— Anda. — Maya se encolheu quando o assassino entrou no banheiro atrás deles. Seu coração afundou. Ele não as deixaria sozinhas, nem mesmo por um minuto. — Você, ali. — Ele apontou para Maya e para a segunda cabine dos três. — Você, ali. — Ele instruiu Sara para a terceira.
Maya soltou a mão da irmã e entrou na cabine. Estava imundo; ela não desejaria usá-lo, mesmo se realmente precisasse, mas pelo menos teria que fingir. Ela começou a empurrar a porta, mas Rais a parou com a palma da mão.
— Não — ele disse a ela. — Deixe aberto. — E então ele virou as costas, de frente para a saída.
Ele não está arriscando. Ela lentamente se sentou na tampa fechada do vaso sanitário e respirou entre suas mãos. Não havia nada que pudesse fazer. Ela não tinha armas contra ele. Ele tinha uma faca e duas armas, uma das quais estava na mão, escondida no bolso da jaqueta. Ela poderia tentar pular nele e deixar Sara sair, mas ele estava bloqueando a porta. Rais já tinha matado o Sr. Thompson, um ex-fuzileiro naval que parecia um urso e que teria evitado uma briga a qualquer custo. Que chance ela teria contra ele?
Sara fungou na barraca ao lado dela. Este não é o momento certo para agir, Maya sabia. Ela tinha esperanças, mas teria que esperar novamente.
De repente houve um rangido alto quando a porta do banheiro foi aberta, e uma voz feminina surpresa disse:
— Oh! Desculpe-me... Estou no banheiro errado?
Rais deu um passo para o lado, passou pela cabine e saiu da vista de Maya.
— Desculpe-me, senhora. Não, você está no lugar certo — sua voz imediatamente assumiu um tom de afeto agradável e até cortês. —Minhas duas filhas estão aqui e... Bem, talvez eu seja super protetor, mas você não pode descuidar hoje em dia.
A raiva inchou no peito de Maya com a desculpa. O fato de esse homem tê-las tirado do pai e se atrever a fingir ser ele a deixava com raiva.
— Oh... Compreendo. Eu só preciso usar a pia — a mulher disse a ele.
— Claro.
Maya ouviu as batidas dos sapatos contra o azulejo e, então, uma mulher apareceu parcialmente em seu campo de visão, de costas para ela enquanto abria a torneira. Ela parecia ter meia-idade, com cabelos loiros pouco abaixo da altura dos ombros e vestia-se de forma elegante.
— Não posso dizer que te culpo — a mulher disse a Rais. — Normalmente eu nunca pararia em um lugar como este, mas eu derramei café a caminho de visitar minha família e... Ah... — Ela parou enquanto olhava para o espelho.
No reflexo, a mulher pôde ver a porta da cabine aberta, e Maya sentada em cima do vaso sanitário fechado. Maya não tinha ideia de como ela poderia parecer para um estranho - cabelo emaranhado, bochechas inchadas de tanto chorar, olhos avermelhados -, mas ela podia imaginar que era provável que seria um motivo de alarme.
O olhar da mulher voou para Rais e depois voltou ao espelho.
— Ah... Eu simplesmente não conseguiria dirigir por mais uma hora e meia com as minhas mãos pegajosas... — Ela olhou por cima do ombro, a água ainda correndo, e então ela murmurou três palavras muito claras para Maya.
Você está bem?
O lábio inferior de Maya tremeu. Por favor, não fale comigo. Por favor, nem mesmo olhe para mim. Ela balançou a cabeça lentamente. Não.
Rais deve ter se virado, outra vez, para a porta, porque a mulher assentiu devagar. Não! Maya pensou desesperadamente. Ela não estava tentando pedir ajuda.
Ela estava tentando impedir que essa mulher sofresse o mesmo destino que Thompson.
Maya acenou com a mão para a mulher e mandou uma palavra para ela. Vai. Vai.
A mulher franziu a testa profundamente, as mãos ainda molhadas. Ela olhou na direção de Rais novamente.
— Eu suponho que seria muito pedir toalhas de papel, hein?
Ela disse muito forçadamente.
Entã,o ela apontou para Maya com o polegar e o mindinho, fazendo um sinal de telefone com a mão. Ela parecia estar sugerindo que ligaria para alguém.
Por favor, apenas vá.
Quando a mulher voltou-se para a porta, houve um borrão de movimento no ar. Aconteceu tão rápido que a princípio Maya nem teve certeza de que algo tivesse, de fato, acontecido. A mulher congelou, arregalando os olhos em choque.
Um fino arco de sangue jorrou de sua garganta aberta, borrifando contra o espelho e a pia.
Maya apertou as duas mãos sobre a boca para reprimir o grito que tentava sair de seus pulmões. Ao mesmo tempo, as mãos da mulher voaram até o pescoço, mas não houve como impedir o dano que havia sido feito. O sangue escorria como um riacho entre os dedos enquanto ela caía de joelhos, um suave gorgolejo escapando de seus lábios.
Maya apertou os olhos, ambas as mãos ainda sobre a boca. Ela não queria ver isso. Ela não queria ver essa mulher morrer por causa dela. Sua respiração veio pesada, soluços sufocantes. Da cabine ao lado, ela ouviu Sara choramingando baixinho.
Quando ela se atreveu a abrir os olhos novamente, a mulher a encarava. Uma bochecha descansada contra o chão molhado e imundo.
A poça de sangue que escapara de seu pescoço quase alcançou os pés de Maya.
Rais inclinou-se para a cintura dela e limpou a faca na blusa da mulher. Quando ele olhou para Maya novamente, não era raiva ou angústia em seus olhos muito verdes. Era decepção.
— Eu te disse o que aconteceria — ele falou suavemente. — Você tentou sinalizar para ela.
As lágrimas obscureceram a visão de Maya.
— Não. — Ela conseguiu soltar. Ela não conseguia controlar os lábios trêmulos, as mãos trêmulas. — Eu não fiz isso…
— Sim — disse ele calmamente. — Você fez. O sangue dela está em suas mãos.
Maya começou a hiperventilar, sua respiração entrando em tragadas ofegantes. Ela se inclinou, colocando a cabeça entre os joelhos, os olhos cerrados e os dedos nos cabelos.
Primeiro senhor Thompson e agora essa mulher inocente. Os dois tinham morrido, simplesmente, por estarem muito perto dela, muito perto do que esse maníaco queria - e ele havia provado duas vezes que estava disposto a matar, mesmo indiscriminadamente, para conseguir o que queria.
Quando ela finalmente recuperou o controle de sua respiração e se atreveu a olhar para cima novamente, Rais tinha a bolsa preta da mulher e estava a vasculhando. Ela viu quando ele pegou o telefone e arrancou a bateria e o cartão SIM.
— Levante-se — ele ordenou Maya entrando na cabine. Ela se levantou rapidamente, prensando a si mesma contra a divisória de metal da cabine e prendendo a respiração.
Rais jogou a bateria e o cartão SIM no vaso sanitário e deu descarga. Então ele se virou para encará-la, a poucos centímetros de distância no espaço estreito. Ela não conseguia encontrar seu olhar. Em vez disso, ela olhou para o queixo dele.
Ele balançou algo diante do rosto dela - um molho de chaves de carro.
— Vamos — ele disse baixinho. Ele deixou a cabine, aparentemente sem nenhum problema em andar pela grande poça de sangue no chão.
Maya piscou. A parada de descanso não tinha nada a ver com deixá-las usar o banheiro. Não era sobre esse assassino mostrando um pingo de humanidade. Era uma chance para ele abandonar a caminhonete de Thompson. Pois a polícia pode estar procurando por ela.
Pelo menos ela esperava que estivessem. Se o pai dela ainda não tivesse voltado para casa, havia poucas chances de que alguém soubesse que as Lawson estavam desaparecidas.
Maya andou o mais cautelosamente possível para evitar a poça de sangue - e para evitar olhar para o corpo no chão. Cada junta de seu corpo parecia ser feita de gelatina. Ela se sentia fraca, impotente contra esse homem. Toda a determinação que ela reunira há poucos minutos na caminhonete se dissolvera como açúcar em água fervente.
Ela pegou Sara pela mão.
— Não olhe — sussurrou e guiou sua irmã mais nova ao redor do corpo da mulher. Sara olhou para o teto, respirando fundo através da boca aberta. Lágrimas frescas riscavam ambas as suas bochechas. Seu rosto estava branco como um lençol e sua mão fria e úmida.
Rais abriu alguns centímetros da porta do banheiro e espiou o lado fora. Ele levantou uma mão.
— Esperem.
Maya olhou através dele e viu um homem corpulento com um boné de caminhoneiro se afastando do banheiro masculino, secando as mãos nas calças jeans. Ela apertou a mão de Sara e, com a outra, instintivamente alisou o próprio cabelo, que estava emaranhado e bagunçado.
Ela não podia lutar contra esse assassino, a menos que tivesse uma arma. Não podia tentar pedir a ajuda de um estranho, ou eles poderiam sofrer o mesmo destino que a mulher morta atrás deles. Ela tinha apenas uma escolha agora, esperar e torcer para que seu pai viesse atrás delas... O que ele só poderia fazer se soubesse onde elas estavam, e não havia nada para ajudá-lo a encontrá-las. Maya não tinha como deixar pistas ou um rastro.
Seus dedos se enroscaram em seus cabelos e saíram com alguns fios soltos. Ela os sacudiu da mão e eles caíram lentamente no chão.
Cabelo.
Ela tinha cabelo. E cabelo podia ser testado - isso era o básico de forense. Sangue, saliva, cabelo. Qualquer uma dessas coisas poderia provar que ela esteve em algum lugar, e que ela ainda estava viva quando esteve lá. Quando as autoridades encontrarem a caminhonete de Thompson, encontrariam a mulher morta e coletariam amostras. Eles encontrariam o cabelo dela. Seu pai saberia que elas estiveram lá.
— Andem — disse Rais. — Saiam. Ele segurou a porta enquanto as duas meninas saíram de mãos dadas do banheiro. Ele as seguiu, olhando ao redor mais uma vez para garantir que ninguém estava olhando. Então, pegou o pesado revólver Smith & Wesson do senhor Thompson e virou-o na mão. Com um único movimento sólido, ele balançou o punho da arma para baixo e arrancou a maçaneta da porta do banheiro.
— Carro azul — apontou com o queixo e guardou a arma. As meninas andaram lentamente para um sedan azul-escuro estacionado a algumas vagas da caminhonete de Thompson. A mão de Sara tremia junto à de Maya - ou talvez fosse a de Maya que estivesse tremendo, ela não tinha certeza.
Rais manobrou o carro para fora da parada de descanso e de volta à interestadual, porém, não para o sul, como eles estavam indo antes. Em vez disso ele fez a volta e dirigiu para o norte. Maya entendeu o que ele estava fazendo; quando as autoridades encontrassem a caminhonete de Thompson, assumiriam que ele seguiria para o sul. Procurariam por ele e por elas nos lugares errados.
Maya arrancou alguns fios de cabelo e os jogou no chão do carro. O psicopata que as sequestrou estava certo sobre uma coisa; o destino delas estava sendo determinado por outro poder, neste caso, ele. E era um que Maya ainda não podia compreender plenamente.
Elas tinham, agora, apenas uma chance de evitar qualquer destino que lhes estivesse reservado.
— O papai virá — ela sussurrou no ouvido de sua irmã. — Ele vai nos encontrar.
Ela tentou não soar tão incerta quanto se sentia.
CAPÍTULO DOIS
Reid Lawson subiu rapidamente as escadas de sua casa em Alexandria, na Virgínia. Seus movimentos pareciam rígidos, suas pernas ainda entorpecidas pelo choque que experimentara há apenas alguns minutos, mas seu olhar se fixou em uma expressão de determinação sombria. Ele subiu os degraus de dois em dois para o segundo andar, embora temesse o que estaria lá em cima - ou, mais apropriadamente, o que não estaria.
No andar de baixo e do lado de fora havia uma agitação. Na rua, em frente à sua casa, tinha nada menos que quatro carros da polícia, duas ambulâncias e um caminhão de bombeiros, todos os protocolos para uma situação como essa. Policiais uniformizados esticaram fita de isolamento formando um X sobre a porta da frente. A perícia coletava amostras do sangue de Thompson, no saguão, e folículos capilares nos travesseiros de suas filhas.
Reid mal conseguia se lembrar de chamar as autoridades. Ele mal se lembrava de ter dado à polícia uma declaração, palavras confusas balbuciadas em frases fragmentadas pontuadas por respirações curtas e ofegantes, enquanto sua mente nadava em possibilidades terríveis.
Ele tinha saído no fim de semana com um amigo. Um vizinho estava cuidando de suas filhas.
O vizinho estava morto agora. Suas filhas estavam desaparecidas.
Reid fez uma ligação quando chegou ao topo da escada e longe dos ouvidos curiosos.
— Você deveria ter nos chamado primeiro — disse Cartwright como saudação. O Diretor Adjunto Shawn Cartwright era o chefe da Divisão de Atividades Especiais e, não oficialmente, o chefe de Reid na CIA.
Eles já ouviram.
— Como sabia?
— Você está marcado — informou Cartwright. — Nós todos estamos. Sempre que nossa informação aparece em um sistema - nome, endereço, identificação social, qualquer coisa - ela é enviada automaticamente para a NSA como prioridade. Inferno, você recebe uma multa por excesso de velocidade que a agência saberá antes do policial te liberar.
— Eu tenho que encontrá-las. — Cada segundo que passava era um coro estrondoso, o lembrando de que ele nunca mais veria suas filhas se não saísse agora, neste instante. — Eu vi o corpo de Thompson. Ele está morto há pelo menos vinte e quatro horas, o que é uma vantagem significativa para nós. Preciso de equipamentos e preciso ir agora.
Dois anos atrás, quando sua esposa, Kate, morreu repentinamente de um acidente vascular cerebral isquêmico, ele se sentiu completamente entorpecido. Um sentimento atordoado de distanciamento tomou conta de si. Nada parecia real, como se a qualquer momento ele fosse acordar do pesadelo e descobrir que tudo tinha sido sua imaginação.
Ele não estava lá por ela. Ele estava em uma conferência sobre a história da Europa antiga - não, isso não era verdade. Essa era a sua história para encobrir que ele estava em uma missão da CIA em Bangladesh, buscando o líder de uma facção terrorista.
Na época, ele não estava com a Kate. Ele não estava presente para ajudar suas garotas quando elas foram levadas.
Mas ele tinha certeza absoluta de que estará presente para elas agora.
— Nós vamos ajudá-lo, Zero — assegurou-lhe Cartwright. — Você é um de nós e cuidamos dos nossos. Estamos enviando técnicos até sua casa para ajudar a polícia na investigação, fingindo ser o pessoal da Segurança Interna. Nossos forenses são mais rápidos; devemos ter uma pista de quem fez isso dentro de...
— Eu sei quem fez isso — Reid interrompeu. — Foi ele.
Não havia dúvida na mente de Reid de quem era responsável por isso, quem tinha vindo e levado suas filhas.
— Rais. — Apenas dizer o nome em voz alta reascendeu a raiva de Reid, começando em seu peito e irradiando através de cada membro. Ele cerrou os punhos para impedir que suas mãos tremessem. — O assassino da Amun que escapou da Suíça. Foi ele.
Cartwright suspirou.
— Zero, até que haja provas, não sabemos com certeza.
— Eu sei. Tenho certeza. Ele me enviou uma foto delas. — Ele tinha recebido uma foto, enviada pelo celular de Maya para o de Sara. A foto era de suas filhas, ainda de pijama, abraçadas na traseira da caminhonete roubada de Thompson.
— Kent — o diretor djunto disse cuidadosamente. — Você fez muitos inimigos. Isso não é totalmente certo...
— Foi ele. Eu sei que foi ele. Essa foto é uma prova de que elas estão vivas. Ele está me provocando. Qualquer outra pessoa teria apenas... — Ele não conseguiu dizer em voz alta, mas, quaisquer um dos outros inimigos que Kent Steele acumulara ao longo de sua carreira teria simplesmente matado suas filhas como vingança. Rais estava agindo assim porque ele era um fanático que acreditava estar destinado a matar Kent Steele. Isso significava que, cedo ou tarde, o assassino iria querer que Reid o encontrasse - e, com sorte, as garotas também.