“Onde você vai sentar?” ela perguntou.
Ela tentou controlar a voz, mas não soou muito convincente. Ela esperou que ele não ouvisse o quão nervosa ela estava.
Ele deu um sorriso largo, revelando dentes perfeitos.
“Aqui mesmo,” ele disse, e foi em direção do grande peitoril da janela, a apenas alguns centímetros de distância.
Ela olhou para ele, e ele retornou o seu olhar, seus olhos se encontrando totalmente. Ela disse a si mesma para deixar de olhar, mas não conseguiu.
“Obrigado,” ela disse, e ficou instantaneamente furiosa consigo mesma.
Obrigado? É só isso que você conseguiu dizer? Obrigado!?
“É isso aí, Barack!” uma voz berrou. “Dê a sua cadeira para a boa moça branca!”
Os risos seguiram, e o barulho na sala de repente começou de novo, enquanto todos os ignoravam novamente.
Caitlin o viu baixar a cabeça, constrangido.
“Barack?” ela perguntou. “Esse é mesmo o seu nome?”
“Não,” ele respondeu, ficando vermelho. “É apenas do que eles me chamam. Como Obama. Eles acham que eu pareço com ele.”
Ela olhou atentamente e percebeu que ele realmente se parecia com Obama.
“É porque eu tenho descendência negra, branca e porto-riquenha.”
“Bem, eu acho que isso é um elogio,” ela disse.
“Não do jeito que eles dizem,” ele respondeu.
Ela o observou enquanto ele se sentava no peitoril da janela, sua confiança diminuída, e ela pôde perceber que ele era sensível. Vulnerável, até. Ele não pertencia à este grupo de garotos. Era estranho, mas ela quase sentiu como se precisasse protegê-lo.
“Eu sou Caitlin,” ela disse, esticando a mão e olhando nos olhos dele.
Ele olhou para cima, surpreso, e seu sorriso voltou.
“Jonah,” ele respondeu.
Ele apertou a mão dela firmemente. Uma sensação de dormência subiu pelo seu braço quando ela sentiu a pele macia dele envolver a sua mão. Ela sentiu como se os dois se fundissem. Ela continuou segurando a mão dele um segundo a mais, e não conseguiu deixar de sorrir de volta.
*
O restante da manhã foi confuso, e Caitlin estava com fome quando chegou até a cantina. Ela abriu as portas duplas e ficou impressionada com o enorme salão, o incrível barulho que parecia vir de mil garotos, todos gritando. Era como entrar em um ginásio. Com exceção de que, a cada sete metros, outro guarda de segurança estava parado, nos corredores, vigiando cuidadosamente.
Como já era de se esperar, ela não tinha ideia de onde ir. Ela examinou o enorme salão e finalmente encontrou uma pilha de bandejas. Ela pegou uma e entrou no que ela pensou ser a fila para a comida.
“Não entra na minha frente, vadia!”
Caitlin se virou e viu uma garota grande e acima do peso, quinze centímetros mais alta do que ela, olhando para baixo com um olhar ameaçador.
“Desculpe, eu não sabia—”
“A fila é lá atrás!” outra garota retrucou, apontando com o dedão.
Caitlin olhou e viu que pelo menos cem garotos estavam na fila. Parecia uma espera de vinte minutos.
Quando ela começou a ir na direção do fim da fila, um garoto na fila empurrou outro, e ele voou na frente dela, caindo duramente no chão.
O primeiro garoto pulou em cima do outro e começou a socá-lo no rosto.
A cantina explodiu em um rugido de excitação, enquanto dúzias de garotos se reuniam em torno deles.
“BRIGA! BRIGA!”
Caitlin deu vários passos para trás, assistindo horrorizada à cena de violência à seus pés.
Quatro guardas finalmente chegaram e pararam a briga, separando os dois garotos ensanguentados, carregando-os para longe. Eles não pareciam estar com nenhuma pressa.
Depois que Caitlin finalmente pegou sua comida, ela examinou a sala, esperando por um sinal de Jonah. Mas ele não estava em lugar nenhum.
Ela caminhou pelas fileiras, passando mesa após mesa, todas cheias de garotos. Haviam poucos lugares vazios, e os que estavam vazios não pareciam muito convidativos, ao lado de grandes grupos de amigos.
Finalmente, ela escolheu um lugar em uma mesa vazia perto do fundo. Havia apenas um garoto na ponta da mesa, um garoto chinês baixinho e frágil com aparelho nos dentes, mal vestido, que mantinha sua cabeça abaixada e se concentrava em sua comida.
Ela se sentiu só. Ela olhou para baixo e checou seu telefone. Haviam algumas mensagens no Facebook dos seus amigos da última cidade. Eles queriam saber o que ela estava achando da nova casa. Por alguma razão, ela não estava a fim de responder. Eles pareciam estar tão longe.
Caitlin comeu pouquíssimo, uma sensação vaga de náusea do primeiro dia ainda com ela. Ela tentou pensar em outra coisa. Ela fechou os olhos. Ela pensou em seu novo apartamento, no quinto andar de um prédio imundo sem elevador na rua 132. A sua náusea piorou. Ela respirou fundo, se esforçando para focar em algo, qualquer coisa boa em sua vida.
Seu irmão mais novo. Sam. 14 anos, parecendo ter 20. Sam nunca lembrava que era o mais novo: ele sempre agia como o seu irmão mais velho. Ele havia se tornado forte e duro com todas as mudanças de cidade, com a partida de seu pai, com a forma como a mãe tratava a ambos. Ela pôde perceber que tudo aquilo estava afetando-o e que ele estava começando a se fechar. As brigas frequentes dele na escola não a surpreendiam. Ela temia que aquilo apenas ficasse pior.
Mas quando se tratava de Caitlin, Sam a amava absolutamente. E ela a ele. Ele era a única coisa constante na sua vida, o único com quem ela podia contar. Ele parecia manter o seu último ponto fraco no mundo para ela. Ela estava determinada a fazer o possível para protegê-lo.
“Caitlin?”
Ela pulou.
Parado ao lado dela, bandeja em uma mão e estojo de violino na outra, estava Jonah.
“Se importa se eu me juntar a você?”
“Sim—quer dizer, não,” ela disse, nervosa.
Idiota, ela pensou. Pare de ficar tão nervosa.
Jonah deu aquele sorriso e sentou na frente dela. Ele sentou ereto, com postura perfeita, e colocou o seu estojo de violino cuidadosamente ao seu lado. Ele colocou sua comida gentilmente na mesa. Havia algo nele, alguma coisa que ela não conseguia identificar. Ele era diferente de todas as pessoas que ela havia conhecido. Era como se ele pertencesse a uma outra era. Ele realmente não pertencia a este lugar.
“Como foi o seu primeiro dia?” ele perguntou.
“Não foi o que eu esperava.”
“Eu sei como é,” ele disse.
“Isso é um violino?”
Ela apontou com a cabeça para o instrumento dele. Ele o mantinha próximo, e mantinha uma mão sobre ele, como se tivesse medo que alguém o roubasse.
“É uma viola, na verdade. É só um pouco maior, mas o som é muito diferente. Mais suave.”
Ela nunca havia visto uma viola, e esperava que ele a colocasse na mesa e a mostrasse para ela. Mas ele não fez nenhuma menção de fazê-lo e ela não queria se intrometer. Ele ainda estava com a mão sobre o instrumento, e parecia querer protegê-lo, como algo pessoal e privado.
“Você pratica bastante?”
Jonah encolheu os ombros. “Algumas horas por dia,” ele disse casualmente.
“Algumas horas!? Você deve ser ótimo!”
Ele encolheu os ombros novamente. “Eu sou bom, eu acho. Existem muitos outros músicos melhores do que eu. Mas eu espero que esta seja a minha passagem para fora deste lugar.”
“Eu sempre quis tocar piano,” Caitlin disse.
“Por que não toca?”
Ela ia dizer, eu nunca tive um, mas não o fez. Ao invés disso, ela deu de ombros e voltou a olhar para a comida.
“Você não precisa ter um piano,” Jonah disse.
Ela olhou para cima, surpresa ao perceber que ele havia lido a sua mente.
“Existe uma sala de ensaio nessa escola. Com tudo de ruim aqui, pelo menos há alguma coisa boa. Eles dão aulas gratuitas. Tudo o que você precisa fazer é se inscrever.”
Os olhos de Caitlin se abriram.
“Mesmo?”
“Tem uma folha de inscrição do lado de fora da sala de música. Peça pela Sra. Lennox. Diga a ela que você é minha amiga.”
Amiga. Caitlin gostou do som daquela palavra. Lentamente, ela sentiu uma felicidade crescendo dentro dela.
Ela deu um sorriso largo. Os olhos dos dois se encontraram por um momento.
Olhando para aqueles olhos verdes e brilhantes, ela desejou profundamente lhe fazer um milhão de perguntas: Você tem namorada? Por que está sendo tão legal? Você gosta mesmo de mim?
Mas, ao invés disso, ela mordeu a língua e não disse nada.
Temendo que o tempo deles juntos fosse acabar em breve, ela procurou por algo para perguntar que prolongasse a sua conversa. Ela tentou pensar em algo que garantisse que ela o veria novamente. Mas ela ficou nervosa e imóvel.
Ela finalmente abriu a boca, e no momento em que o fez, o sino tocou.
O local explodiu em barulho e movimento, e Jonah levantou, segurando a sua viola.
“Estou atrasado,” ele disse, pegando sua bandeja.
Ele olhou para a bandeja dela. “Posso levar a sua?”
Ela olhou para baixo, percebendo que havia esquecido dela, e sacudiu a cabeça.
“OK,” ele disse.
Ele ficou parado ali, tímido de repente, sem saber o que dizer.
“Bem…até mais.”
“Até mais,” ela respondeu desajeitadamente, sua voz apenas um sussurro.
*
Com o fim do seu primeiro dia de aula, Caitlin saiu do prédio e encontrou uma tarde ensolarada de março. Apesar de uma brisa forte estar soprando, ela não sentia mais frio. Apesar de todos os garotos em torno dela estarem gritando enquanto saíam, ela não estava mais incomodada com o barulho. Ela se sentiu viva, e livre. O resto do dia havia passado como uma névoa; ela não conseguia se lembrar do nome de um único professor.
Ela não conseguia parar de pensar em Jonah.
Ela se perguntou se havia agido como uma idiota na cantina. Ela tinha atropelado as palavras, quase não tinha feito nenhuma pergunta a ele. Tudo o que ela conseguiu perguntar foi sobre aquela viola estúpida. Ela devia ter perguntado onde ele morava, de onde ele era, para qual faculdade ele queria ir.
Mas principalmente, se ele tinha uma namorada. Alguém como ele tinha que estar namorando alguém.
Naquele exato momento, uma garota bonita e hispânica passou por Caitlin. Caitlin a olhou da cabeça aos pés quando ela passou, e se perguntou por um segundo se era ela.
Caitlin virou na rua 134, e por um segundo, esqueceu para onde estava indo. Ela nunca havia ido à pé da escola para casa e, por um momento, ela não conseguia lembrar de onde ficava o seu novo apartamento. Ela ficou parada lá, na esquina, desorientada. Uma nuvem cobriu o sol e um vento forte soprou, e de repente, ela sentiu frio novamente.
“Ei, amiga!”
Caitlin virou-se e percebeu que estava na frente de um bar imundo de esquina. Quatro homens estranhos estavam sentados em cadeiras de plástico na frente do bar, parecendo não sentir o frio, sorrindo para ela como se ela fosse a sua próxima refeição.
“Venha aqui, amor!” gritou outro.
Ela se lembrou.
Rua 132. É isso.
Ela se virou rapidamente e caminhou em um passo acelerado por outra rua lateral. Ela olhou por cima do ombro algumas vezes para ver se aqueles homens a estavam seguindo. Felizmente, eles não estavam.
O vento frio queimava o seu rosto e a acordou, enquanto ela começava a entender a dura realidade da sua nova vizinhança. Ela olhou para os carros abandonados, as paredes pichadas, o arame farpado, as barras em todas as janelas, e de repente, se sentiu muito sozinha. E com medo.
Faltavam apenas 3 quadras para chegar ao seu apartamento, mas ela sentiu como se fosse uma eternidade. Ela desejou ter um amigo ao seu lado—até melhor, Jonah—e perguntou a si mesma se ela conseguiria fazer esta caminhada sozinha todos os dias. Mais uma vez, ela sentiu raiva da mãe. Como ela podia continuar fazendo-a se mudar, colocando-a em novos lugares que ela odiava? Quando aquilo acabaria?
Vidro quebrado.
O coração de Caitlin bateu mais rápido quando ela percebeu uma certa atividade na esquerda, do outro lado da rua. Ela caminhou rápido e tentou manter a cabeça baixa, mas quando chegou mais perto, ela ouviu gritos e risadas grotescas, e não pôde deixar de notar o que estava acontecendo.
Quatro garotos enormes— de 18 ou 19 anos, talvez—estavam em pé, na frente de outro garoto. Dois deles seguravam os seus braços, enquanto um terceiro avançava e o socava no estômago, e um quarto socava o seu rosto. O garoto, talvez 17 anos, alto, magro e indefeso, caiu no chão. Dois dos garotos avançaram e o chutaram no rosto.
Contra a sua própria vontade, Caitlin parou e observou. Ela estava horrorizada. Ela nunca havia visto nada como aquilo.
Os outros dois garotos deram alguns passos em torno da sua vítima, então levantaram suas botas bem alto e as abaixaram.
Caitlin estava com medo de que eles fossem pisotear o menino até a morte.
“NÃO!” ela gritou.
Houve um som terrível de quebra quando eles abaixaram os pés.
Mas não era o som de ossos quebrados—em vez disso, era o som de madeira. Madeira sendo quebrada. Caitlin viu que eles estavam pisoteando um pequeno instrumento musical. Ela olhou mais atentamente, e viu pequenos pedaços de uma viola por toda a calçada.
Ela levou a mão até a boca, horrorizada.
“Jonah!?”
Sem pensar, Caitlin atravessou a rua até o grupo de garotos, que agora já haviam notado a sua presença. Eles olharam para ela e seus sorrisos malignos se alargaram enquanto eles cutucavam uns aos outros.
Ela caminhou diretamente até a vítima e viu que realmente era Jonah. O seu rosto estava sangrando e machucado, e ele estava inconsciente.
Ela olhou para o grupo de garotos, sua raiva superando o seu medo, e ficou entre Jonah e eles.
“Deixem ele em paz!” ela gritou para o grupo.
O garoto no meio, com pelo menos 1,95 m de altura e musculoso, riu.
“Ou o quê?” ele perguntou com uma voz muito grossa.
Caitlin sentiu o mundo passar por ela, e percebeu que acabara de ser empurrada pelas costas. Ela levantou os cotovelos enquanto caía no concreto, mas isso mal amorteceu a sua queda. Pelo canto do seu olho, ela pôde ver seu diário voar, os papéis soltos se espalhando por todo o lugar.
Ela ouviu risos. E então, pegadas vindo na direção dela.
Com o coração batendo forte no peito, a adrenalina dela entrou em ação. Ela conseguiu rolar e se levantar desajeitadamente antes que eles a alcançassem. Ela fugiu por um beco próximo, correndo à toda velocidade.
Eles a seguiam de perto.
Em uma de suas muitas escolas, quando Caitlin acreditava que teria um longo futuro em algum lugar, ela teve aulas de atletismo e corrida, e percebeu que era boa nisso. A melhor do time, na verdade. Não em longas distâncias, mas em corridas de 100 metros. Ela conseguia vencer até mesmo a maioria dos rapazes. E agora, tudo aquilo havia voltado para ela.
Ela correu o mais rápido que pôde, e os garotos não conseguiram alcançá-la.
Caitlin olhou para trás e viu que eles estavam se afastando, e se sentiu otimista sobre conseguir fugir de todos. Ela apenas precisava fazer as curvas certas.
O beco terminava em um T, e ela podia virar para a esquerda ou para a direita. Ela não teria tempo de mudar de ideia se quisesse manter a sua vantagem, e teria que decidir rápido. No entanto, ela não conseguia ver o que a esperava depois da curva. Cegamente, ela virou para a esquerda.
Ela rezou para que fosse a escolha certa. Vamos lá. Por favor!
Seu coração parou quando ela fez a curva acentuada para a esquerda e viu a rua sem saída em sua frente.
Escolha errada.
Uma rua sem saída. Ela correu para o muro, procurando por uma saída, qualquer saída. Percebendo que não havia nenhuma, ela se virou para confrontar seus agressores, que se aproximavam.
Sem fôlego, ela os viu fazer a curva e se aproximar. Ela podia ver por cima de seus ombros que, se ela tivesse virado para a direita, estaria livre. Claro. Já era de se esperar.
“OK, vadia,” um deles disse, “agora, você vai sofrer.”