Seus conselheiros ficaram atentos quando MacGil entrou, batendo a porta atrás de si.
“Sentem-se.” Ele disse, de maneira mais abrupta do que o habitual. Ele estava cansado, especialmente nesse dia, das formalidades sem fim de governar o Reino e hoje queria acabar com elas rápido.
Ele caminhou através da sala do trono, que nunca deixava de impressioná-lo. Seus tetos se elevavam a cinquenta metros de altura, uma parede inteira de vitrais, pisos e paredes feitos de pedras de trinta centímetros de espessura. A sala poderia facilmente alojar uma centena de dignitários. Mas em dias como hoje, quando seu Conselho o convocava, era só ele e um punhado de conselheiros no cenário cavernoso. A sala era dominada por uma vasta mesa em forma de semicírculo, atrás da qual seus conselheiros se encontravam sentados.
Ele desfilou pelo meio da ala, em direção ao seu trono. Subiu os degraus de pedra, passou pelos leões dourados esculpidos e afundou-se na almofada de veludo vermelho que revestia o trono, feito inteiramente de ouro. Seu pai havia se sentado naquele trono, como também tinha feito o pai dele e todos os MacGils antes dele. Quando se sentou, MacGil sentiu o peso de seus ancestrais, de todas as gerações, sobre ele.
Ele supervisou os assessores presentes. Ali estava Brom, seu general e seu assessor em assuntos militares; Kolk, o general da Legião dos rapazes; Aberthol, o mais velho do grupo, um estudioso e historiador, mentor dos reis por três gerações; Firth, seu assessor dos assuntos internos da corte, um homem magro com cabelo curto cinza e olhos fundos que nunca ficavam quietos. Firth não era um homem em quem MacGil tivesse confiança e ele nunca entendeu seu título. Mas o pai dele e o rei seu avô, mantiveram um assessor para assuntos da corte e então ele o manteve no cargo por respeito a eles. Havia Owen, seu tesoureiro; Bradaigh, seu assessor de assuntos externos; Earnan, o cobrador de impostos; Duwayne, seu assessor para as massas; e Kelvin, o representante dos nobres.
É claro que o rei tinha autoridade absoluta. Mas o seu reino era liberal e seus pais sempre tinham tido orgulho em permitir que os nobres tivessem voz em todos os assuntos, por intermédio do seu representante. Tinha sido historicamente um equilíbrio de poder desconfortável entre a realeza e os nobres. Agora havia harmonia, mas durante outras épocas houve revoltas e lutas de poder entre os nobres e a realeza. Era um bom equilíbrio. Quando MacGil inspecionou a sala notou que faltava alguém: o próprio homem com quem ele mais desejava falar, Argon. Como de costume, quando e onde ele apareceria não se podia dizer com precisão. Ele enfurecia MacGil infinitamente, mas ele não tinha escolha a não ser aceitá-lo. A maneira dos Druidas era inescrutável para ele. Sem ele presente, MacGil sentia ainda mais pressa. Ele queria passar por isso rápido, chegar aos milhares de outras coisas que o esperavam antes do casamento.
O grupo de conselheiros sentou-se de frente para ele em volta da mesa semicircular, distribuídos a cada dez metros, cada qual, sentado em uma cadeira de carvalho antigo com braços de madeira finamente esculpidos.
“Vossa Majestade, me permite começar?” Owen indagou.
“Tem minha permissão. E seja breve. Meu tempo é curto hoje.”
“Vossa filha vai receber um grande número de presentes hoje, com os quais esperamos encher vossos cofres. Milhares de pessoas pagam tributo, apresentando pessoalmente presentes para Vossa Majestade, além de encher nossos bordéis e tabernas, isso encherá os cofres do reino também. E ainda assim, a preparação para as festividades de hoje vão esgotar uma boa parte do tesouro real. Eu recomendo um aumento sobre o imposto dos plebeus e sobre o dos nobres. Um imposto único, para aliviar as pressões desse grande evento.”
MacGil viu a preocupação no rosto do seu tesoureiro e seu estômago encolheu-se diante da ideia de redução do tesouro. Contudo, ele não aumentaria os impostos novamente.
“É melhor ter súditos leais, mesmo com um tesouro pobre.” MacGil replicou. “Nossas riquezas provêm da felicidade dos nossos súditos. Nós não devemos impor mais cargas.”
“Mas meu senhor, se não o fizermos…”
“Já está decidido. Algo mais?”
Owen afundou na cadeira, cabisbaixo.
“Meu rei.” Brom disse em sua voz grave. “Sob seu comando, posicionamos o grosso das nossas forças na corte para o evento de hoje. A demonstração de poder será impressionante. Porém, estamos escassos de homens. Se houver um ataque em outros lugares do Reino, estaremos vulneráveis.”
MacGil assentiu com a cabeça, pensando a respeito.
“Nossos inimigos não nos atacarão enquanto os alimentarmos.”
Os homens riram.
“E quais são as notícias das Highlands?”
“Não houve nenhuma atividade relatada durante semanas. Parece que suas tropas se esgotaram com os preparativos para o casamento. Talvez eles estejam prontos para fazer as pazes.”
MacGil não estava tão seguro.
“Isso significa: ou que o casamento arranjado deu resultado ou que eles esperam para atacar-nos em outra oportunidade. E qual você acha que é, meu caro ancião?” MacGil perguntou, dirigindo-se a Aberthol.
Aberthol limpou a garganta, sua voz rouca saiu: “Meu senhor, seu pai e o pai dele nunca confiaram nos McClouds. Só porque eles jazem adormecidos, não significa que não acordarão.”
MacGil assentiu com a cabeça, apreciando o sentimento.
“E que tal a Legião?” Ele perguntou, virando-se para Kolk.
“Hoje demos as boas vindas aos novos recrutas.” Kolk respondeu, com um aceno rápido.
“Meu filho entre eles?” MacGil perguntou.
“Ele se ergue orgulhosamente entre todos eles, como o bom rapaz que é.”
MacGil assentiu com a cabeça e então se virou para Bradaigh.
“E o quais são as novidades de mais além do Desfiladeiro?”
“Meu senhor, as nossas patrulhas têm visto mais tentativas para cruzar o Desfiladeiro nas últimas semanas. Pode haver indícios de que os selvagens estão se mobilizando para um ataque.”
Um sussurro se espalhou entre os homens. MacGil sentiu seu estômago se contrair com esse pensamento. O escudo de energia era invencível; ainda assim, MacGil não augurava nada de bom.
“E que tal se houvesse um ataque em grande escala?” Ele perguntou.
“Enquanto o escudo estiver ativo, não teremos nada a temer. Os selvagens têm tentado transpor o desfiladeiro por séculos, sem êxito. Não há nenhuma razão para pensar o contrário.”
MacGil não estava tão seguro. Um ataque de fora era esperado há tempos e ele não podia deixar de pensar quando isso poderia ocorrer.
“Meu senhor.” Firth disse com sua voz fanhosa. “Sinto-me obrigado a acrescentar que hoje, nossa corte está lotada com muitos dignitários do Reino McCloud. Seria considerado um insulto não entretê-los, sejam eles rivais ou não. Eu aconselho que use seu horário da tarde para cumprimentar cada um. Eles trouxeram um grande séquito, muitos presentes – e dizem por aí: muitos espiões.”
“Quem foi que disse que os espiões já não estão aqui?” MacGil replicou, olhando atentamente para Firth como ele fazia – e imaginando, como sempre, se o próprio Firth não seria também um espião.
Firth abriu a boca para responder, mas MacGil suspirou e levantou a mão, já tinha tido o suficiente. “Se isso é tudo, me retiro agora para participar do casamento da minha filha.”
“Meu senhor.” Kelvin disse, limpando sua garganta. “Claro, há ainda mais uma coisa. A tradição manda que no dia do casamento primogênito, cada MacGil nomeie um sucessor. As pessoas esperam que Vossa Majestade faça o mesmo. O povo tem estado especulando. Não seria aconselhável decepcioná-lo. Especialmente com a Espada do Destino ainda imóvel.”
“Você me faria nomear um herdeiro, enquanto eu ainda estou no meu auge?” MacGil retrucou.
“Meu senhor, não houve intenção de ofender.”Kelvin tropeçou com as palavras, demonstrando preocupação.
MacGil ergueu uma mão. “Sei que é a tradição. E de fato, designarei um herdeiro hoje.”
“Pode informar-nos sobre quem será?” Firth indagou.
MacGil olhou duramente para ele, irritado. Firth era um mexeriqueiro, ele não confiava nesse homem.
“Você será informado ao seu devido tempo.”
MacGil levantou-se e os demais fizeram o mesmo. Eles fizeram uma reverência, viraram-se e se apressaram em sair da sala.
MacGil permaneceu ali pensando, por quanto tempo, ele não sabia. Em dias como esse, ele desejava não ser rei.
*
MacGil desceu do seu trono, suas botas ecoando no silêncio, cruzou a sala. Ele mesmo abriu a porta de carvalho antiga, puxou o trinco de ferro e entrou em uma câmara lateral.
Ele desfrutou da paz e solidão dessa sala aconchegante, como sempre fazia. A distância entre suas paredes dificilmente chegava a vinte passos em cada direção, apesar de ter um impressionante teto arqueado. O quarto era feito inteiramente de pedra, com um pequeno vitral redondo em uma parede. A luz derramava-se através de amarelos e vermelhos, iluminando um único objeto na sala, que se não fosse por ele, estaria vazia. A Espada do Destino.
Ela ficava ali, no centro da câmara, jazia em posição horizontal sobre suportes de ferro em forma de forquilha, bela como uma mulher sedutora. Como tinha feito desde que era garoto MacGil caminhou em volta dela, examinando-a. A Espada do Destino. A espada da lenda, a fonte da força e o poder de todo o seu reino, de geração em geração. Aquele que tivesse a força para levantá-lo seria o escolhido. Aquele destinado a governar o Reino por toda a vida, aquele destinado a livrar o reino de todas as suas ameaças, dentro e fora do Anel. Tinha sido uma bela lenda com a qual crescer, nem bem ele tinha sido ungido como rei, MacGil havia tentado levantá-la, tal como era permitido unicamente aos reis MacGil. Os reis anteriores a ele, todos eles haviam falhado. Ele tinha certeza que com ele seria diferente. Ele tinha certeza que seria o único escolhido.
Mas ele estava errado. Como também estiveram todos os reis MacGil antes dele. E seu fracasso tinha maculado sua realeza, desde então.
Ao olhar para ela agora, ele examinou sua longa lâmina, feita de um metal misterioso que ninguém nunca tinha decifrado. A origem da espada era ainda mais obscura, os rumores diziam que ela emergiu da terra no meio de um terremoto.
Ao examiná-la, ele mais uma ele vez sentiu a ferroada do fracasso. Ele poderia ser um bom rei, mas ele não era o escolhido. Seu povo sabia disso. Seus inimigos sabiam disso. Ele podia ser um bom rei, mas sem importar o que ele fizesse, ele nunca seria o escolhido.
Se fosse assim, ele suspeitava de que haveria menos perturbações entre sua corte, menos confabulações. Seu próprio povo confiaria mais nele, seus inimigos não considerariam atacá-lo. Uma parte dele desejava que a espada simplesmente desaparecesse, e com ela – a lenda. Mas ele sabia que não seria assim. Essa era a maldição e o poder de uma lenda. Mais forte até mesmo do que um exército.
Quando MacGil olhou para ela pela milésima vez, não pode evitar mais uma vez pensar em quem poderia ser. Quem da sua linhagem estaria destinado a empunhá-la? Quando ele pensou sobre o que tinha diante de si, sua tarefa de nomear um herdeiro, ele se indagava quem, se é que alguém estaria destinado a levantá-la.
“O peso da espada é grande.” Ouviu-se uma voz dizer.
MacGil girou em seus calcanhares, surpreso de ter companhia naquela pequena sala.
Ali, de pé à entrada da sala, estava Argon. MacGil reconheceu a voz antes mesmo de vê-lo. Estava contente de vê-lo agora, mas ao mesmo tempo, irritado por sua ausência durante a audiência com os conselheiros.
“Você está atrasado.” MacGil disse.
“Sua noção do tempo não se aplica a mim.” Argon retrucou.
MacGil voltou sua atenção para a espada.
“Você pensou alguma vez que eu teria sido capaz de levantá-la? Ele perguntou pensativamente. No dia em que eu me tornei rei?”
“Não.” Argon respondeu secamente.
MacGil virou-se e o encarou.
“Você sabia que eu não seria capaz. Você percebeu isso, não foi?”
“Sim.”
MacGil ponderou a resposta.
“Eu me assusto quando você responde assim em forma tão direta. Você não é assim.”
Argon permaneceu em silêncio, finalmente MacGil percebeu que ele não diria mais nada.
“Eu nomeio meu sucessor hoje.” MacGil disse. “Parece fútil nomear um herdeiro neste dia. Isso tira a alegria de um rei no casamento da sua filha.”
“Talvez tal alegria deva ser moderada.”
“Mas eu tenho tantos anos para reinar.” MacGil declarou.
“Talvez não tantos quanto você pensa.” Argon respondeu.
MacGil estreitou os olhos, pensando. Qual era a mensagem?
Porém Argon não acrescentou nada mais.
“Seis filhos. A qual devo escolher?” MacGil indagou.
“Por que me pergunta? Você já fez sua escolha.”
MacGil olhou para ele. “Você vê muito. Sim, já fiz. Mas eu ainda desejo saber o que você pensa.”
“Eu creio que você fez uma escolha sábia.” Argon disse. “Porém lembre-se: um rei não pode governar desde o túmulo. Independentemente de quem você achar que escolheu, o destino tem a sua própria maneira de escolher.”
“Eu viverei muito Argon?” MacGil perguntou seriamente, fazendo a pergunta cuja resposta ele desejava saber, desde que ele tinha despertado de um horrível pesadelo na noite anterior.
“Ontem à noite eu sonhei com um corvo.” Ele acrescentou. “Ele veio e roubou a minha coroa. Então veio outro e me levou. Quando ele fez isso, eu vi o meu reino espalhar-se debaixo de mim. Se tornou negro quando eu fui levado. Desolado. Um ermo.”
Ele olhou para Argon, seus olhos estavam cheios d’água.
“Seria um sonho? Ou algo mais?”
“Os sonhos são sempre algo a mais, não são?” Perguntou Argon.
MacGil foi atingido por um sentimento de desânimo.
“Onde está o perigo? Apenas diga-me que tão perto está.
Argon se aproximou e olhou-o nos olhos com muita intensidade, MacGil sentia como se estivesse olhando para outro reino.
Argon se inclinou para frente, sussurrou:
“Sempre mais perto do que você pensa.”
CAPÍTULO QUATRO
Thor se ocultou no meio da palha na traseira de uma carroça, quando ela passou perto dele ao longo da estrada do país. Ele fez o caminho para a estrada na noite anterior e esperou pacientemente até que aparecesse uma carroça grande o suficiente para que ele a abordasse sem ser notado. Estava escuro naquele momento e a carroça marchava lentamente, apenas o suficiente para que ele pudesse correr a um ritmo que lhe permitisse saltar dentro dela pela parte de trás. Ele pousou no feno e meteu-se dentro dele cobrindo-se totalmente. Felizmente, o cocheiro não o tinha visto. Thor não sabia com certeza se a carroça estava indo para a corte do rei, mas estava indo naquela direção e uma carroça desse tamanho com essas marcas, poderia ir a poucos lugares. Enquanto Thor andava durante toda a noite, ele tinha permanecido acordado durante horas, pensava em seu encontro com o Sybold e com Argon; em seu destino; na casa que havia deixado e em sua mãe. Ele sentiu que o universo havia lhe respondido, tinha lhe dito que ele tinha outro destino. Ele jazia ali deitado, mãos atrás da cabeça e fitava o céu noturno, visível através da lona esfarrapada. Ele observava o universo, tão brilhante, suas estrelas vermelhas tão distantes. Ele estava eufórico. Pela primeira vez na sua vida, ele estava em uma viagem. Ele não sabia para onde, mas ele estava viajando. De um jeito ou de outro, ele chegaria à corte do rei.
Quando Thor abriu os olhos já era manhã, a luz natural inundava o dia e ele percebeu que tinha caído no sono. Ele sentou-se rapidamente, olhando ao redor, repreendendo-se por dormir. Ele deveria ter sido mais vigilante, teve muita sorte de não ter sido descoberto.