Razão Para Se Apavorar - Блейк Пирс 2 стр.


Avery sentiu-se bem. Como se estivesse exorcizando seus demônios.

Ela não soube por quanto tempo ficou ali, sentada entre as caixas. Só soube que, ao se levantar, não queria mais depender de algo como álcool para se sentir bem. Ela precisava clarear sua mente e organizar seus pensamentos.

Sentiu uma dor familiar nas mãos, algo mais forte do que a necessidade de beber para afastar suas emoções. Cerrou os dedos e pensou em alvos de papel e na distância entre a arma e seus alvos.

Seu coração então confortou-se um pouco ao pensar em alguns poucos itens que tinha para decorar o quarto nos próximos dias. Não havia muita coisa, mas havia algo do qual Avery quase tinha se esquecido nos últimos dias. Devagar, tentando tomar coragem enquanto caminhava pela sala repleta de caixas, entrou no quarto.

Parou na porta por um momento e olhou para a arma, parada num canto.

O rifle era uma Remington 700 que pertencera a Avery desde sua formatura na faculdade. Durante seu último ano, ela havia feito planos de se mudar para algum lugar remoto, para poder caçar veados no inverno. Era algo que seu pai sempre fizera e, mesmo não sendo tão boa naquilo, Avery gostava. Suas amigas tiravam sarro por conta disso e provavelmente ela havia assustado um ou dois namorados na época da escola por conta de seu gosto pela caça. Quando seu pai morrera, sua mãe havia implorado para que ela ficasse com a arma, dizendo que seu pai gostaria que ela a guardasse.

E a arma a acompanhara, de mudança em mudança, geralmente ficando guardada em um guarda-roupas ou debaixo da cama. Dois dias depois de se mudar para a casa nova, Avery havia levado a arma até uma concessionária para limpá-la. Ao buscá-la, também comprou três caixas de munição.

Imaginando que poderia sentir vontade de atirar a qualquer momento, Avery vestiu suas calças térmicas. Não estava tão frio naquela manhã—um pouco acima de zero—mas ela não estava acostumada a andar pela floresta. Ela não tinha roupas camufladas, então se contentou com um par de calças verde-escuro e um suéter preto. Ela sabia que aquela não era a vestimenta mais segura para caçar veados, mas era o que ela tinha naquele momento.

Avery vestiu um par de luvas finas (tendo que buscar nas caixas para encontrá-las), colocou seu par de tênis mais velho e saiu. Entrou no carro e dirigiu por três quilômetros até uma extensão da estrada que levava a uma enorme floresta, que pertencia ao homem de quem ela havia comprado a casa. Ele havia lhe dado permissão para caçar em suas terras, quase como um bônus aleatório pela compra da casa por dez mil dólares acima do valor pedido.

Ela encontrou um lugar ao lado da estrada onde claramente caçadores vinham passando há anos. Estacionou ali, com o lado do motorista quase dentro da pista. Então, pegou seu rifle e entrou na floresta.

Avery sentiu-se boba desfilando pela floresta. Ela não caçava há pelo menos cinco anos—justamente no final de semana em que recebera a arma de sua mãe. Estava sem o equipamento adequado—botas, aroma de veado para borrifar nas árvores, chapéus ou coletes laranjas. Mas também sabia que aquela era uma manhã de quarta-feira, e que a floresta estaria basicamente sem nenhum outro caçador. Sentiu-se um pouco como aquela criança tímida que só joga basquete sozinha e sai correndo quando as crianças mais talentosas chegam.

Caminhou por vinte minutos e chegou a uma subida. Caminhou em silêncio, com a mesma precaução que tinha enquanto detetive de homicídios. A arma caía bem em suas mãos, ainda que parecesse um pouco estranha. Avery era acostumada a usar armas menores, principalmente sua Glock, e por isso o rifle parecia muito poderoso. Ao chegar ao topo da pequena subida, viu carvalho caído a vários metros. Utilizou-o para se abaixar e se esconder, sentada no chão e encostando-se em uma árvore. Reclinada, soltou o rifle a seu lado e olhou para o topo das árvores.

Avery ficou ali em paz, sentindo-se ainda mais cercada pelo mundo do que quando estivera em sua varanda, um hora antes. Sorriu ao imaginar Rose ali com ela. Rose odiava estar ao livre e provavelmente desaprovaria se soubesse que sua mãe estava sentada em uma floresta, com um rifle, procurando um veado para matar. Pensando em Rose, Avery pode limpar sua mente e focar em tudo a seu redor. E quando pode fazer isso, os instintos de sua carreira apareceram.

Ela ouviu folhas mexendo no chão, assim como nas árvores, enquanto as últimas folhas teimosas teimavam em sobreviver ao inverno. Escutou algo à sua direita, um pouco acima, provavelmente um esquilo. Acostumada com seu entorno, finalmente pode relaxar.

Ouviu tudo aquilo, mas também viu seus próprios pensamentos tomando forma. Jack e sua namorada, ambos mortos. Ramirez, morto. Pensou em Howard Randall, caindo na água, provavelmente também morto. E por fim... viu Rose... como ela estivera constantemente em perigo por conta do trabalho de sua mãe. Rose não merecia aquilo. Ela havia feito o possível para ser uma filha querida até que finalmente chegara a seu limite.

Na verdade, Avery havia se impressionado por quanto tempo Rose havia segurado aquela barra. Especialmente depois do último caso, onde a vida dela estivera literalmente em perigo. E aquela não fora a primeira vez.

O barulho de um galho se quebrando atrás de Avery chamou sua atenção. Seus olhos se abriram rapidamente e, mais uma vez, ela olhou para o topo das árvores. Devagar, pegou o rifle ao ouvir um outro barulho vindo de trás de si.

Aproximou o rifle de seu corpo e lentamente o engatilhou. Levantou-se com cautela. Respirou fundo, cuidando para não mover as folhas. Seus olhos escanearam a área embaixo da pequena subida onde ela estava escondida. Ela viu um veado à esquerda, a cerca de cem metros. Era um macho pelo que ela podia ver. Não era grande, mas já era algo. Avery viu outro mais longe, porém parcialmente coberto por duas árvores.

Voltou a se mexer, colocando o rifle ao lado do carvalho caído. Flexionou o dedo para encontrar o gatilho e firmou a mão. Tentou mirar e teve mais dificuldade do que estava esperando. Finalmente, acertou a mira e disparou.

O barulho do tiro tomou conta da floresta. A arma ricocheteou, mas apenas levemente. Ao atirar, Avery sentiu seu braço desviar para a direita.

Então, viu o veado escapando.

Quando o som da bala encheu seus ouvidos em meio à floresta, algo em sua mente pareceu congelá-la. Em um momento paralisante, Avery não pode se mexer. Naquele momento, ela não estava na floresta, tendo falhado na caça a um veado. Ao invés disso, estava na sala de Jack. Havia sangue por todos os lados. Ele e sua namorada haviam sido mortos. Ela não havia conseguido evitar e, por isso, sentia que ela tinha matado os dois. Rose estava certa. Era culpa dela. Ela poderia ter evitado se fosse mais rápida—se tivesse sido melhor.

Os olhos ensanguentados de Jack a olhavam, mortos e parecendo pedir ajuda. Por favor, diziam. Por favor, volte e faça tudo certo.

Avery largou a arma. O rifle caiu no chão e, novamente, ela viu-se chorando. Lágrimas quentes, abundantes. Pareciam pequenas corredeiras de fogo descendo por seu rosto frio.

- É minha culpa – ela disse, sozinha na floresta. – É minha culpa. Tudo isso.

Não só Jack e a namorada... não. Ramirez, também. E todos que ela não havia conseguido salvar. Ela deveria ter feito melhor, muito melhor.

Avery viu a foto de Jack e Rose na frente da árvore de Natal em sua mente. Ela encolheu-se como uma bola no carvalho caído e começou a tremer.

Não, pensou. Não agora, não aqui. Recomponha-se, Avery.

Segurou a onda de emoções e respirou fundo. Não foi tão difícil. Afinal de contas, ela vinha lidando com aquilo por pelo menos uma década. Devagar, levantou-se, pegando a arma do chão. Olhou rapidamente para o lugar onde estavam os dois veados. Não se arrependeu de ter errado o tiro. Simplesmente, não se importou.

Virou-se para o lado de onde tinha vindo, carregando o rifle no ombro e uma década de culpa no coração.

***

No caminho de volta para casa, Avery imaginou que era algo bom não ter matado o veado. Ela não tinha ideia de como tiraria o animal da floresta. Arrastaria até o carro? Amarraria em uma corda para trazê-lo até em casa? Ela conhecia o suficiente sobre caça para saber que era ilegal deixar um animal morto na floresta.

Em qualquer outro momento, ela teria achado a imagem de um veado no topo de seu carro hilária. Mas, naquela hora, pareceu apenas algo sem graça. Apenas mais um assunto indefinido em sua mente.

Prestes a chegar à estrada, Avery sentiu seu telefone tocando. Pegou-o e viu um número que não reconheceu, mas com um código de área que havia visto durante quase toda sua vida. A ligação vinha de Boston.

Cética, Avery atendeu, sabendo por conta de sua carreira que ligações de números desconhecidos geralmente traziam problemas.

- Alô?

- Olá, é a senhora Black? Senhora Avery Black? – uma voz feminina perguntou.

- Sim. Quem fala?

- Meu nome é Gary King. Sou o dono do lugar onde sua filha está morando. Seu nome está nos formulários dela e—

- Rose está bem? – Avery perguntou.

- Até onde eu sei, sim. Mas estou ligando por outro motivo. Primeiro, ela está com aluguel atrasado. Está duas semanas atrasado e é a segunda vez em três meses. Eu tentei ir até lá e falar com ela, mas ela não atende a porta. E ela não atende minhas ligações.

- Com certeza você não precisa de mim para isso – Avery disse. – Rose é uma mulher crescida e pode lidar com o dono do apartamento onde ela mora.

- Bom, não é só isso. Eu recebi ligações de uma vizinha reclamando de barulhos de choro alto à noite. A mesma vizinha diz ser bem amiga de Rose. Ela diz que Rose anda muito diferente ultimamente. Que ela fica falando que tudo é uma droga e que a vida não faz sentido. Ela diz que está preocupada com Rose.

- Quem é essa amiga? – Avery perguntou. Era difícil negar a si mesma que ela estava praticamente entrando no modo detetive.

- Desculpe, mas não posso dizer. É a lei.

Avery sabia que o senhor King estava certo, então não pressionou.

- Eu entendo. Obrigado por ligar, senhor King. Vou falar com ela agora mesmo. E vou me certificar de que você receba seu dinheiro.

- Tudo bem, obrigado... mas eu estou sinceramente mais preocupado com o que pode estar acontecendo com a Rose. Ela é uma menina do bem.

- Sim, é mesmo – Avery disse e encerrou a ligação.

Naquele momento, ela já estava a menos de um quilômetro de sua nova casa. Discou o número de Rose e telefonou ao pisar mais fundo no acelerador. Tinha certeza que sua filha não atenderia, mas ainda assim tinha uma ponta de esperança a cada toque.

Como esperava, a ligação caiu na caixa de mensagens. Rose havia atendido apenas uma de suas ligações desde a morte de seu pai, e fora quando ela estava muito bêbada. Avery optou por não deixar mensagens, sabendo que Rose não escutaria, muito menos retornaria a ligação.

Avery estacionou na calçada, deixando o motor ligado, e correu para dentro de casa apenas para vestir algo mais apresentável. Voltou ao carro três minutos depois, seguindo na direção de Boston. Ela tinha certeza que Rose ficaria brava com sua mãe indo até lá, mas sabia que não tinha outra escolha, dada a ligação de Gary King.

Quando a estrada começou a apresentar menos curvas, Avery aumentou a velocidade. Ela não sabia o que o futuro a reservava sobre seu antigo trabalho, mas sabia que sentia falta de uma coisa sobre trabalhar nas forças a lei: a permissão para quebrar os limites de velocidade sempre que precisasse.

Rose estava em apuros.

Ela sabia.

CAPÍTULO DOIS

Era pouco mais de uma hora quando Avery chegou à casa de Rose. Ela morava em um apartamento no térreo de um prédio em uma zona boa da cidade. Conseguia pagá-lo por conta das gorjetas que recebia como bartender em um bar chique—um trabalho que havia conseguido antes da mudança de Avery para a floresta. Seu trabalho anterior havia sido um pouco menos glamoroso, como garçonete em um restaurante simples, ao mesmo tempo que editava anúncios para algumas agências trabalhando de casa. Avery queria que Rose apenas estudasse e terminasse a faculdade, mas sabia que quanto mais pressionasse, mais Rose escolheria outro caminho.

Avery bateu na porta, sabendo que Rose estava em casa porque seu carro estava estacionado na rua. Mesmo sem aquela dica, Avery sabia que desde quando fora morar sozinha, Rose escolhera optar por trabalhar com horários à noite, para que pudesse dormir até tarde e ficar em casa durante o dia. Ela bateu mais forte na porta e quase chamou o nome de Rose. Decidiu não falar nada, percebendo que sua voz seria menos bem-vinda do que a do dono do prédio que queria cobrar o aluguel.

Ela provavelmente sabe que sou eu porque eu tentei ligar antes, pensou.

Por conta disso, Avery sabia que a melhor opção seria outra: negociar.

- Rose – disse, batendo novamente. – Abra. É sua mãe. Está frio aqui fora.

Avery esperou por um momento e não ouviu nada. Ao invés de bater novamente, ela aproximou-se da porta, o máximo possível. Quando voltou a falar, levantou a voz apenas o suficiente para ser ouvida, mas sem causar uma cena na rua.

- Você pode continuar me ignorando se quiser, mas eu vou continuar ligando, Rose. E se eu quiser fazer disso uma obsessão, lembre-se de qual era meu trabalho. Se eu quiser saber onde você está a qualquer hora, eu posso. Ou você pode facilitar as coisas para nós duas e só abrir a porta.

Ao dizer aquilo, Avery bateu novamente na porta. Dessa vez, foi atendida em alguns segundos. Rose abriu devagar. Ela colocou apenas a cabeça para fora, como se não confiasse na pessoa que estava do outro lado da porta.

- O que você quer, mãe?

- Entrar por um ou dois minutos.

Rose pensou naquilo por um momento e então abriu a porta. Avery fez o possível para não dar muita atenção ao fato de que Rose havia perdido peso. Bastante, na verdade. Ela também havia pintado o cabelo de preto e o alisado.

Avery entrou e encontrou o apartamento totalmente limpo. Havia um ukulele no sofá, algo que não parecia pertencer àquele lugar. Avery apontou para o instrumento com um olhar desconfiado.

- Eu queria aprender a tocar algo – Rose disse. – Violão consome muito tempo e piano é muito caro.

- Você já aprendeu algo? – Avery perguntou.

- Já sei fazer cinco notas. Quase posso tocar uma música.

Avery assentiu, impressionada. Ela quase pediu para ouvir a música, mas percebeu que estaria forçando as coisas. Então, pensou em sentar-se no sofá, mas não queria parecer intrometida. Ela sabia que Rose não estenderia o convite.

- Estou bem, mãe – Rose disse. – Se é por isso que você está aqui...

- É sim – Avery disse. – Eu queria falar com você há tempos. Eu sei que você me odeia e me culpa por tudo o que aconteceu. É uma merda, mas eu posso lidar com isso. Mas hoje recebi uma ligação do dono da casa.

- Senhor – Rose disse. – Esse otário não me deixa em paz e—

- Ele só quer o aluguel, Rose. Você tem? Você tem dinheiro para pagar?

Rose riu da pergunta.

- Eu ganhei trezentos dólares de gorjeta só ontem à noite – ela disse. – E quase o dobro disso no sábado. Então não... não tenho dinheiro.

- Que bom. Mas... bem, ele também disse que está preocupado com você. Que soube de coisas que você falou. Não me engane, Rose. Como você está de verdade?

- De verdade? – Rose perguntou. – Como estou de verdade? Bom, eu sinto falta do meu pai. E quase fui morta pelo mesmo babaca que matou ele. E eu sinto sua falta, também, mas não consigo lembrar de você sem lembrar de como ele morreu. Eu sei que isso é uma merda, mas sempre que eu penso no pai e em como ele morreu, isso me faz te odiar. E me faz perceber que desde que você entrou a fundo na carreira de detetive, minha vida sofreu muito, de um jeito ou de outro.

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