“Não consegue dormir?” Daniel disse, com metade do rosto escondida pelo travesseiro fofo em que descansava. Então, sorriu. “Eu também não”.
Emily se virou para vê-lo. Passou os dedos pelo seu peito nu e musculoso. “Não consigo parar de pensar no futuro”, ela disse. “Estou muito animada”.
Daniel acariciou seu rosto. “Conheço uma coisa que pode acalmar sua mente” ele disse. E então a beijou.
Emily se deixou afundar no beijo, sentindo todos os pensamentos derreterem enquanto seu corpo se entregava a todas aquelas sensações. Ela puxou Daniel para mais perto de si, sentindo seu coração bater contra o dela. Daniel sempre acendia a uma paixão ardente dentro dela, mas o que sentia agora ia além de qualquer coisa que havia experimentado antes.
Nesse momento, a porta do quarto deles se abriu. Um facho de luz do corredor iluminou o cômodo, como um holofote. Emily e Daniel se separaram de um salto.
De pé, na porta, estava Chantelle.
“Não consigo dormir!” ela declarou, entrando correndo no quarto.
Emily riu. “Bem, então, somos todos”, ela disse.
Chantelle pulou na cama com Emily e Daniel, se aconchegando entre os dois. Emily teve que rir. A menina era a única coisa que podia interromper o momento romântico deles, sem fazê-la se sentir frustrada.
“Quando você e o papai se casarem, isso significa que você vai ser minha mãe para sempre?” Chantelle perguntou.
Emily assentiu. Mas então pensou mais a fundo. Ela e Daniel vinham falando com seu amigo, Richard, um advogado de família, sobre a possibilidade de adotarem Chantelle oficialmente. O casamento aumentaria as chances deles contra a mãe biológica da menina? Sheila usava drogas e não tinha renda fixa, duas coisas que já contavam a favor deles. O casamento a ajudaria a adotar Chantelle?
Olhou para Daniel e Chantelle, já adormecidos. A visão a deixava mais do que feliz. Naquele momento, fortaleceu ainda mais sua decisão de seguir os procedimentos legais. Quanto antes, melhor. Queria que fossem uma família de verdade mais que qualquer coisa que já tinha desejado no mundo. Com o anel cintilando em seu dedo, sentiu que esse sonho nunca esteve tão perto de se tornar realidade.
CAPÍTULO DOIS
Emily acordou na manhã seguinte sentindo-se mais que abençoada. Nunca esteve tão feliz. Os raios do lindo sol de inverno passavam pelas cortinas de renda, realçando seu estado de espírito maravilhado e alegre. Após um breve instante de dúvida, concluiu que não estava sonhando; que Daniel havia mesmo feito o pedido, e que eles realmente iam se casar.
Subitamente consciente de todas as coisas que precisava fazer, deu um pulo da cama. Tinha que ligar para as pessoas! Como havia esquecido de ligar para Jayne e Amy e contar as novidades? E para a sua mãe! Estava tão envolvida no momento, em sua própria alegria e na celebração de seus amigos, que nem passou pela sua cabeça.
Tomou um banho rápido, vestiu-se e foi correndo até o terraço com o celular. A água de seu cabelo ainda molhado pingava na camiseta enquanto ela rolava a barra de seus contatos. Seu polegar ficou sobre o número de sua mãe e começou a tremer. Não conseguia encontrar a coragem de ligar. Sabia que a mãe não lhe daria o tipo de resposta que ela queria; tinha dúvidas quanto a Chantelle e ia imaginar que Daniel estava se casando com Emily apenas para ter uma mãe para sua filha. Então, decidiu testar o terreno com Jayne. Sua melhor amiga sempre lhe disse a verdade, mas nunca com o mesmo tom de decepção da mãe.
Ligou para o celular de Jayne e ouviu-o chamar. Então, ela atendeu.
“Em!” Jayne exclamou. “Você está no viva-voz”.
Emily parou. “Por que estou no viva-voz?”
“Estamos numa sala de conferência. Eu e Ames”.
“Oi, Emily!” Amy falou, alegre. “É sobre a oferta de emprego?”
Levou um momento para Emily entender do que elas estavam falando. A empresa de velas que Amy havia começado no seu quarto durante a faculdade estava, mais de uma década depois, florescendo de repente. Ela havia empregado Jayne e tentou muito fazer Emily entrar na empresa também. Nenhuma das duas podia entender completamente por que Emily ia querer viver numa cidade pequena ao invés de em Nova York, por que queria ter uma pousada ao invés de trabalhar num escritório descolado com suas duas melhores amigas, e certamente não conseguiam entender por que ela queria assumir a filha de outro cara, sem nenhuma garantia de que ele daria a ela seus próprios filhos um dia.
“Na verdade, não”, Emily disse. “É sobre...” ela vacilou, subitamente perdendo a confiança. Então, se tranquilizou. Não tinha nada do que se envergonhar. Ainda que sua vida estivesse indo numa trajetória diferente da de suas melhores amigas, ainda era válida; as escolhas dela eram suas e deviam ser respeitadas. “Eu e Daniel vamos nos casar”.
Houve um momento de silêncio, seguido por gritos agudos. Emily estremeceu. Podia imaginar suas amigas, com suas unhas perfeitas, sua pele hidratada que tinha o perfume de rosa e camélia, seus cabelos impecáveis balançando enquanto pulavam em suas cadeiras.
Pelo barulho, Emily distinguiu os gritos de Jayne, “Ai meu Deus!” e Amy gritando, “Parabéns!”
Ela deu um suspiro de alívio. Suas amigas estavam do seu lado. Outro obstáculo havia sido superado.
A gritaria incompreensível finalmente diminuiu.
“Ele ainda não te engravidou, não foi?” Jayne perguntou, inconveniente como sempre.
“Não!” Emily exclamou, rindo.
“Jayne, cala a boca”, Amy a repreendeu. “Conte tudo. Como ele fez o pedido? Como é o anel?”
Emily contou novamente a história da praia, das declarações de amor na neve, do maravilhoso anel de pérolas. Suas amigas se emocionaram em todos os momentos certos. Emily notou que estavam em êxtase por ela.
“Você vai assumir o nome dele?” Jayne perguntou. “Ou manter os dois? Mitchell Morey é um pouco demais. Ou vai ficar Morey Mitchell? Emily Jane Morey Mitchell. Humm. Não sei se gosto. Talvez você devesse manter seu nome, sabe? É a coisa mais forte, empoderada, feminista a fazer, afinal”.
A mente de Emily girava enquanto Jayne falava de sua maneira característica, super cafeinada, quase sem pausar para dar a ela tempo de responder a alguma das perguntas.
“Vamos ser as suas damas de honra, certo?” Jayne terminou, com sua maneira tipicamente aberta, franca.
“Ainda não pensei nisso”, Emily admitiu. Jayne e Amy poderiam ser suas amigas mais antigas, mas ela tinha feito tantas outras desde que se mudou para Sunset Harbor: Serena, Yvonne, Suzanna, Karen, Cynthia. E quanto a Chantelle? Para Emily, era importante que ela tivesse um papel central na coisa toda.
“Bem, onde será o local?” Jayne perguntou, parecendo um pouco chateada por Emily estar considerando outras amigas como suas damas de honra.
“Também não sei ainda”, Emily disse.
Subitamente, percebeu a enormidade da tarefa que tinha à frente. Havia tanto a organizar. Tanto a pagar. Subitamente, se sentiu assoberbada pela coisa toda.
“Acha que terá um casamento grande ou pequeno?” Amy perguntou. Suas perguntas eram mais simples que as de Jayne, mas ela ainda tinha um certo ar de julgamento. Emily se perguntou se Amy ainda estava chateada por seu noivado frustrado com Fraser. Talvez estivesse magoada por Emily ter um anel e um noivo quando ela tinha perdido ambos.
“Ainda não pensamos em nenhum dos detalhes”, Emily disse. “É tudo muito novo”.
“Mas você sonha com isso há anos”, Amy acrescentou.
Emily franziu o cenho. Com o casamento, sim. Era algo que ela queria há muito tempo. Mas nunca teria imaginado o rumo que sua vida seguiu. O amor que sentia por Daniel era único e inesperado. O casamento deles deveria ser assim também. Precisava repensar tudo para torná-lo perfeito para eles, para esse relacionamento específico, para esta vida.
“Pode pelo menos nos dizer uma data?” Jayne perguntou. “Nossa agenda está lotada”.
Emily gaguejou. “Não sei”.
“Só o mês já está bom, pelo menos”, Jayne pressionou.
“Também não sei”.
Jayne suspirou, exasperada. “E quanto ao ano?”
Emily foi ficando frustrada. “Eu não sei!” ela gritou. “Ainda não pensei em nada disso!”
Silêncio. Emily só podia imaginar a cena: suas amigas trocando um olhar, sentadas em cadeiras de escritório de couro numa mesa imensa de vidro, com seu grito emanando do celular entre elas e ecoando pela vasta sala de conferência. Ela se encolheu de vergonha.
Jayne quebrou o gelo. “Bem, só nos garanta que não vai virar um daqueles noivados que duram para sempre”, falou, de uma maneira realista. “Você sabe como são alguns homens; é como se não percebessem que depois do pedido você espera um casamento de verdade. Eles fazem toda aquela cena no noivado e então, assim que lhe convencem a usar um anel chique, pensam que podem descansar sobre os louros da vitória e nunca realmente assinar a linha pontilhada”.
“Não tem nada a ver com isso”, Emily disse, um pouco ríspida.
“Claro”, Jayne falou lentamente. “Mas, para ter certeza, você devia amarrá-lo a uma data de verdade. Se parecer que ele está arrastando o noivado, fuja”.
Emily apertou a mão, formando um punho. Sabia que não devia deixar Jayne – que tinha fobia de compromisso e que nunca tinha tido um relacionamento longo de verdade – ditar a maneira como devia se sentir sobre a situação, mas a amiga tinha o talento de colocar uma pulga atrás da sua orelha. Apesar de ser ridículo, Emily já podia notar que iria ruminar sobre as palavras de Jayne por dias.
“Tenho uma ideia”, Amy interrompeu, dando uma de diplomata. “Por que não vamos aí comemorar com você? Fazer uma visita? Ajudá-la a planejar algumas coisas?”
Apesar de estar irritada com Jayne, Emily gostou da ideia de suas amigas virem por um tempo e se envolverem nos preparativos do casamento. Quando chegassem, no seu domínio, elas poderiam ver o amor que ela e Daniel sentiam com os próprios olhos. Veriam o quanto ela estava feliz e começariam a demonstrar mais apoio.
“Isso seria ótimo”, Emily disse.
Elas encontraram uma boa data para todas e Emily terminou a ligação. Mas, graças a Jayne, sua cabeça estava girando e a chama de animação dentro dela diminuiu um pouquinho. Além disso, ainda precisava fazer a temida ligação para sua mãe, que certamente seria pior. Havia tentado convidar a mãe para o Dia de Ação de Graças, mas a mulher agiu como se fosse um insulto. Nada que Emily fazia era bom o bastante para Patricia Mitchell. Se havia se sentido acuada por Amy e Jayne, sua mãe a deixaria completamente para baixo.
E aquela era simplesmente a família dela! Quando acrescentou Daniel à mistura, seus medos se intensificaram. Por que o resto do mundo tinham que existir? Tudo em Sunset Harbor era tão perfeito para Emily. Mas lá fora estavam amigas que a desaprovavam e mães problemáticas. Havia pais ausentes.
Pela primeira vez desde o pedido, Emily pensou no pai, desaparecido há vinte anos. Recentemente, havia descoberto uma pilha de cartas na casa que provava que ele ainda estava vivo. Então, Trevor Mann, seu vizinho, havia confirmado que vira Roy na casa, alguns anos antes. Seu pai estava vivo, ainda que, até mesmo com essa informação, nada houvesse mudado. Emily ainda não tinha como entrar em contato com ele. As chances dele estar lá para entrar com ela na igreja eram praticamente nulas.
Emily sentiu as emoções se intensificando, ameaçando extinguir a alegria com que começara o dia. Olhou para a tela do celular, onde tinha selecionado o número da mãe, mas ainda sem a coragem de ligar.
Antes que tivesse a chance de mergulhar de cabeça e ligar para a mãe, ouviu o som de passos atrás dela. Virou-se e viu Daniel e Chantelle descendo as escadas trotando até ela. Daniel havia vestido a menina com uma de suas lindas roupas vintage – uma jardineira de veludo caramelo com um cardigã de estampa floral preto-e-branco, com meias combinando. Ela estava adorável. Ele usava seu jeans e camiseta usuais, cabelo preto despenteado, com a barba por fazer emoldurando o queixo forte.
“Queríamos tomar café da manhã fora de casa”, Daniel disse. “Fazer algo especial. Um café da manhã para celebrar”.
Emily colocou o celular novamente no bolso. “Ótima ideia”.
Salva pelo gongo. O telefonema para sua mãe teria que esperar. Mas Emily sabia que não poderia adiar isso para sempre. Cedo ou tarde, teria que enfrentar a língua afiada de Patricia Mitchell.
*
O aroma de xarope de bordo permeava o ar na lanchonete de Joe. A família sentou-se em uma das mesas de plástico vermelho, notando os olhares e sussurros ao redor.
“Todo mundo já sabe”, Emily sussurrou para Daniel.
Ele revirou os olhos. “É claro que sabem”. Então, acrescentou, sarcástico, “na verdade, estou surpreso por levar tanto tempo. Afinal, já faz metade de um dia que contamos a novidade, e Cynthia Jones só precisa de uma ou duas horas para rodar a cidade toda de bicicleta contando sua mais recente fofoca”.
Chantelle riu.
Pelo menos os sussurros e olhares eram animadores, Emily pensou. Todo mundo parecia feliz por eles. Mas Emily se sentiu um pouco envergonhada por ser o centro das atenções. Não era todo dia que se entrava numa lanchonete e todos se viravam para ver. Sua mente ainda estava girando, cheia de dúvidas, depois da ligação para Amy e Jayne, e ela se perguntava se agora seria uma hora apropriada para compartilhar algumas delas com Daniel.
Com seus cabelos grisalhos, Joe veio até a mesa, segurando sua caderneta nas mãos enrugadas.
“Ouvi dizer que hoje é dia de dar os parabéns”, ele disse sorrindo, dando batidinhas nas costas de Daniel. “Quando é o grande dia?”
Emily viu Daniel vacilar. Parecia tão perplexo quanto ela. Todos queriam respostas a perguntas que eles ainda não tinham feito nem a si mesmos.
“Ainda não temos certeza”, Daniel balbuciou. “Ainda não definimos os detalhes”.
Pediram seus waffles e panquecas e assim que Joe saiu para preparar os pratos, Emily tomou coragem para fazer algumas perguntas para Daniel.
“Quando você acha que podemos definir uma data?”, Emily perguntou.
Daniel arregalou os olhos. “Ah. Eu não sei. Você já quer fazer isso?”
O alerta de Jayne ecoou na mente de Emily. “Não precisamos fixar a data específica, mas estamos falando de meses ou do ano que vem? Quer casar no verão? Ou no outono, já que estamos no Maine?”
Ela sorriu, mas parecia forçado. Pela expressão no rosto de Daniel, podia notar que ele não tinha pensado tão para a frente.
“Preciso pensar sobre isso”, falou, de maneira despreocupada.
“Quero um casamento no verão”, Chantelle disse. “No porto. Com o barco do papai”.
“Pensar no quê?” Emily disse, ignorando Chantelle e focando em Daniel. “Só há quatro opções. Sol brilhando, vento forte, neve ou árvores em flor. Qual delas você prefere?”
Daniel pareceu um pouco surpreso pelo tom um tanto ríspido de Emily. Chantelle também parecia confusa.
“Eu não sei”, Daniel balbuciou. “Há prós e contras para cada um”.
Emily se sentia cada vez mais nervosa. Jayne estava certa? Daniel havia feito o pedido sem nem pensar no fato de que deveria haver um casamento no final?
“Você já contou a alguém?” Emily continuou a testar.
Vincos de frustração apareceram na testa de Daniel. “Faz menos de vinte e quatro horas”, ele disse simplesmente, escondendo a irritação que Emily sabia que havia provocado nele. Entredentes, ele acrescentou, “Não podemos simplesmente desfrutar deste momento?”
Chantelle olhava de Emily para Daniel com um ar de preocupação. Não os via se bicando frequentemente, e aquilo a alarmou.
Ver a menininha preocupada mexeu com Emily. Apesar de suas preocupações, não era justo envolver Chantelle. Aquilo era só entre ela e Daniel.