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3 Pontos de estatística
(S/N)
— Uau! De onde vieram todas estas habilidades? — ver o meu quadro de estatísticas pela primeira vez em dias faz-me levantar as sobrancelhas.
— Tens andado a ganhá-las, eu é que tenho escondido as notificações, por agora — o Ali encolhe os ombros, fazendo um pino aéreo enquanto espera por mim.
— O quê? Porquê? — resmungo com o homenzinho pequeno, com os olhos cerrados.
— Seria uma distração. Não mudaria nada do que fizeste, pois não? As habilidades recebidas pelo Sistema são logo adicionadas à memória dos teus músculos e da tua mente, por isso, já tens beneficiado com isso, seja como for. O resto são apenas números — o Ali funga. — Os números não significam porcaria nenhuma se não fizeres nada. O melhor é não ficares obcecado com eles.
O que ele diz relembra-me uma conversa que tive com um orientador da escola. “O QI não significa nada, se não estudares”, ele dizia sempre isto. Ao ouvir o Ali mencionar algo tão parecido, não consigo evitar fulminá-lo com o olhar.
— Da próxima, faz-me um resumo todas as noites, está bem? Pelo menos, gostava de saber o que vai acontecendo.
O Ali suspira, amuado. Começo a andar e ajusto o quadro, até este ficar quase transparente. Continuo a estudá-lo, confiando que o homenzinho me vai manter informado. Por muito chateado que ele esteja, é bom a vigiar.
— Ali, os números não fazem sentido.
— Ganhaste alguns pontos por andares a correr e a esconder-te. E assim que escolheste uma classe, as tuas estatísticas aumentaram os pontos de dano — afirma o Ali, como se fosse a coisa mais simples do mundo. Para ele talvez seja, mas teria sido bom saber que isso podia acontecer. O guia de ajuda que ele me deu fez-me compreender algumas coisas, mas é óbvio que ainda há muito que não compreendo.
— Mas não esperes mais. Já chegaste a um nível em que, a não ser que te tornes um atleta profissional, é melhor passares o tempo a passar de nível.
Aceno ao que ele diz e tento decidir o que fazer com os meus pontos gratuitos, mas apercebo-me de que não faço ideia. Os mínimos estão tão longe que mais valia estarem na lua. Ao fazer umas contas rápidas, precisaria de, pelo menos, 18 níveis para elevar a Força até onde que seria suposto esta estar, na minha classe, se não lhe acrescentasse nenhum ponto. Em vez disso, deixo os pontos por distribuir, por agora. Talvez venha a descobrir o que preciso, mais tarde.
— Ali, uma pergunta sobre as mensagens. Elas parecem mudar de tom, de formal para um bocado idiota.
— Bem, a base das mensagens do Sistema é aquilo que vês na maioria das vezes, as formais que mencionaste. Contudo, o CG também controla as mensagens. Por isso, ocasionalmente, eles metem-se ao barulho, especialmente se for algo que interessa a alguns dos observadores — explica o Ali.
— Observadores? — resmungo, olhando para ele e, depois, para o que me rodeia.
— Sim, mas terias de fazer algo muito grande para lhes chamar a atenção. Não te preocupes com isso, também não podes fazer nada quanto a isso — afirma o Ali e eu aceno. Mas sinto-me a curvar um pouco os ombros. O Big Brother está a ver-te.
***
Umas horas depois, faço uma pausa e tiro a minha bússola. Faço um reconhecimento rápido do caminho e olho para o Ali, que acena em confirmação ao que suspeitava. A salamandra mudou de percurso, afastando-se de Junction.
Assustadoramente, a salamandra vai ser um dos monstros vulgares menos poderosos que vão habitar o parque, a partir de agora, utilizando fauna nativa que cresceu demasiado depressa e se espalhou como fonte de alimento. Felizmente, a salamandra é idiota, uma criatura que segue o instinto e vagueia pelo parque e arredores.
Reajusto a minha mochila e acelero o passo. Com sorte, há um carro ou outro veículo qualquer que possa usar e me leve a Whitehorse. No mínimo, vou poder acompanhar sobreviventes.
Capítulo 4
Atravessar o Parque faz-me receber uma mensagem simples e uma recompensa. Não está nem perto de ser o suficiente para passar de nível, mas todos os bocadinhos contam.
Demanda Completada!
Sobreviveste ao parque nacional de Kluane e até conseguiste manter-te intacto!
Recebes 5000 XP.
Ao aproximar-me de Haines Junction, tento lembrar-me do pouco que conheço. É uma cidade com cerca de 800 pessoas, por isso, deve haver umas centenas de sobreviventes, se os números forem verdadeiros. O fumo que vejo a levantar-se do centro da cidade com apenas uma rua deixa-me preocupado. Portanto, levei o meu tempo, desviando-me para casas que marcam a aproximação dos poucos edifícios que representam o centro da cidade. Encontro um carro e até as chaves, mas não funciona, o carro é demasiado novo. Maldito Sistema.
Mas tenho sorte, pois deparo-me com comida e roupa que posso usar, juntamente com uma arma verdadeira, uma espingarda abandonada de calibre .56 e uma caixa com balas. A espingarda tem um cadeado no gatilho, mas, felizmente, a chave do cadeado é fácil de encontrar, pois está pendurada num parafuso do outro lado da sala. Ainda bem que os humanos são preguiçosos.
Os sinais de luta estão em todo o lado, incluindo carros capotados, poças de sangue e janelas partidas. O mais perturbador é não encontrar corpos. Talvez os sobreviventes os tenham reunido para os enterrar. Pelo menos, espero que seja esse o caso. Mas pela forma como muitos dos animais que vi expandiram as suas dietas, não tenho grande esperança.
Com a minha nova arma, arrisco aproximar-me do centro da cidade. Nunca se sabe o que pode estar à minha espera, mas rezo para que o Frosty’s ainda esteja de pé. Não me importava nada de beber um batido e comer um hambúrguer e batatas fritas.
Além de um comentário depreciativo sobre a zarabatana que apanhei, o Ali tem estado estranhamente calado. Uma observação talvez um pouco injusta. Quando se trata de ser sério, o Espírito consegue ser bastante profissional, se bem que tem a mania que sabe tudo.
O primeiro indício de sarilhos é a cabeça demasiado grande e deformada que vejo, ao aproximar-me lentamente. Uma mistura entre um Neandertal e um Pé Grande, a criatura de quatro metros parece feliz, a mastigar o seu jantar. As coisas ficam cada vez piores, quando me apercebo que aquela é a criança. A mãe, nua e bastante feminina, dá passos largos e arrasta o seu filho para o centro da cidade. O Ali franze as sobrancelhas ao olhar para eles e, depois, uma barra luminosa verde flutua acima da cabeça deles, juntamente com uma pequena descrição.
Ogre Jovem (Nível 12)
Ogre Mãe (Nível 21)
Respiro profundamente para acalmar o meu coração acelerado, antes de me aproximar ainda mais. Alguma coisa na refeição da criança me está a incomodar. Tenho de saber e, quando estou perto o suficiente para ver, arrependo-me de o ter feito. Encontrei os cidadãos ou o que sobra deles. À volta de uma fogueira, estão uma dúzia de ogres adultos, a maioria perto do Nível 20, a relaxar, após um banquete verdadeiramente épico. No monte de ossos, estão duas crianças a brincar às espadas com os fémures dos antigos residentes de Haines. O único consolo é que parece que os habitantes conseguiram matar alguns dos ogres, pelos corpos que estão postos de lado com cuidado.
Volto a mim quando me apercebo que me doem as mãos. Estou a apertar a espingarda com tanta força que fiquei sem circulação nos dedos. Volto a esconder-me e obrigo-me a respirar fundo e a controlar as minhas emoções. Sempre que o tento fazer, lembro-me dos ossos pequenos que vi, da cara meio comida e de uma outra criança, a chorar e a questionar-se porque ninguém a veio ajudar. Respiro fundo e estremeço, tenho as mãos a tremer e os olhos cheios de água.
— Não há nada que possamos fazer, John. Está na altura de irmos — murmura o Ali para me tentar consolar.
— Vou matá-los. Vou matá-los a todos — ameaço, sentindo a raiva a queimar-me por dentro, a transbordar e a envolver-me com o seu abraço familiar.
— Nem pensar nisso. Até aquela criança te conseguia derrotar com um só golpe. Desiste, voltamos noutra altura — insiste o Ali.
— Não quero saber! — digo com rispidez, levantando-me e começando a andar, com a raiva a consumir-me. Não sei bem para onde vou, mas não consigo continuar parado.
— Não podes fazer isto. Em grupo, eles seriam um desafio para monstros com cinco vezes mais força do que eles!
De repente, sinto a raiva a acalmar, a congelar, quando me lembro de um plano de loucos.
***
O plano tem três fases. Cada fase é extremamente perigosa. Para completar a primeira fase, ponho dois pontos em Agilidade e outro em Constituição, para aumentar a minha Resistência. Vou ter de ser rápido e estar em forma para isto.
A maioria dos monstros mantém-se longe de Haines Junction, a presença dos ogres é suficientemente intimidante. Os que não são mortos rapidamente e adicionados à fogueira, ficam com os corpos desfeitos como os dos humanos. Isso resulta a meu favor, enquanto preparo o meu plano. Demoro alguns dias a arranjar tudo o que preciso, dias em que mal durmo ou como, pois estava a trabalhar a um ritmo frenético. Ia sendo descoberto duas vezes. Passei quase duas horas, da primeira vez, escondido debaixo de uma carrinha, à espera que o par de ogres saísse dali. Da segunda vez, tive de usar o MFQ e esgueirar-me do grupo que se estava a juntar, para me esconder. Dá para perceber que eles suspeitam de alguma coisa. As ações deles estão a tornar-se cada vez mais agitadas com o passar dos dias, mas não me conseguem encontrar, apesar de começarem a andar mais juntos e a fazer mais patrulhas.
Com os preparativos finalmente terminados, escondo os meus mantimentos e levo comigo apenas o mínimo. A arma, dois carregadores de munições e comida e água para alguns dias.
Quando finalmente encontro o meu objetivo, a minha cara esboça um sorriso que não sinto. Tenho o peito apertado, o coração acelerado e uma descarga de adrenalina, ao assinar a minha provável sentença de morte. Mas tudo isso é secundário à raiva que me consome. Já estou farto de me esconder, esgueirar e temer pela vida. Estou farto deste Sistema que levou à morte dos meus amigos e da minha família, exterminando 60% da humanidade.
Se vou morrer, pelo menos, morro a tentar dar luta. O último pensamento é assinalado pelo barulho da espingarda. A bala viaja centenas de metros e embate contra a salamandra, que não desconfia de nada. Puxo a culatra e disparo outra vez, para concentrar a atenção dela em mim. Quando esta se vira e começa a avançar pesadamente na minha direção, fujo.
Atraio a criatura para Haines Junction durante horas. Corro o mais depressa possível e, quando finalmente me começa a apanhar, uso o MFQ para desaparecer. Economizo o uso do MFQ, fugindo o mais longe possível e escondendo-me, esgueirando-me para ganhar mais alguma distância, antes de voltar a atrair a sua atenção ao disparar contra ela. Podia ser mais rápido, mas preciso que o MFQ dure, o que me obriga a fazer pausas quando a salamandra olha à volta, à minha procura. Passado um bocado, aumento a distância entre nós, disparando a mais de meio quilómetro e maioritariamente falhando, mesmo com um alvo do tamanho de um celeiro. Mas magoá-la também não é o objetivo.
Apenas ia morrendo duas vezes. Uma das vezes, no início, quando ela aumentou de velocidade subitamente e quase me apanhou. Rebolei no último instante e consegui desviar-me do caminho dela a tempo, ficando com uma pequena ferida, antes de ativar o MFQ e correr como nunca para um esconderijo. Da segunda vez, a salamandra lançou uma série de bolas de fogo para o céu, que aterraram à minha volta. Uma curiosidade engraçada sobre estar noutra dimensão: até posso ser capaz de ignorar a maioria das estruturas físicas, mas energia, especificamente energia de calor, atravessa. Quando me consegui afastar do fogo, senti-me meio cozinhado e a barra de vida a piscar no canto do meu olho consentia. Depois disso, mantive-me ainda mais afastado da criatura e apenas lhe dei pequenos vislumbres, quando precisava que ela se aproximasse.
Quando chegámos a Junction, já estava quase sem balas. Os ogres estão alinhados, a observar a chegada do monstro enraivecido. Respiro de alívio quando os vejo. A segunda fase do plano requer que os ogres estejam dispostos a lutar. Quando me veem, rugem e um deles tenta chegar-se à frente, mas os outros puxam-no de volta para a fila. Sorrio, parando a algumas centenas de metros deles e acenando-lhes, antes de me virar para o monstro que está a chegar.
— Ali, fica de olho neles — digo, tirando a espingarda do ombro uma última vez e fazendo mira para a salamandra. Desta vez, tenho de a magoar o suficiente para a atrair definitivamente, o que significa que tenho de acertar. Respiro fundo algumas vezes, para tentar acalmar o meu coração acelerado e a minha respiração. Como já passou os limites da sua zona “natural”, a salamandra vai precisar de um pouco mais de incentivo.
Falho o primeiro tiro e praguejo, enquanto desejo ter passado mais tempo no campo de tiro. Sempre disse que o faria, mas, por algum motivo, nunca o fiz. Estava demasiado ocupado a procrastinar. O segundo tiro acerta e a explosão é tudo aquilo que eu desejava. A bilha de propano abandonada incendeia-se atrás da salamandra, demasiado longe para lhe causar danos sérios, mas assustando-a ligeiramente. Já chateada comigo, a criatura avança, esperta o suficiente para juntar os sons dos tiros e os aborrecimentos que tem enfrentado nas últimas horas.
Sem balas, atiro a espingarda para o lado e espero poder recuperá-la mais tarde. Em vez de correr imediatamente, observo a salamandra a avançar e espero. Encorajada pelo facto de que finalmente parei de fugir, a salamandra acelera o passo e, quando está apenas a algumas centenas de metros, viro-me e corro para os ogres.
Os ogres estão furiosos. Mas, sem armas de longo alcance, não há muito que possam fazer para me travar, enquanto trago o que será o seu fim na direção deles. Quando me aproximo o suficiente, ativo o MFQ e deixo o taco que me ia acertar passar através do meu corpo, ao esgueirar-me pelas fileiras. Um movimento de última hora e rancoroso faz-me desativar o MFQ apenas para enfiar a minha faca nas costas de uma criatura e, depois, fujo, deixando os monstros a fazer o que fazem. Por muito que eles gostassem de me perseguir, manterem-se juntos para lutar contra a salamandra é mais importante.
A uma distância de segurança, vejo a batalha desenrolar-se, escondido. É violento e não nada equilibrada, ao contrário do que esperava. Os ogres aguentam-se bem contra a salamandra, no início. O enorme líder desencadeia algum tipo de habilidade que envolve o seu taco de verde, à medida que este ataca a salamandra. O taco faz danos sérios e os outros ogres são rápidos a aproveitarem-se disso, investindo contra a salamandra. No início, chego a pensar que a salamandra pode morrer sem causar quaisquer danos.
Isso, até todo o seu corpo começar a brilhar num tom vermelho e a libertar uma nuvem de vapor vermelho por todo o lado. A salamandra parece estar a ferver o próprio sangue e a libertá-lo, queimando os agressores que a rodeiam, afastando-os. Depois disso, a salamandra morde um ogre feminino, arrancando o seu braço do corpo. O resto da batalha torna-se sangrento e sórdido. A meio, apercebo-me de que algo está errado, apesar de demorar algum tempo a perceber o que é.