive.
Ao continuarem a caminhar, a vizinhança se torna mais agradável. Eles passam em frente a uma enorme igreja à esquerda, e podem ver preso à parede do edifício de pedra, em uma caligrafia cuidadosa, as palavras: “Igreja de São Paulo.” A igreja é enorme, com uma fachada rebuscada com torres altíssimas que se erguem acima de todos os demais prédios da região. Caitlin se encanta com a arquitetura da igreja, e que um prédio como aquele ainda se encaixe perfeitamente à arquitetura do século XXI. Ela parece estar fora do lugar, mais alta que todas as construções de madeira ao seu redor. Caitlin está começando a perceber como as igrejas comandam a paisagem urbana da época, e o quanto são importantes para as pessoas do local. As igrejas são literalmente onipresentes e seus sinos, altíssimos, estão sempre soando.
Caitlin para diante da igreja, contemplando a arquitetura antiga, e não consegue deixar de pensar que talvez haja alguma pista ali dentro.
"Será que devemos entrar?" Caleb pergunta, lendo os pensamentos dela.
Ela estuda a gravação em seu anel mais uma vez.
Atravessando a Ponte, Além do Urso.
"A mensagem fala sobre uma ponte," ela diz, pensando em voz alta.
“Acabamos de atravessar uma ponte," Caleb responde.
Caitlin balança a cabeça. Algo não está certo.
"Aquela era apenas uma ponte para pedestres. Meus instintos me dizem que não é este o lugar. Onde quer que tenhamos que ir, eu sinto que não é aqui.”
Caleb fica parado e fecha os olhos, concentrando-se. Quando finalmente abre os olhos, ele diz, "Também acho que não, vamos continuar.”
"Vamos chegar mais perto do rio," Caitlin diz. “Se temos que encontrar uma ponte, presumo que ela seja no ri. E também não me incomodaria em respirar um pouco de ar fresco.”
Ela encontra uma rua lateral que leva até a beira do rio, com uma placa improvisa que informa "Colina de Santo André.” Ela segura na mão de Caleb e se dirige até lá.
Eles descem a colina ligeiramente inclinada, e ela consegue ver um rio ao longe, movimentado com o trânsito de barcos.
Este deve ser o famoso Rio Tamisa de Londres, ela pensa. Só pode ser ele; é uma das poucas coisas de que se lembra de suas aulas básicas de geografia.