Morte e um Cão - Грейс Фиона 3 стр.


Isso deveria deixar Lacey feliz, mas, na verdade, a perturbou. Porque foi exatamente assim que as coisas se passaram com David, no início. Saber o que o outro ia pedir. Fazer pequenos favores um para o outro. Pequenos momentos de rotina ritmados que a fizeram sentir que eles eram peças de um quebra-cabeça que se encaixavam perfeitamente. Ela era jovem e tola, e tinha cometido o erro de pensar que sempre seria assim. Mas havia sido apenas o período de lua de mel. Tudo passou um ou dois anos depois, e, naquele ponto, ela já estava presa no casamento.

Era apenas disso que se tratava este seu relacionamento com Tom? Uma fase de lua de mel que um dia iria passar?

"No que você está pensando?" Tom perguntou, e sua voz se intrometeu na ansiosa ruminação dela.

Lacey quase cuspiu seu chá. "Em nada".

Tome levantou uma sobrancelha. "Nada? A chicória teve tão pouco impacto sobre você que todos os seus pensamentos saíram de sua mente?"

"Ah, a chicória!" ela exclamou, corando.

Tom pareceu se divertir ainda mais. "Sim. o que mais poderia ser?"

Lacey colocou a xícara desajeitadamente de volta sobre o pires, causando um tilintar alto. "É bom. Adocicado. Nota oito".

Tom assoviou. "Uau. Uma nota alta. Mas não o suficiente para destronar o Assam".

"Será preciso um chá excepcional para destronar o Assam".

Seu pânico momentâneo de que Tom tivesse a capacidade de ler sua mente diminuiu, e Lacey voltou sua atenção para o café da manhã, saboreando a geléia de damasco caseira combinada com amêndoas tostadas e deliciosos quitutes amanteigados. Mas mesmo a comida saborosa não impediu sua mente de vagar para a conversa com David. Foi a primeira vez que ela ouviu a voz dele desde que o ex-marido saiu do antigo apartamento em Upper East Side declarando como despedida: "Meu advogado entrará em contato!" e ouvir sua voz novamente lembrou Lacey que, há menos de um mês, ela era uma mulher relativamente feliz, casada, com um emprego estável e uma renda e uma família próxima na cidade em que tinha passado sua vida toda. Mesmo sem saber que estava fazendo isso, ela bloqueou sua vida passada em Nova York com uma parede sólida em sua mente. Foi uma estratégia que ela desenvolveu quando criança para lidar com o sofrimento causado pelo súbito desaparecimento de seu pai. Evidentemente, ouvir a voz de David abalou os alicerces daquele muro.

"Deveríamos sair de férias", Tom falou de repente.

Mais uma vez, Lacey quase cuspiu sua comida, mas Tom deve ter notado, porque continuou falando.

"Quando eu voltar do meu curso de focaccia, devíamos fazer uma viagem rápida. Nós dois temos trabalhando demais, merecemos um descanso. Podemos ir à minha cidade natal, Devon, e mostrarei a você todos os lugares que eu amava quando criança".

Se Tom tivesse sugerido isso ontem, antes da ligação de David, Lacey provavelmente teria aceitado na hora. Mas, de repente, a ideia de fazer planos de longo prazo com seu novo beau – ainda que fosse apenas daqui a uma semana – parecia precipitado. É claro que Tom não tinha nenhuma razão para não se sentir confiante com sua vida. Mas não fazia muito tempo que Lacey tinha se divorciado. Ela havia entrado no mundo de relativa estabilidade dele num ponto em que literalmente cada parte do dela havia se tornado instável – seu trabalho, sua casa, seu país e até seu estado civil! Ela tinha passado de tomar conta de seu sobrinho, Frankie, enquanto sua irmã, Naomi, ia para mais um encontro desastroso, para espantar ovelhas do gramado da frente de sua casa; de ouvir os gritos de sua chefe, Saskia, numa firma de design de interiores de Nova York, para excursões em busca de antiguidades na região de Mayfair, em Londres, com sua peculiar vizinha idosa, e dois cães pastores a reboque. Era mudança demais de uma vez só, e ela não tinha tanta certeza de onde pôr os pés.

"Tenho que ver o quanto estou ocupada com a loja", respondeu ela, sem se comprometer. "O leilão está dando mais trabalho do que eu imaginava".

"Claro", disse Tom, parecendo não ter lido nas entrelinhas. Captar sutilezas e subtextos não era um dos pontos fortes de Tom, mais uma coisa que ela gostava nele. Ele entendia tudo o que ela dizia de forma literal. Ao contrário de sua mãe e irmã, que lhe davam alfinetadas e cutucavam e dissecavam cada palavra que ela dizia, não havia suposições ou indiretas com Tom. Ele gostava de ser transparente.

Nesse momento, o sino acima da porta da confeitaria tilintou e Tom olhou por cima do ombro de Lacey. Ela viu a expressão dele se transformar em uma careta antes que seu olhar voltasse a encontrar o dela.

"Ótimo", ele murmurou baixinho. "Fiquei me perguntando quando chegaria a minha vez de receber uma visita de faísca e fumaça. Por favor, me dê licença por um segundo".

Ele se levantou e contornou a parte de trás do balcão.

Curiosa para ver quem poderia provocar uma resposta tão visceral de Tom – um homem notoriamente descontraído e gentil – Lacey girou em seu banquinho.

Os clientes que entraram na confeitaria eram um homem e uma mulher, que pareciam ter acabado de sair do set da série de televisão Dallas. O homem vestia um terno azul claro com um chapéu de cowboy. A mulher – muito mais jovem, observou Lacey ironicamente, como parecia ser a preferência da maioria dos homens de meia idade – usava um conjuntinho rosa fúcsia tão vibrante que deu dor de cabeça em Lacey, e que se chocava terrivelmente com seus cabelos amarelos no estilo Dolly Parton.

"Gostaríamos de experimentar algumas amostras", o homem rosnou. Ele era americano, e sua rispidez parecia muito fora de lugar na pequena e pitoresca confeitaria de Tom.

Nossa, espero que Tom não ache que eu fale assim, Lacey pensou, um pouco envergonhada.

"É claro", respondeu Tom educadamente, parecendo ainda mais britânico em resposta. "O que vocês gostariam de experimentar? Temos doces e…"

"Eca, Buck, não", disse a mulher ao marido, puxando o braço dele no qual se apoiava. "Você sabe que o trigo me deixa inchada. Peça a ele algo diferente".

Lacey não pôde deixar de levantar uma sobrancelha para o par estranho. A esposa era incapaz de fazer suas próprias perguntas?

"Tem chocolate?" o homem a quem ela se referiu como Buck perguntou. Ou melhor, estava mais para exigiu, já que seu tom era muito grosseiro.

"Tenho", disse Tom, conseguindo manter a calma na frente de Boca-suja e sua esposa Barbie.

Ele lhes mostrou a vitrine de chocolates, fazendo um gesto com a mão. Buck agarrou um com sua mão carnuda e o enfiou na boca.

Quase imediatamente, ele cuspiu. O pequeno pedaço pegajoso e meio mastigado de chocolate caiu no chão.

Chester, que estava sentado muito quieto aos pés de Lacey, se levantou de repente e se lançou para ele.

"Chester. Não", Lacey o advertiu com a voz firme e autoritária que ele conhecia muito bem, e à qual tinha que obedecer. "Veneno".

O pastor inglês olhou para ela, depois olhou com tristeza para o chocolate, antes de finalmente voltar a sua posição aos pés dela com a expressão de uma criança contrariada.

"Eca, Buck, tem um cachorro aqui!" a mulher loira falou. "É tão anti-higiênico".

"A higiene é o menor dos problemas dele", zombou Buck, olhando para Tom, que agora estava com uma expressão levemente mortificada. "Seu chocolate tem gosto de lixo!"

"O chocolate americano e o chocolate inglês são diferentes", disse Lacey, sentindo a necessidade de sair em defesa de Tom.

"Não me diga", respondeu Buck. "Tem gosto de cocô! E a rainha come esse lixo? Ela precisa de alguns produtos importados dos Estados Unidos, na minha opinião".

De alguma forma, Tom conseguiu manter a calma, embora Lacey estivesse fervendo o suficiente pelos dois.

Aquele homem bruto e sua esposa boboca deram as costas para Tom e saíram da loja, enquanto Tom pegava um lenço de papel para limpar a sujeira causada pelo chocolate cuspido que haviam deixado para trás.

"Eles foram muito rudes", disse Lacey, perplexa, enquanto Tom limpava.

"Eles estão na pousada de Carol", ele explicou, olhando para ela apoiado nas mãos e joelhos, enquanto passava o pano sobre os azulejos. "Ela disse que eles são horríveis. O homem, Buck, envia todas as refeições que pede de volta para a cozinha. Depois de comer metade, é claro. A esposa continua alegando que os xampus e sabonetes estão causando uma irritação na sua pele, mas sempre que Carol abastece o quarto com algo novo, os anteriores desaparecem misteriosamente. Ele se levantou, balançando a cabeça. "Eles estão infernizando a vida de todo mundo".

"Humm", Lacey  murmurou, colocando o último pedaço de croissant na boca. "Acho que dei sorte, então. Duvido que eles tenham algum interesse em antiguidades".

Tom deu três batidinhas no balcão. "Bata na madeira, Lacey. Não brinque com a sorte".

Lacey já ia dizer que não acreditava em superstições, mas então se lembrou do encontro com o homem idoso e a bailarina mais cedo, e decidiu que era melhor não arriscar. Ela deu três batidinhas no balcão.

"Pronto. O mau agouro foi oficialmente quebrado. Agora, é melhor eu ir. Ainda tenho um monte de coisa para avaliar antes do leilão amanhã".

O sino acima da porta tilintou e Lacey levantou os olhos, vendo um grande grupo de crianças entrar ruidosamente. Elas estavam usando vestidos de festa e chapéus. Entre elas, uma menina loira baixinha e gordinha, vestida de princesa e trazendo um balão de hélio, gritou para todo mundo ouvir: "É meu aniversário!"

Lacey se voltou para Tom com um pequeno sorriso nos lábios. "Parece que você vai ficar bem ocupado por aqui".

Ele parecia perplexo, e um tanto preocupado.

Lacey saltou do banquinho, deu um selinho nos lábios dele e então o deixou à mercê de um bando de meninas de oito anos.

*

De volta a sua loja, Lacey continuou a avaliar os últimos itens Náuticos para o leilão de amanhã.

Ela estava particularmente animada com um sextante que havia encontrado na localização mais improvável possível: uma loja de caridade. Ela só havia entrado para comprar o console de jogos retrô que estava na vitrine – algo que ela sabia que seu sobrinho, obcecado por computadores, iria adorar – quando o viu. Um sextante do início do século 19, num estojo de mogno, alça de ébano e moldura dupla! Estava simplesmente ali, imóvel na prateleira, entre canecas com dizeres engraçados e alguns modelos de ursinhos de pelúcia tão fofinhos que dava enjoo.

Lacey mal acreditou no que viu. Afinal, ela era novata no ramo de antiguidades. Aquela descoberta devia ser uma ilusão. Mas quando ela correu para examiná-lo melhor, a parte inferior de sua base tinha a inscrição 'Bate, Poultry, London', que confirmava que ela estava segurando um genuíno e raro artigo feito por Robert Brettell Bate!

Lacey ligou para Percy imediatamente, sabendo que ele era a única pessoa no mundo que ficaria tão animada quanto ela. Ela estava certa. Parecia que todos os Natais haviam chegado mais cedo para o homem.

"O que você vai fazer com ele?" Percy perguntou. "Precisa fazer um leilão. Um item raro como esse não pode simplesmente ser colocado no eBay. Ele merece ser celebrado".

Apesar de Lacey estar surpresa por alguém da idade de Percy saber o que era o eBay, sua mente se prendeu à palavra leilão. Ela poderia fazer isso? Realizar mais um logo depois do primeiro? Ela pôde vender um valioso lote de móveis vitorianos antes. Não poderia realizar um leilão só com aquela peça. Além disso, parecia imoral comprar uma antiguidade rara de uma loja de caridade, sabendo qual o seu real valor.

"Eu sei", disse Lacey, tendo uma ideia. "Vou usar o sextante como uma atração, como a principal atração de um leilão geral. Então, toda a renda com as vendas será revertida para a loja de caridade".

Isso resolveria dois dilemas; a sensação repugnante de comprar algo pagando menos do que o seu verdadeiro valor de uma instituição de caridade e o que fazer depois de comprá-lo.

E foi assim que todo o plano se encaixou. Lacey havia comprado o sextante (e o console, que ela havia largado de tanta emoção e quase se esqueceu de recuperar), decidiu sobre o tema náutico, e depois começou a trabalhar na curadoria do leilão e para divulgar o evento.

O som do sino em cima da porta tirou Lacey de seu devaneio. Ela levantou os olhos e viu sua vizinha de cabelos grisalhos, Gina, entrar com Boudicca, sua Border Collie.

"O que você está fazendo aqui?" perguntou Lacey. "Eu pensei que iríamos nos encontrar para o almoço".

"Nós vamos!" Gina respondeu, apontando para o grande relógio de latão e ferro forjado pendurado na parede.

Lacey voltou o olhar para ele. Juntamente com tudo no "Cantinho nórdico", o relógio estava entre seus objetos decorativos favoritos na loja. Era uma antiguidade (é claro), e parecia já ter pertencido à fachada de um prédio vitoriano.

"Ah!" Lacey exclamou, finalmente percebendo que horas eram. "É uma e meia. Já? O dia passou voando".

Foi a primeira vez que as duas amigas planejaram fechar a loja por uma hora e almoçar juntas. E, por "planejaram", o que realmente aconteceu foi que Gina havia convencido Lacey a tomar vinho demais uma noite e torcido o braço dela até ela ceder e concordar. Era verdade que praticamente todos os locais e visitantes da cidade de Wilfordshire passavam a hora do almoço em um café ou pub, em vez de vasculhando as prateleiras de uma loja de antiguidades, e que uma hora apenas de fechamento dificilmente prejudicaria as vendas de Lacey, mas agora que ela sabia que os bancos estavam fechados na segunda-feira, começou a ter dúvidas.

"Talvez não seja uma boa ideia, afinal", disse Lacey.

Gina colocou as mãos nos quadris. "Por quê? Que desculpa você inventou dessa vez?"

"Bem, eu não sabia que era feriado hoje. Há muito mais pessoas circulando do que o normal".

"Muito mais pessoas, não muitos mais clientes", disse Gina. "Porque cada uma delas estará sentada dentro de um café, pub ou cafeteria em cerca de dez minutos, exatamente como deveríamos estar! Vamos, Lacey. Nós conversamos sobre isso. Ninguém compra antiguidades na hora do almoço!"

"Mas e se alguns deles forem europeus?" perguntou Lacey. "Você sabe que eles fazem tudo mais tarde no continente. Se eles jantam às 21h ou 22h, a que horas almoçam? Provavelmente não à uma!"

Gina a pegou pelos ombros. "Você está certa. Mas eles passam a hora do almoço tirando uma soneca. Se houver turistas europeus, eles estarão dormindo na próxima hora. Para dizer com palavras que você pode entender, não vão estar comprando em uma loja de antiguidades!"

"Certo, tudo bem. Então os europeus estarão dormindo. Mas e se eles tiverem vindo de lugares mais distantes e seus relógios biológicos ainda estiverem desajustados, de modo que não sintam fome no almoço e ao invés tenham vontade de comprar antiguidades?"

Gina apenas cruzou os braços. "Lacey", disse ela, de uma maneira maternal. "Você precisa de uma pausa. Vai ficar exausta se gastar cada minuto do dia dentro destas quatro paredes, por mais artisticamente decoradas que elas estejam".

Lacey torceu os lábios. Então, colocou o sextante no balcão e foi para o meio da loja. "Você está certa. Quanto mal uma hora pode realmente causar?"

Lacey logo se arrependeria de ter dito essas palavras.

CAPÍTULO TRÊS

"Estou morrendo de vontade de visitar a nova casa de chá", disse Gina alegremente, enquanto ela e Lacey passeavam pela orla marítima, com seus companheiros caninos correndo um contra o outro pelas ondas, balançando a cauda com entusiasmo.

"Por quê?" perguntou Lacey. "O que tem de tão bom?"

"Nada em particular", respondeu Gina. Então, ela abaixou a voz. "Só que ouvi dizer que o novo proprietário costumava ser um lutador profissional! Mal posso esperar para conhecê-lo".

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