Em seguida, correu para o quarto e pegou a mala sob a cama. Rapidamente, colocou todas as suas roupas e sapatos dentro dela. Depois de empacotar suas coisas, ela arrastou tudo para fora. Então, como um gesto simbólico final, entrou novamente no apartamento e colocou sua chave sobre a mesa de centro com valor “sentimental” para Ben, e então foi embora, para nunca mais voltar.
Foi só quando ficou de pé na calçada que Emily realmente se deu conta do que havia feito. Em poucas horas, havia conseguido ficar sem emprego e sem casa. Estar solteira era uma coisa, mas jogar sua vida toda fora era outra bem diferente.
Leves ondas de pânico começaram a correr por seu corpo. Com mãos trêmulas, ela pegou seu celular e ligou para Amy.
“Oi, e aí?” Amy falou.
“Fiz uma loucura”, ela respondeu.
“Pode dizer...”
“Deixei meu emprego”.
Emily ouviu a amiga suspirar no outro lado da linha.
“Ai, graças a Deus”, falou Amy. “Pensei que você ia me dizer que havia reatado com Ben”.
“Não, não, muito pelo contrário. Eu empacotei minhas coisas e fui embora. Estou de pé na calçada, parecendo uma moradora de rua”.
Amy começou a rir. “Eu estou visualizando você agora”.
“Isso não tem graça!” Emily respondeu, seu pânico crescendo. “O que vou fazer agora? Estou desempregada. Não posso alugar um apartamento sem emprego!”
“Admita que é um pouquinho engraçado”, Amy replicou, rindo. “Traga tudo pra cá”, ela acrescentou, de maneira despreocupada. “Você sabe que pode ficar comigo até decidir o que fazer”.
Mas não era isso que Emily queria. Essencialmente, ela havia desperdiçado anos de sua vida vivendo no espaço de outra pessoa, sentindo-se como uma hóspede em sua própria casa, como se Ben estivesse lhe fazendo um favor apenas por deixá-la morar na casa dele. Ela não queria mais isso. Precisava forjar sua própria vida, sustentar-se com as próprias pernas.
“Agradeço muito”, Emily disse, “mas preciso ficar sozinha por um tempo”.
“Entendo”, Amy respondeu. “Então, e agora? Vai sair da cidade por alguns dias? Esfriar a cabeça?”
Isso fez Emily refletir. Seu pai tinha uma casa no Estado do Maine. Eles costumavam ir para lá no verão quando ela era criança, mas estava vazia desde que ele desaparecera, há vinte anos. Era uma casa velha, mas cheia de personalidade, e foi gloriosa em sua época de ouro, de um jeito meio histórico; sempre pareceu mais uma pousada descuidada, com a qual ele não sabia lidar, do que uma casa.
Na época, seu estado era apenas razoável, e Emily sabia que não estaria melhor depois de passar vinte anos abandonada; também não seria o mesmo vê-la vazia — ou agora que ela não era mais uma criança. Sem falar que o verão ainda ia demorar pra chegar. Estávamos em fevereiro!
Ainda assim, a ideia de passar alguns dias sentada na varanda, olhando para o mar, num lugar que era dela (mais ou menos), pareceu, subitamente, muito romântica. Sair de Nova York no final de semana seria uma boa maneira de limpar sua mente e tentar pensar no que fazer com sua vida.
“Tenho que ir”, Emily disse.
“Espere”, Amy respondeu. “Primeiro, diga-me para onde está indo!”
Emily respirou fundo.
“Estou indo para Maine”.
Capítulo Três
Emily teve que pegar vários metrôs para chegar ao estacionamento de longa permanência em Long Island City, onde seu carro velho, surrado e abandonado estava. Fazia anos que ela não o dirigia, já que Ben sempre assumiu essa responsabilidade para exibir seu precioso Lexus, e enquanto ela caminhava pelo imenso estacionamento escuro, arrastando sua mala, ela se perguntava se ainda poderia dirigir. Era mais uma coisa que havia deixado escapar ao longo de seu relacionamento.
Só a viagem para chegar até aqui – a este estacionamento na periferia da cidade – parecia não acabar nunca. Enquanto caminhava até o carro, seus passos ecoando no estacionamento frio como gelo, ela quase se sentiu cansada demais para continuar.
Estava cometendo um erro? Ela se perguntou. Devia voltar?
“Aqui está ele”.
Emily se virou e viu o atendente do estacionamento sorrindo para seu carro surrado, como se demonstrasse simpatia por ela. Ele lhe estendeu as chaves.
A ideia de ainda ter que dirigir por oito horas pareceu esmagadora, impossível. Ela já estava exausta, física e emocionalmente.
“Você vai pegar as chaves?” ele perguntou, por fim.
Emily piscou, surpresa, sem perceber que havia passado alguns instantes pensando.
Parada ali, sabia que aquele era um momento decisivo, de certa forma. Ela iria colapsar, correndo de volta para sua antiga vida?
Ou seria forte o bastante para seguir em frente?
Finalmente, Emily afastou os pensamentos sombrios e se obrigou a ser forte. Pelo menos por ora.
Ela pegou as chaves e caminhou triunfante para seu carro, tentando demonstrar coragem e confiança enquanto se afastava, mas secretamente com medo de que não conseguiria nem mesmo ligá-lo – e, se conseguisse, que ela nem lembraria como dirigir.
Entrou no carro gelado, fechou os olhos e pôs a chave na ignição. Se o motor ligasse, ela disse a si mesma, era um sinal. Se estivesse morto, ela podia voltar atrás.
Emily odiava admitir isso para si mesma, mas secretamente tinha esperança de que estaria morto.
Ela girou a chave.
O carro ligou.
*
Foi surpreendente e reconfortante para Emily notar que, apesar de ser uma motorista meio errática, ela ainda sabia o básico do que estava fazendo. Tudo o que precisava fazer era pisar no acelerador e dirigir.
Era libertador observar o mundo passar voando por ela e, lentamente, ela sentiu seu humor melhorar. Até ligou o rádio, lembrando que tinha um.
Com o rádio no volume máximo, os vidros das janelas abaixados, Emily segurou bem o volante com as duas mãos. Em sua mente, ela parecia uma sereia glamorosa dos anos 40 num filme em preto e branco, com o vento desalinhando seu penteado perfeito. Na verdade, o ar gelado de fevereiro deixou seu nariz vermelho como uma cereja e bagunçou seu cabelo todo.
Em pouco tempo, ela saiu da cidade, e quanto mais se aproximava do norte, mais as estradas se tornavam margeadas por pinheiros. Ela admirava sua beleza enquanto passava voando por eles. Com que facilidade ficara presa na agitação do estilo de vida da cidade, pensava. Quantos anos ela havia deixado passar sem reservar tempo para contemplar a natureza?
Logo, as estradas se tornaram mais largas, o número de faixas aumentou e, então, ela chegou à rodovia. Acelerou ainda mais, fazendo seu carro surrado ir mais rápido, sentindo-se viva e animada com a velocidade. Todas essas pessoas em seus carros embarcando em aventuras para algum lugar, e ela, Emily, finalmente era uma delas. A excitação pulsava através de seu corpo enquanto fazia o carro ir mais rápido, aumentando sua velocidade até onde sua ousadia lhe permitisse.
Sua confiança aumentava à medida em que os pneus do carro planavam sobre a estrada. Quando passou pela fronteira estadual para entrar em Connecticut, realmente caiu a ficha de que ela estava, de fato, indo embora. Seu emprego, Ben, ela havia finalmente jogado fora toda aquela tralha.
Quanto mais se aproximava do norte, mais frio ficava, e Emily finalmente teve que admitir que estava frio demais para manter as janelas abertas. Ela as fechou e esfregou as mãos, lamentando por não estar vestindo algo um pouco mais apropriado para o clima. Ela havia saído de Nova York em seu desconfortável terno de trabalho, e em mais um momento de impulsividade, havia atirado a jaqueta sob medida e os sapatos de salto stiletto pela janela. Agora, vestia apenas uma blusa fina, e os dedos de seus pés descalços pareciam ter se tornado blocos de gelo. A imagem da estrela de cinema dos anos 40 se despedaçou em sua mente quando ela viu seu reflexo no retrovisor. Ela parecia uma estátua de cera. Mas não ligava para isso. Estava livre, e era só o que importava.
Horas se passaram, e antes que percebesse, havia deixado Connecticut para trás, uma lembrança distante, apenas um lugar pelo qual passara em seu caminho para um futuro melhor. A paisagem de Massachusetts era mais aberta. Ao invés da folhagem verde-escura dos pinheiros, as árvores daqui haviam perdido suas folhas de verão e erguiam-se como longos, compridos esqueletos nos dois lados da estrada, revelando traços de neve e de gelo no chão duro sob elas. Acima de Emily, o céu começava a mudar de cor, de um azul claro para um cinza macilento, lembrando a ela que chegaria a Maine quando já estivesse escuro.
Ela dirigiu por Worcester, onde muitas das casas eram altas, revestidas de madeira, e pintadas em vários tons pastéis. Emily imaginou que tipo de pessoas viviam aqui, divagando sobre suas vidas e experiências. Ela estava apenas há algumas horas de casa, mas tudo já parecia estranho para ela – todas as possibilidades, todos os diferentes lugares para viver, estar e visitar. Ela havia passado sete anos vivendo apenas uma versão da vida, seguindo a rotina antiga, familiar, repetindo o mesmo dia várias vezes, esperando, esperando, esperando por algo mais. Todo aquele tempo esperando Ben pedi-la em casamento, para que ela então pudesse começar o próximo capítulo da sua vida. Mas, o tempo todo, ela tinha o poder de ser a mola, a força propulsora de sua própria história.
Emily se viu dirigindo sobre uma ponte, seguindo a Rota 290 até ela se tornar a Rota 495. Foram-se as maravilhosas árvores, agora substituídas por paredes rochosas íngremes. Seu estômago começou a roncar, lembrando-a de que a hora do almoço havia passado e ela não fizera nada a respeito. Pensou em parar num posto de gasolina, mas a compulsão para chegar em Maine era grande demais. Ela podia comer quando chegasse lá.
Mais horas se passaram, e ela cruzou a fronteira estadual, entrando em New Hampshire. O céu se abriu, as estradas se tornaram largas e numerosas, as planícies se estendendo em todas as direções, até onde seus olhos alcançavam. Emily não pôde deixar de pensar sobre como o mundo era grande, sobre quantas pessoas ele continha.
Seu senso de otimismo a carregou o caminho todo, passando por Portsmouth, onde aviões precipitavam-se ruidosos sobre ela, seus motores roncando enquanto se aproximavam da pista para aterrissar. Ela acelerou, passando da próxima cidade, onde o gelo cobria os bancos nos dois lados da rodovia, e então seguiu em frente através de Portland, em que a estrada seguia ao longo dos trilhos de trem. Emily absorveu cada detalhe, sentindo-se impressionada pelo tamanho do mundo.
Ela acelerou sobre a ponte que cruzava a fronteira final de Portland, querendo desesperadamente parar o carro para admirar a vista do oceano. Mas o céu estava cada vez mais escuro e ela sabia que tinha que pisar fundo se quisesse chegar a Sunset Harbor antes da meia-noite. Seriam, pelo menos, mais três horas de estrada, e o relógio em seu painel já indicava que eram nove horas da noite. Seu estômago protestou novamente, repreendendo-a por ter ignorado o jantar e o almoço.
Havia várias coisas que Emily queria fazer quando chegasse, mas dormir a noite toda era a principal. A fadiga estava começando a se instalar; o sofá de Amy não era exatamente confortável, sem mencionar o turbilhão emocional em que Emily havia estado durante toda a noite. Mas, esperando por ela na casa em Sunset Harbor estava a linda cama de carvalho escuro com dossel do quarto principal, a que seus pais dividiram nos bons tempos. A ideia de tê-la toda para si era muito interessante.
Apesar da ameaça de neve, Emily decidiu não seguir pela rodovia até Sunset Harbor. Seu pai gostava de dirigir pelo caminho menos movimentado – uma série de pontes que se estendia sobre a miríade de rios correndo para o oceano, por toda aquela parte do Maine.
Ela saiu da rodovia, aliviada por pelo menos diminuir a velocidade. As estradas pareciam mais traiçoeiras, mas a paisagem era incrível. Emily levantou os olhos e viu as estrelas brilhando sobre a água clara, prateada.
Ela permaneceu na Rota 1 margeando a costa, absorvendo a beleza a seu dispor. O céu passou de cinza para preto, a água refletindo seu reflexo. Parecia que ela estava dirigindo pelo espaço, em direção ao infinito.
Indo em direção ao começo do resto de sua vida.
*
Cansada por causa da viagem sem fim, lutando para manter seus olhos exaustos abertos, ela se animou quando seus faróis finalmente iluminaram uma placa que lhe dizia que estava entrando em Sunset Harbor. Seu coração bateu mais rápido, com o alívio e a antecipação.
Ela passou pelo pequeno aeroporto e dirigiu até a ponte que a levaria para a Ilha Mount Desert, lembrando-se, com uma pontada de nostalgia, de estar no carro da família enquanto corria sobre esta mesma ponte. Ela sabia que a casa estava a apenas 16 km, que não levaria mais de vinte minutos para chegar ao seu destino. Seu coração começou a bater forte com a excitação. Sua fome e seu cansaço pareceram desaparecer.
Ela viu a pequena placa de madeira que lhe dava as boas-vindas a Sunset Habor e sorriu. Árvores altas margeavam os dois lados da estrada, e Emily se sentiu bem ao notar que eram as mesmas árvores que ela havia visto quando criança enquanto seu pai dirigia ao longo desta mesma estrada.
Alguns minutos mais tarde, ela passou sobre uma ponte em que se lembrava de passar quando criança, numa bela tarde de outono, com folhas vermelhas estalando sob seus pés. A lembrança era tão vívida que ela até mesmo podia ver as luvas roxas de lã que estava usando enquanto andava de mãos dadas com seu pai. Ela não podia ter mais de cinco anos na época, mas a lembrança lhe veio tão clara como se tivesse sido ontem.
Mais lembranças surgiram em sua mente enquanto passava por outros lugares – o restaurante que servia panquecas incríveis, o acampamento, que estaria cheio de grupos de escoteiros durante todo o verão, o caminho de mão-única que levava até Salisbury Cove. Quando ela alcançou o letreiro do Parque Nacional Acadia, sorriu, sabendo que estava a apenas três quilômetros de seu destino final. Parecia que ela chegaria na casa bem na hora; a neve estava começando a cair e seu carro surrado provavelmente não teria forças para enfrentar uma nevasca.
Como que entendendo a deixa, o veículo começou a emitir um barulho estranho, como se algo estivesse rangendo sob o capô. Emily mordeu o lábio, angustiada. Ben sempre foi o prático, o mais racional no relacionamento. As habilidades mecânicas dela eram nulas. Começou a rezar para que o carro resistisse pelo último quilômetro.
Mas o barulho ficou pior, logo foi acompanhado por um estranho zumbido, por um clique-claque irritante e, finalmente, por um resfolego. Emily bateu os punhos contra o volante e começou a falar palavrões em voz baixa. A neve começou a cair mais rápido e mais grossa e seu carro passou a reclamar mais ainda, antes dos ruídos diminuírem um pouco e o motor, finalmente, estancar.
Ouvindo o motor sibilar, Emily ficou ali parada, em desespero, tentando pensar no que fazer. O relógio marcava meia-noite. Não havia outros carros, ninguém àquela hora da noite. O lugar estava silencioso como um cemitério e, sem seus faróis para providenciar luz, espetacularmente escuro; não havia postes nesta estrada e nuvens cobriam as estrelas e a lua. Parecia estranho e assustador, e Emily pensou que era o cenário perfeito para um filme de terror.
Pegou o celular como se fosse um consolo, mas viu que não havia sinal. A visão daquelas cinco barras vazias na tela do aparelho a fez se sentir ainda mais preocupada, isolada e sozinha. Pela primeira vez desde que deixou sua vida em Nova York até agora, Emily começou a sentir que havia tomado uma decisão terrivelmente estúpida.