Vida De Hospedeira - Huo Aderito Francisco



Marina Iuvara

VIDA DE HOSPEDEIRA

O mundo é a minha casa

Tradução de Aderito Francisco Huo

Esta obra é protegida e reservada pelos direitos do autor. Todo uso improprio ou difusão da obra ou parte dela trâmite suporte mecânico, electrónico ou qualquer outro, tradução e representação em público sem o consentimento do autor é proibido.

Este livro é uma obra de fantasia. Personagens e lugares citados são invenções do autor e têm o fim de conferir veracidade à narração. Qualquer analogia com factos, lugares e pessoas, vivas ou desaparecidas, é absolutamente casual.

© 2020 - Marina Iuvara

Esta obra es la revisión de la primera edición de «Vida de hospedeira».

Han transcurrido varios años desde la primera publicación de este libro, así que he decidido actualizarlo y completarlo.

Bienvenidos a bordo: this is the next flight.

Marina Iuvara

Anjos do ar

Mulheres independentes, uniformizados, viajando pelo mundo.

Ícone glam de liberdade.

Mulheres, sobretudo, que desenvolvem uma profissão com peculiaridades únicas, e por isso fonte de alegria e satisfação irrepetíveis, mas também densa de repercussões difíceis e reflexos muito importantes na sua vida.

As assistentes de bordo são tradicionalmente identificadas no imaginário colectivo por aquilo que exteriormente parece: os seus uniformes elegantes, as paragens em toda parte do mundo, o contacto e o conhecimento com inumeráveis pessoas, ou as compras por todo o lado. É fácil que suceda de encontrá-las no aeroporto, juntamente com toda a tripulação: são vistas ainda hoje, as vezes, com admiração e um bocadinho de inveja. «Quisera tanto fazer eu também este trabalho», pensam secretamente muitos, ou então o oposto: «não poderia fazer por acaso este trabalho.»

Realmente as hospedeiras – os assistentes de bordo em geral, naturalmente – desenvolvem com eficiência e profissionalismo um papel de grande interesse, e são efectivamente uma componente fundamental da linha de segurança de voo, capazes de gerir com técnica e paciência emergências de todo tipo, devem estar sempre preparados para resolver os mais impensáveis e complicados imprevistos, garantindo além da distância dos afectos e da casa, ou a difícil organização da gestão do seu tempo, e também os efeitos do fuso horário.

Neste livro procurei contar os aspectos menos notáveis e dificilmente imagináveis.

Dedico-o, por isso, a todas nós.

Introdução

A figura da hospedeira aparece pela primeira vez nos anos 30 numa linha aérea americana.

No inicio muitos duvidavam da utilidade desta tarefa: frágeis e graciosas raparigas, cujo peso não devia superar os 52 quilogramas, a altura os 163 centímetros, de idade inferior a 25 anos, vestidas com o mesmo uniforme, rigorosamente formadas como enfermeiras, que convidavam com gentileza para ocupar o seu lugar no avião.

A sua figura e o seu papel sofreram muitas mudanças, ao longo dos anos.

Em 1940, depois do ataque de Pearl Harbour, as hospedeiras foram recrutadas nos aviões militares para servir a pátria.

Em 1950 foi elaborado o primeiro manual da perfeita hospedeira: forte como um soldado, afectuosa como uma mãe, disposta como uma geisha, informada como um guia turística.

Nos anos 60 e 70, as hospedeiras foram motivo de orgulho ao representar as companhias aéreas e chegaram a ser comparadas aos modelos.

Eram vistas como mulheres dotadas de beleza, desejáveis e invejadas, que tinham a possibilidade, não ainda ao alcance de todos, de viajar e conhecer o mundo.

Em 1960 no diário New York Times uma estatística americana descreveu as hospedeiras como mulheres perfeitas porque, percorrendo 300 milhas subindo e descendo nas poltronas, aparecem muito treinadas e de resistência comprovada à fadiga.

Com a chegada da revolução feminista e das posteriores conquistas em matéria de direitos das mulheres, em 1971 foi abolida a lei que proibia elas de casar; em 1974 o salário tornou-se igual àquele dos homens; em 1975 foi eliminado a interdição de maternidade e em 1979 foram abolidas os limites de peso.

Até hoje, a responsabilidade primária de uma hospedeira é garantir a segurança dos passageiros a bordo dos aviões, mas também assisti-lo durante o voo.

Prefácio

Perfeitamente treinadas no campo da segurança aerea, habilitadas e certificadas aos primeiros socorros médicos, competentes em línguas estrageiras, aptas nadadoras, cuidadas, sorridentes, bem educadas, as hospedeiras têm a necessidade de ter não apenas que uma predisposição às relaçoes inter-pessoais, também um excelente equilibrio emotivo e um forte sentido pratico.

O estilo de vida é frenetico, o trabalho é fatigante e stressante, mesmo por causa dos fusos horários, o ambiente em que operam é pressurizado e o solo sobre o qual se movem durante o trabalho não está sempre na posição horizontal, e todavia agem com mestria de si, e devem estar sempre preparadas para orientar-se em situações imprevisíveis.

As hospedeiras ficam ao lado de pessoas de todas as etnias, cultura, educação, proveniência e caracter.

Encontram crianças esplendidas como raios de sol ou, as vezes, mesmo mais turbulentos que as turbulências, pessoas mais velhas às quais reservar prudência e sensibilidade, personalidades que requerem liberdade e privacidade, homens de negócios, celebridades do entretenimento, grupos de turistas elegres e despreocupados, casais romenticos em viagem de núpcias, doentes por cuidar, emigrantes de países longíquos, religiosos e cultores de crenças diferentes. Todos devem ser tratados com cuidado e profissionalismo.

Elas devem gerir as urgentes incumbências por terminar antes de cada descolagem e aterragem, seguir as disposições relativos à segurança e às relativas tarefas e deligências, observar as precisas hierarquias por respeitar, zelar pelos múltiplos pedidos por satisfazer, estão sujeitos a longas e contínuas permanencias longe de casa, e a relações sociais privados tornados difíceis por causa das peculiares ausências determinadas por esta actividade laboral.

Os aspectos onerosos desta profissão sem igual são múltiplos, pelo menos como são pouco imaginados e conhecidos por muitas pessoas que as observam do lado de fora.

Contudo todas as hospedeiras, independentemente de tudo, adverte princípios de melancolia e nostalgia, quando não voa.

Esplendidos postais são guadados nos seus pensamentos e toda eventualidade, e mesmo o voo mais difícil é sempre uma experiencia que enriquece.

Os sushi japoneses, a areia das Maldivas, os aranha-céus de New York, a movida argentina,a alegria brasileira, os paraisos de Londres e o perfume de paris apresentam-se no horizonte, ganham vida, e oferecem únicas emoções, ainda que em restritos espaços de existencia, embora ensopados de cansaço pelo fuso horário, ainda que cada vez mais pricipitados pelo pouco tempo a disposição.

Espectaculares apresentam-se os pores-do-sol vistos por cima, por cima das nuvens.

A bordo dos aviões pode acontecer de tudo: muitos passageiros distinguem-se pela sua classe e o estilo incomparável, alguns revelam-se menos elegantes, outros suscitam ternura.

Pode suceder que algumas pessoas percam o controlo se estiver nervosos ou tensos, muitos têm necessidades de um suporte com reflexos psicológicos porque sofrem de patologias aerofóbicas ou claustrofóbicas. Excepcionalmente, por exemplo, os episódios de quem, bebendo um pouco demais, arrisca de tornar-se violento. É de todas as formas muito amplo, o espectro das possibilidades.

No avião, efectivamente, mesmo o mais pequeno e aparentemente insignificante episódio ou incidente, pode transforma-se em algo que necessita da mãxima atenção.

Os necessitados de cuidados devem ser imediatamente assistidos, as emergências médicas muitas vezes são brilhantemente resolvidos.

E praticamente em cada voo, infalivelmente, verificam-se comoventes experiências impregnadas de profunda humanidade e solidariedade.

Como é que é possível reconhecer uma hospedeira?

- Controlar os objectos que possui em casa: não percebem o que sejam, para que servem, donde provêm?

- observar as fotos que expoe: os cenários parecem pertecer à outra parte do mundo?

- Investigar se nunca saboreou um frango frito das barracas de Bangkok, frequentado os melhores restaurantes franceses e consumido room-service diante dum espelho num luxuoso hotel.

Prestem atenção aos horários em que come ou dorme: não respeitam ritmos habituais?

- Observem-na ao almoço: come muitas vezes em pé, mas não vê a hora de sentar-se?

- Verifiquem na geleira: colocou uns copos plásticos ao lado de garrafas de água?

- Questionem-na onde comprou uma peça de roupa que traz vestido: deveriam apanhar um avião para tê-la também vocês?

- Não pode renunciar àquele par de jeans de cintura baixa vistos em Londres na Oxford Stret, conhece as datas dos saldos da Gap em New York, adquire roupas de marca Gucci nos outlet de Miami, as carteiras de Luis Vuitton nos saldos em Tokio, o palmito para a salada na Argentina, o suco de açaì, o pan de queso e a tapioca em Brasil?

- Consegue adquirir vestuario actual nos convenientes saldos da época nos lugares onde as estaçoes estão invertidas em relação as suas?

- Faz os retoques apenas no seu cabeleireiro preferido em San Paolo ou em alternativa em Milão?

- Tem a impressão que os cremes de Tel Aviv e os shampoo orgânicos adquiridos em Toronto são os melhores?

- Observem-na com atenção: tira ou mal puxa os sapatos com a biqueira apenas lhe é possível? (espreitem por baixo da mesa ou no carro)

- Reparem dentro do armário para sapatos: estão presentes muitos decotes da mesma cor?

- Fala com excessiva desenvoltura de lugares para ti alcançáveis só com a fantasia ou dos quais bastaria uma vida para visitá-los todos?

- Questionem-na qual seja o lugar mais interessante e atraente de todos os lugares que tenha por acaso visitado: o sofá de casa é o primeiro na classificaçao?

- Peçam comentários sobre notícias da actualidade seja culturais como politicas, mas sobretudo escandalosas: tem sempre uma última inedeta actualização?

- Verifiquem o conteúdo da sua carteira pessoal: se podem encontrar os objectos mais variados para cada eventualidade? (lima, livro, maquilhagem, pequena lanterna, sombrinha, navegador, maquina fotográfica, pc portátil, meias de reserva, escova de dentes).

- Tem uma infinidade de números telefónicos e contactos de colegas e desconhecidos, mas não consegue recordar o lugar, ano e modalidade em que se conheceram ou frequentados?

- Toda vez que sente o cheiro de fumo, controla a proveniência e prontifica-se para procurar o extintor mais próximo?

- Reconhece à primeira vista qualquer tipologia de caracter e social de cada pessoa, conseguindo relacionar-se com cada um, a partir do mais jovem até ao mais velho?

- Não se perde de alma se deve socorrer alguém em dificuldades?

- Sabe socializar-se brilhantemente em todas as ocasiões, mesmo amando os momentos de solidão?

- Não experimenta tão-pouco um pingo daquele inesperado ataque no estômago que vos atinge mal o avião inicia a sua descolagem?

- Bisbilhotem no quarto: tem sempre uma mala ao alcance da mão à espera duma partida inesperada, consegue fazer entrar tudo, o necessário que poderia ser útil por mais de uma semana em pouco espaço, e não se confunde se tem apenas uma hora de tempo de pre-aviso para fazer uma viagem repentina a partir de Roma até Santiago do Chile?

Se todas as respostas fossem afirmativas não tenham dúvidas: trata-se duma mulher com asas.

Bom voo

Como estavamos.

Volto para a minha terra, na sicilia, pelo menos duas vezes por ano, para as festividades e durante o periodo do verão, turnos e férias permitindo.

Viajar no avião enfim é para mim normal, faz parte do meu trabalho. Ainda que passavam muitos anos, todas as vezes que chego, junto de um intenso cheiro da flor de laranjeira que espalham os pomares laranjais e o vento do sudeste proveniente de Africa, envolvem-me silenciosos mesmo as recordaçoes da minha infancia.

Hoje é uma quinta-feira de Julho: os trinta e seis graus estão na regra.

Durante o verão esta terra fica quente, luminosa e exposta ao sol: tudo parece mais lento e custa para manter um ritmo de vida dinâmico por causa desta temperatura que eu gosto, mesmo sendo as vezes intrometido.

Os raios solares espalham-se sobre todo o espaço livre da pele, penetram até aos ossos, muitas vezes me robustecem, e as vezes deixam-me relaxar até atordoar-me para depois adormecer.

A pausa do meio-dia, usual nesta região, interrompe a produtividade diurna. Escuto o som repetitivo e quase hipnótico das palas do ventilador, colocado em cima dum banco antigo; a sua brisa contrasta o ar quente e sufocante desta tarde de céu azul, desprovido de nuvens.

À noite a temperatura sofre uma ligeira descida, e os amáveis ventos suaves aliviam o clima de noite.

Estou hospedada na casa dos meus pais e cada detalhe sobre a qual os meus olhos debruçam-se faz ressurgir na minha mente cenários vividos e recordados enfim longínquos.

Antevejo uma saia interior de seda cor creme com delicados bordados de um tom ligeiramente mais claro, pendurada no guarda-vestidos estilo Luís XVI que a minha mãe escolheu há mais de quarenta anos para embelezar o seu quarto que desde então ficou sempre o mesmo, inalterado ao longo do tempo; eu dei-me conta, pelo contrário, de ser tão diferente desde quando me agachava debaixo dos cobertores daquela enorme cama para escutar as fábulas narradas por ela antes de ir à cama, e diferente mesmo desde quando, muitos anos depois, já adolescente, às escondidas conseguia experimentar os seus colares mais preciosos, espelhando-me naquela grande moldura dourada de um espelho, colocada no centro do quarto, enquanto dançava de forma espontânea e folgada sozinha, como uma descarada, assim teria dito o meu pai, se me tivesse visto.

Lembro de ter possuído, então, uma saia interior de uma cor idêntica àquela da minha mãe, eu gostava vesti-la pela sensação de ligeireza e frescura que me reconfortava durante os dias mais húmidos.

Na educação por mim recebida esta indumentária era permitido apenas em casa, e vestido tendo o cuidado de encostar as persianas, donde evitar indiscretos olhares externos, visto que a varanda apresentava-se sobre um grande pátio.

Induziram-me desde pequena para esconder-me, e para cobrir-me como deve ser, diante de qualquer pessoa.

Pouco a pouco vinham insinuadas gotas de castidade na minha alma, dia após dia.

«Cubra-te, cubra-te que alguém pode te ver!» chegava aos meus ouvidos se as vezes contemporizava no meu quarto vestindo, esquecendo de puxar as cortinas para fechá-las.

Ainda hoje, antes de despir as roupas, verifico que tudo esteja fechado e que ninguém possa ver-me, mas isto não o confessei por acaso nem para a Valentina, uma minha querida colega que com a qual durante anos partilho um apartamento, perto do aeroporto, na cidade onde actualmente resido: Roma.

Desde criança obedecia com escrupulosa atenção as regras, para evitar de sujeitar-me aos castigos, excessivamente severos muitas vezes.

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