Não sei quanto tempo tinha passado, mas não me lembrava de alguma vez ter passado por uma situação daquelas, tão desconfortável. Era como se todo o meu corpo me doesse, mas, ao mesmo tempo, me sufocasse e quisesse desfazer-se disso. Sentia calor e frio ao mesmo tempo e, apesar de conseguir abrir os olhos de vez em quando, não via nada além de pequenas sombras.
― Sente-se bem? ― Consegui escutar após algum tempo.
― O que foi isto? ― Consegui perguntar, mesmo sem conseguir ver nada ainda.
― É só uma granada de atordoamento, não é caso para tanto! ― Respondeu uma segunda voz num tom sarcástico.
― Uma granada? Mas vocês estão loucos? ― Eu disse irritado, tentando levantar-me, até que me apercebi que alguma coisa me estava a prender as mãos.
― Tenha lá calma e tente não se levantar. Tem as mãos e os pés amarrados com uns flanges de plástico como se fossem algemas.
― Estou algemado? O que foi que eu fiz? ― Perguntei, tentando esfregar os olhos a ver se conseguia ver alguma coisa.
― O que foi que você não fez quer você dizer? ― Perguntou aquele que falava com sarcasmo.
― Acusações por obstrução à justiça e pertencer a uma organização suspeita de lavagem de dinheiro, parece-lhe bem? ― Afirmou a voz autoritária.
― Pertencer a quê…? Eu trabalho por conta própria. ― Respondi sem saber a que se referiam.
― E isto? Anda a planear as próximas férias, é? ― Perguntou com um tom sarcástico.
― O quê? ― Perguntei, tentando esfregar os olhos para poder ver, embora ainda tivesse a visão turva.
― Nova Iorque, Paris, Viena… O que vai lá fazer? Vai de férias? ― Voltou a perguntar com sarcasmo.
― Pediram-me para fazer um trabalho. ― Respondi sem perceber o que aquilo poderia ter de mal.
― Muito bem, continue a cooperar e lhe reduziremos a pena ― afirmou aquele que falava num tom autoritário.
― Pena? Qual pena? ― Perguntei sem sequer saber com quem estava a falar.
― Não me diga que acha que vai conseguir chegar a um acordo para o inocentarmos? Isso envolveria muito mais do que um simples testemunho, seria preciso chegar à cabeça da organização.
― Qual organização? Qual cabeça? ― Perguntei confuso, sem conseguir entender a que se devia toda aquela situação.
― Não se faça de idiota. A cabeça, o líder da quadrilha, esse tal de Mestre ― disse o sarcástico.
“Mestre?” Questionei-me a mim mesmo, tentando atar as pontas no pouco tempo em que tinha conseguido recuperar os sentidos. “Eles estão à procura daqueles que acabaram de sair daqui”.
― Não conheço nenhum Mestre ― afirmei decididamente, para ver as suas reações.
― Claro que não, devemos estar enganados. Andamos há meses atrás de uma pista sua, e por fim, quando chega à cidade, você não sabe o que ele veio cá fazer? Encontrar-se consigo e apanhar o primeiro voo de regresso não lhe parece suspeito? ― Perguntou com malícia como fazia o Rin-Tin-Tin.
― Para dizer a verdade, não. Talvez estivesse com pressa. ― Respondi-lhe com o mesmo tom de sarcasmo com que me falava.
― Então, você confirma que o conhece? ― Disse a voz autoritária.
― Não foi isso que eu disse. ― Respondi, confuso com a sua afirmação.
― Acabou de dizer que não conhece nenhum Mestre e agora já diz que ele estava com pressa. É óbvio que está a tentar encobri-lo. Porquê? ― Perguntou a voz autoritária.
Levei as mãos à cabeça e disse muito rapidamente:
― Quero um advogado. Não vou dizer mais nada sem ser na presença de um advogado, conheço os meus direitos.
― Nós não somos da polícia, muito menos do Fisco, somos da Segurança Nacional e você está metido num grande sarilho. Essas pessoas que você encobre são suspeitas de vários crimes, desde tráfico de influências, lavagem de dinheiros, tráfico de pessoas… e a lista continua. Na verdade, eles fazem o que lhes dá na gana, quando querem e onde bem entendem ― afirmou o homem encasacado que trazia na mão uma arma e falava com um tom autoritário.
Conseguia finalmente ver com clareza enquanto a minha mente se desanuviava. Além de mim, havia mais seis pessoas no quarto. Os dois encasacados que falavam comigo e outros quatro vestidos com capacetes e coletes à prova de balas e metralhadoras, daquelas de tamanho reduzido, tal e qual as que as forças de intervenção rápida usam em casos de sequestros e assim parecido.
Mas neste caso, eu era a vítima e eles, os sequestradores. Pelo menos assim parecia dada a desvantagem de seis contra um e o facto de todos estarem armados menos eu.
― De que corporação é que disseram que eram? ― Perguntei, lembrando-me de que não me tinham lido os direitos em momento nenhum.
― Não dissemos. ― Afirmou o que falava com voz autoritária, que devia ser o líder.
― Não sei o que querem, mas garanto-lhes que se enganaram na pessoa ― insisti na minha inocência.
― E estes bilhetes? ― Perguntou o segundo encasacado que agitava nervoso a arma, como se fosse disparar contra o teto, enquanto me mostrava os bilhetes de avião junto com a documentação que eu tinha recebido há alguns minutos atrás.
― É um trabalho, já lhe disse.
― Tem de levar alguma coisa?
― Não.
― Tem que ir buscar alguma coisa?
― Não.
― Então o que vai lá fazer? ― Perguntou o encasacado nervoso, atirando-me os bilhetes à cara.
― Traçar um perfil dessas pessoas.
― Um perfil? Está a querer enganar-nos? Acha mesmo que alguém que é procurado internacionalmente se daria ao trabalho de se mostrar para lhe encomendar um perfil? Mas você pensa que somos estúpidos ou quê? ― Perguntou aborrecido, deixando o tom irónico de lado.
― Eu não sei onde ele está, nem o que faz ou deixa de fazer, apenas estou a dizer-lhes que me encarregou deste trabalho.
― E quanto lhe ofereceu em troca?
― Quanto ofereceu?
― Sim, pelo trabalho. Quanto foi?
― Não falámos de dinheiro.
― Como assim? Ouça, já estou farto de ouvir estes disparates, deixe-me sacar-lhe a informação à minha maneira! ― Disse o encasacado nervoso para o outro encasacado que parecia ser o chefe. ― Dê-me meia hora com a porta fechada e faço-o cantar como um rouxinol.
― É a verdade ― eu disse, tentando levantar-me.
― Já lhe disse para não se levantar! ― Afirmou o autoritário enquanto me apontava a arma na direção dos olhos.
― Está bem! Está bem! Eu fico aqui, mas garanto-vos que é tudo o que sei.
― Para que é que ele quer esses perfis? Quem são estas pessoas? Quais são os seus objetivos? Contactos?…
― Não sei, já vos disse tudo o que sabia. ― Insisti, olhando para a arma que estava a escassos centímetros da minha cara.
― Espero bem que sim. Faremos o seguinte, queremos que você siga com o plano e entreviste estas pessoas, que faça o seu trabalho, e quando for entregar os perfis, nós interviremos ― disse o encasacado autoritário, que com um gesto de mão, fazia os outros saírem do quarto.
― Quando e onde será a entrega? ― Perguntou o nervoso, enquanto os homens das metralhadoras saíam do quarto, andando de costas para a porta.
― A entrega? Qual entrega? ― Perguntei vendo que o autoritário ainda não tinha baixado a sua arma.
― Dos perfis! Quando e onde é que tem que entregá-los? ― Perguntou o autoritário, aproximando ainda mais a sua arma.
― Não sei, não me disseram. ― Respondi, tratando de ser o mais convincente possível.
― Está a querer dizer que alguém vem até aqui, encomenda-lhe um serviço e que você não sabe se essa pessoa lhe pagará por esse serviço, nem onde e quando terá que entregar o resultado do serviço? ― Perguntou o segundo encasacado num tom sarcástico.
― É isso mesmo! ― Confirmei numa voz entrecortada.
― É inacreditável, está a fazer-nos perder tempo. Mas você acha que somos idiotas ou quê? ― Voltou a questionar o homem ansioso, andando de um lado para o outro no quarto.
― Já disse tudo o que sei, que mais querem de mim?
― Para começar, a verdade! ― Afirmou com voz autoritária o homem que tinha a arma apontada para mim.
― Já lhe disse várias vezes. Veio cá, disse qual era o trabalho, entregou-me a pasta e nem sequer a abri até se ter ido embora. E dentro estavam esses três ficheiros dessas três pessoas e esses três bilhetes de avião.
― Que esperto, até parece um pombo-correio ― afirmou o da voz autoritária, baixando a arma.
― Um quê? ―Perguntei confuso.
― Um pombo-correio, alguém que vai aos lugares sem saber o seu destino, assim se for apanhado não poderá dar informações de nada ― informou o homem ansioso num tom exaltado.
― E isso é bom? ― Perguntei sem saber se aquilo seria uma saída para aquela situação.
― Não pense que se livra com isso, você é tão culpado quanto os outros, apenas está menos informado ― afirmou o homem autoritário, baixando a arma.
― Então? ― Questionei vendo que a situação tinha amenizado.
― Então você vai cumprir o seu serviço, mas nós estaremos lá, não vamos perdê-lo de vista. O único problema é que está fora da nossa jurisdição e não tenho nenhuma autoridade nesses países, por isso vamos arranjar-lhe um parceiro.
― Um parceiro? ― Voltei a perguntar sem saber o porquê daquilo.
― Será o seu cão de guarda e nos manterá informados das suas ações. Se se portar bem e cooperar connosco, pode ser que lhe reduzam a pena.
― Outra vez essa história da condenação! ― Protestei face àquela ameaça.
― Não pensou que se iria livrar, pois não? ― Perguntou o ansioso, guardando a arma.
― Amanhã receberá uma visita, a partir daí, terá que fazer tudo o que lhe disser, entendido?
― Sim, claro, entendi. ― Afirmei, vendo que o ansioso estava a recolher os bilhetes que tinha atirado.
― Para o caso de querer brincar connosco, levaremos os papéis com os bilhetes, o seu cartão de cidadão e o seu passaporte. Que já agora, onde é que está?
― Em cima da mesa de cabeceira ― afirmei, estendendo as mãos, unidas por uma tira de plástico como se fossem algemas.
Depois de me confiscarem o passaporte e cortarem as amarras, disseram:
― Isto é como uma missão clandestina, em que você não deve fazer nenhum disparate, nem nada que faça com que suspeitem da nossa presença. Colabore e tudo acabará bem.
Dito isto, saíram do quarto, andando de costas para a porta, tal como tinham feito os tipos das metralhadoras.