“Por favor, pai.” Disse ela em voz alta, fechando os olhos. “Dê-me um sinal. Mostre-me aonde ir. Mostre-me o que fazer. Por favor, não deixe que o seu filho morra hoje. E, por favor, não deixe que Thor morra. Se você me ama, me responda.”
Gwen entrou em silêncio, ouvindo o vento, quando, de repente, um flash de inspiração bateu nela.
O lago. O Lago das Lamentações.
Claro. O lago era o lugar aonde todo mundo ia para orar por alguém que estava mortalmente doente. Era um pequeno lago de águas puras e cristalinas, no meio do Bosque Vermelho, cercado por árvores altas que se elevavam até o céu. Ele era considerado um lugar sagrado.
Obrigado pai, por me responder. Gwen pensou.
Ela o sentiu ali, com ela naquele momento, mais do que nunca, então começou a correr apressada em direção ao Bosque Vermelho, em direção ao lago que ouviria seus lamentos.
*
Gwen ajoelhou-se na margem do Lago das Lamentações, seus joelhos estavam apoiados na folhagem macia dos pinheiros que rodeavam a água como um anel. Ela olhava para as águas tranquilas, eram as águas mais tranquilas que ela já tinha visto, as quais espelhavam a lua crescente. Era uma lua cheia brilhante, a maior que ela já tinha visto e enquanto o segundo sol ainda estava se pondo, a lua estava subindo, lançando ambos, a luz do sol e do luar sobre o Anel. O sol e a lua se refletiam nas águas do lago, um em frente do outro e Gwen sentiu a aura sagrada daquele momento do dia. Era a janela entre o final de um dia e o início de outro e naquele momento sagrado, naquele lugar sagrado, tudo era possível.
Gwen se ajoelhou ali, chorando, rezando por tudo o que era mais sagrado. Os acontecimentos dos últimos dias tinham sido demais para ela e agora ela estava descarregando suas emoções. Ela rezava por seu irmão, porém, rezava mais ainda por Thor. Ela não podia suportar a ideia de perder ambos naquela noite, a ideia de não ter mais ninguém ao seu redor, além de Gareth. Ela não podia suportar a ideia de ser enviada para se casar com algum bárbaro. Ela sentia sua vida desmoronar ao seu redor e precisava de respostas. Mais do que tudo, ela precisava de esperança.
Havia muitas pessoas em seu reino que oravam a vários deuses: ao deus dos lagos; ao deus dos bosques; ao deus das montanhas, ou ao deus do vento, mas Gwen nunca acreditou em qualquer um deles. Ela, como Thor, era uma das poucas pessoas que ia na contramão da crença comum de seu reino, e seguia o caminho radical de crer em apenas um Deus, apenas em um ser supremo que controlava todo o universo. E foi a esse Deus a quem ela orou.
Por favor, Deus. Ela orou. Faze com que Thor retorne a mim. Permite que ele seja salvo da batalha. Permite que ele escape da emboscada. Por favor, permite que Godfrey viva. E, por favor, protege-me… Não deixe que me levem daqui, casada com um selvagem. Eu farei qualquer coisa. Apenas dá-me um sinal. Mostra-me qual é tua vontade para comigo.
Gwen ficou ajoelhada ali por muito tempo. Não se ouvia nada além do uivo do vento soprando entre os pinheiros infinitamente altos do Bosque Vermelho. Ela ouvia o ranger suave dos ramos enquanto eles balançavam acima de sua cabeça e sua folhagem caía na água.
“Cuidado com o que pede em suas orações.” Disse uma voz.
Ela virou-se vacilando e ficou chocada ao ver alguém de pé, não muito longe dela. Ela teria ficado assustada, no entanto, reconheceu a voz imediatamente, era uma voz antiga, mais velha do que as árvores, mais antiga que a própria terra e seu coração alegrou-se quando ela percebeu quem era.
Ela virou-se e o viu perto dela, vestindo seu manto branco e capuz. Seus olhos translúcidos queimavam através dela como se ele estivesse olhando para sua própria alma. Ele segurava seu cajado, iluminado pelo pôr-do-sol e pela luz da lua.
Argon.
Ela levantou-se e o encarou.
“Eu estive a sua procura.” Disse ela. “Fui a sua cabana. Você me ouviu bater?”
“Eu ouço tudo.” Ele respondeu enigmaticamente.
Ela fez uma pausa intrigada. Ele era inexpressivo.
“Diga-me o que eu devo fazer.” Disse ela. “Eu farei qualquer coisa. Por favor, não deixe Thor morrer. Você não pode deixá-lo morrer!”
Gwen se adiantou e agarrou seu pulso, implorando. Mas quando ela o tocou, foi arrasada por um calor escaldante que percorreu seu pulso e suas mãos e ela se afastou dominada pela energia.
Argon suspirou e se virou, afastando-se dela e dando vários passos em direção ao lago. Ele ficou ali, olhando para a água, seus olhos brilhavam na luz.
Ela caminhou para o lado dele e ficou em silêncio, por quanto tempo ela não sabia, esperando até que ele estivesse disposto a falar.
“Não é impossível mudar o destino.” Disse ele. “Mas ele cobra um preço muito alto pelo que lhe pede. Você quer salvar uma vida. Esse é um esforço nobre. Mas você não pode salvar duas vidas. Você vai ter de escolher.”
Ele se virou e a encarou.
“Quem você quer que sobreviva esta noite Thor, ou seu irmão? Um deles deve morrer. Está escrito.”
Gwen ficou horrorizada com a pergunta.
“Que tipo de escolha é essa?” Ela perguntou. “Ao salvar um, eu condeno o outro.”
“Não.” Ele respondeu. “Ambos estão destinados a morrer. Eu sinto muito. Mas este é o destino deles.”
Gwen sentiu como se um punhal tivesse sido enfiado em seu estômago. Ambos estavam destinados a morrer? Era algo horrível demais para se imaginar. Poderia o destino ser realmente tão cruel?
“Eu não posso escolher um no lugar do outro.” Finalmente ela disse com sua voz quebrada. “Meu amor por Thor é mais forte, é claro. Mas Godfrey é carne da minha carne e sangue do meu sangue. Eu não posso tolerar a ideia de que um deles viva graças à morte do outro. E eu não creio que nenhum deles deseje isso.”
“Então, ambos morrerão.” Argon replicou.
Gwen sentiu-se invadida pelo pânico.
“Espere!” Ela exclamou quando ele começou a se afastar.
Ele se virou e olhou para ela.
“E o que vai ser de mim?” Ela perguntou. “E se eu morresse no lugar deles? Isso seria possível? Ambos poderiam viver e eu morrer?”
Argon olhou para ela por um longo tempo, como se estivesse captando sua própria essência.
“Seu coração é puro.” Ele disse. “Você é o mais puro coração de todos os MacGils. Seu pai escolheu sabiamente. Sim, ele fez isso…”
A voz de Argon sumiu enquanto ele continuava a olhar em seus olhos. Gwen se sentia incômoda, mas não se atreveu a olhar para longe.
“Por causa de sua escolha, por causa de seu sacrifício desta noite.” Argon disse. “O destino a ouviu. Thor será salvo esta noite. E também o seu irmão. Você viverá também. Mas um pequeno pedaço de sua vida deve ser tomado. Lembre-se, há sempre um preço. Você sofrerá uma morte parcial em troca da vida de ambos.”
“O que isso significa?” Ela perguntou aterrorizada.
“Tudo tem seu preço.” Ele respondeu. “Você fez uma escolha. Você preferiria não pagar por isso?”
Gwen se preparou.
“Eu farei qualquer coisa por Thor.” Disse ela. “E por minha família.”
Argon olhava fixamente através dela.
“Thor tem um grande destino.” Disse Argon. “Mas o destino pode mudar. Nosso destino está em nossas estrelas. Mas também é controlado por Deus. Deus pode mudar o destino. Thor estava destinado a morrer esta noite. Ele vai viver só por causa de você. Você vai pagar esse preço. E o custo será alto.”
Gwen queria saber mais, então ela estendeu a mão para Argon, mas quando ela o fez, de repente, uma luz brilhante passou diante dela e Argon desapareceu.
Gwen virou-se, procurando por ele em todas as direções, mas ele estava longe de ser encontrado.
Finalmente, ela virou-se e olhou para o lago, ele estava tão sereno, era como se nada tivesse acontecido ali naquela noite. Ela viu o seu reflexo na água e ela parecia tão distante. Ela estava cheia de gratidão e finalmente, com uma sensação de paz. Mas ela também não podia evitar sentir uma sensação de temor sobre seu próprio futuro. Por mais que ela tentasse afastar esse temor de sua mente, ela não podia deixar de perguntar-se: qual seria o preço que teria de pagar pela vida de Thor?
CAPÍTULO OITO
Thor estava deitado, impotente no meio do campo de batalha, preso ao chão, por soldados McCloud. Ele ouvia o estrondo da batalha, os gritos dos cavalos, dos homens que morriam ao seu redor. O sol poente e a lua cheia nascente, a maior lua já vista, foram subitamente bloqueados por um enorme soldado, que avançou, levantou seu tridente e preparou-se para descê-lo sobre Thor. Ele sabia que sua hora havia chegado.
Thor fechou os olhos preparando-se para a morte. Ele não sentia medo. Apenas pesar. Ele queria mais tempo para estar vivo; ele queria descobrir quem ele era, qual era o seu destino e mais do que tudo, ele queria passar mais tempo com Gwen.
Thor sentia que não era justo morrer assim. Não ali. Não daquela forma. Não naquele dia. Não era a sua hora ainda. Ele podia sentir isso. Ele ainda não estava pronto.
De repente, Thor sentiu algo subindo dentro dele: era uma ferocidade, uma força diferente de qualquer outra que ele conhecia. Seu corpo inteiro formigava e ficou quente quando ele sentiu uma nova sensação irrompendo pelas solas dos seus pés e percorrendo suas pernas, seu torso, seus braços, até chegar realmente queimando até as pontas dos dedos, irradiando uma energia que ele mal podia entender. Thor surpreendeu a si mesmo, emitindo um rugido feroz, como o de um dragão surgindo das profundezas da terra.
Thor sentia a força de dez homens pulsando através dele quando ele se livrou do aperto dos soldados e ficou de pé de um salto. Antes que o soldado pudesse baixar o tridente, Thor avançou, agarrou-o pelo seu capacete e deu-lhe uma cabeçada, partindo-lhe o nariz. Então, ele chutou o soldado com tanta força que ele saiu voando de costas, para trás, como se fosse uma bala de canhão, derrubando dez homens.
Thor gritou com uma fúria recém descoberta quando ele agarrou um soldado, levantou-o bem alto e jogou-o no meio da multidão, derrubando junto com ele uma dúzia de soldados, como se fossem pinos de boliche. Thor estendeu a mão e agarrou um mangual com uma corrente de três metros das mãos de um soldado. Ele girou-o uma e outra vez, até que se ouviram os gritos de todos ao seu redor, ele estava derrubando todos os soldados em um raio de três metros, dezenas de eles.
Thor sentia que seu poder continuava a crescer e permitiu que o mesmo se apoderasse dele. Quando vários outros homens o atacaram, ele estendeu a mão e ficou com a palma estendida. Ele ficou surpreso ao sentir um formigamento e, em seguida, ver que uma névoa fria emanava dela. Seus atacantes pararam de repente, cobertos por um lençol de gelo. Eles ficaram congelados no lugar, transformados em blocos de gelo.
Thor virou as palmas das mãos em cada direção e por todas as partes os homens ficaram congelados; parecia que blocos de gelo caíam como chuva por todo o campo de batalha.
Thor virou-se para seus irmãos de armas e viu vários soldados prestes lançar golpes fatais em Reece, O’Connor, Elden e os gêmeos. Ele levantou a palma da mão em cada direção e congelou os atacantes, salvando seus irmãos da morte instantânea. Eles se viraram e olharam para ele, o alívio e a gratidão transbordavam em seus olhos.
O exército McCloud começou a perceber o que estava acontecendo e tornou-se mais cauteloso ao aproximar-se de Thor. Eles começaram a criar um perímetro de segurança em torno dele. Todos aqueles guerreiros estavam receosos de chegar muito perto, pois viam dezenas de seus companheiros congelados em seus postos no campo de batalha.
Mas então houve um rugido e um homem enorme se aproximou, ele era cinco vezes maior que o dos outros. Ele devia ter uns quatro metros de altura e carregava a maior espada que Thor já tinha visto. Thor ergueu a palma da mão para congelá-lo, mas seu poder não funcionou contra aquele homem. Ele simplesmente afastou a energia com um safanão, como se ela fosse um inseto irritante e continuou a avançar para Thor. Thor estava começando a perceber que seu poder era imperfeito, ele estava surpreso e não entendia bem por que ele não era forte o suficiente para deter aquele homem.
O gigante alcançou Thor com três passos longos, surpreendendo Thor com sua velocidade, ele, deu-lhe um tapa com as costas da mão, mandando Thor pelos ares.
Thor caiu duramente no chão e antes que pudesse se virar, o gigante estava sobre ele, levantando-o sobre a sua cabeça com as duas mãos. Ele jogou Thor pelos ares e o exército McCloud gritou em triunfo quando Thor se elevou por cerca de seis metros antes de cair estrondosamente no chão e rolar até poder parar. Thor sentia como se todas as suas costelas estivessem quebrando.
Thor olhou para cima para ver o gigante caindo sobre ele e dessa vez, não havia mais nada que pudesse fazer. Qualquer que fosse o poder que ele tinha tido, esse poder havia se esgotado.
Ele fechou os olhos.
Por favor, Deus, me ajude.
Quando o gigante se abateu sobre ele, Thor começou a ouvir um zumbido abafado em sua mente; ele crescia e crescia e logo, o zumbido estava fora de sua mente, no universo. Ele sentiu uma estranha sensação, jamais havia sentido isso antes; ele começou a sentir-se em sintonia com a própria matéria, com os elementos do ar, o balanço das árvores e o movimento das folhas da relva. Ele ouvia um grande zumbido em meio a tudo isso e quando ele estendeu a mão, ele sentiu como se estivesse colhendo aquele zumbido de todos os lugares do universo, convocando-o a sua vontade.
Thor abriu os olhos ao ouvir um tremendo zumbido sobre sua cabeça e observou com surpresa como um enxame de abelhas enorme se materializava no céu. Elas chegavam de todos os lados e quando Thor levantou as mãos, ele sentiu que as estava dirigindo. Ele não sabia como ele estava fazendo isso, mas sabia que ele estava dirigindo-as.
Thor moveu suas mãos na direção do gigante e quando ele fez isso, ele viu um enxame de abelhas escurecendo o céu, mergulhando em direção ao campo de batalha e cobrir completamente o gigante. O gigante levantava as mãos e se debatia, ele gritava histérico, as abelhas o cercaram, picando-o mil vezes até que ele dobrou os joelhos e logo depois caiu de cara no solo, já morto. O chão tremeu com o impacto de seu corpo.
Então, Thor dirigiu sua mão para o exército McCloud, o qual se encontrava montado em seus cavalos, olhando para ele e vendo a cena em estado de choque. Eles começaram a voltar-se para fugir, mas não houve tempo para reagir. Thor virou a palma da mão em sua direção e o enxame de abelhas deixou o gigante e começou a atacar os soldados.
O exército McCloud soltou um grito de medo e todos seus soldados deram a volta de uma só vez e cavalgaram em disparada, eles foram picados inúmeras vezes pelo enxame. Logo, o campo de batalha ficou vazio já que eles desapareceram tão rápido quanto podiam. Alguns soldados não conseguiram escapar a tempo, eles caíam um após outro, enchendo o campo de cadáveres.
Os sobreviventes continuaram galopando, o enxame os perseguia no horizonte até o outro lado do campo. O grande som do zumbido misturava-se com o tropel dos cascos dos cavalos e dos gritos de medo dos homens.
Thor estava espantado: em poucos minutos, o campo de batalha estava vazio e tranquilo. Tudo o que restava era o gemido dos McCloud feridos, deitados ali aos montões. Thor olhou em volta e viu seus amigos exaustos e respirando com dificuldade. Eles pareciam estar muito machucados e cobertos de ferimentos leves, mas estavam bem; com exceção, é claro, dos três membros da legião que ele não conhecia, os quais estavam ali, mortos.
Houve um grande estrondo no horizonte e Thor se virou para o outro lado e viu o exército do rei, liderado por Kendrick, avançando sobre a colina, correndo em direção a eles. Eles galoparam até eles e em pouco tempo pararam diante de Thor e de seus amigos: os únicos sobreviventes solitários naquele campo sangrento.