Virou de repente e lhe pareceu de estar a ver um animal, todo preto, a recolher-se atrás de uma érvore.
Não pode ser dizia de si para si pareceu-me que aquele estranho cão feroz tivesse um pince-nez/luneta de mola!.
Pôs-se em marcha assustado, lhe parecia de estar a ver pequenas sombras atrás das árvores. como se isto não bastasse, o vento soprava entre os ramos, obcecava-o com um sussurro gélido que chagava até às orelhas dele e, mais precisamente, encravava-se no cérebro.
Não conseguia entender o que significassem aqueles sons. Possuido por aquela sensação desagradável, mandou o seu corpo para tentar correr. Estava a suar, mais corria mais os sons pareciam estar a persegui-lo e as sombras aproximarem-se.
Acelerou o mais possível, ouviu uma voz feroz que lhe intimava para parar, virou de repente, outra vez ainda lhe pareceu de estar a ver algo preto a esconder-se atrás de uma árvore ali próxima. Já tinha quase chegado na esquina que o teria guiado fora daquele pesadelo.
Sentiu um sopro a passar-lhe rente pela nunca, virou sem cessar de correr, algo o atingiu como uma fúria e o atirou para o chão.
Elio, transtornado, entrincheirou-se tapando-se a cabeça com as mãos.
Naquele mesmo instante ouviu uma voz familiar chamá-lo:
- Elio! Elio! Que asneiras estás a arranjar?
Era a irmã que ralhava com ele chateada porque a tinha atropelado. Gaia deu-se conta de que Elio estava numa condição incómoda.
O seu tom ficou mais calmo:
- Como estás?
Elio, ouvindo a sua voz, abriu os braços e levantou a cabeça.
Gaia notou o seu rosto assolado, pálido mais que o habitual e suado. Reflectiu um instante sobre o porquê estivesse a correr, coisa insólita para ele. Lhe pareceu que estivesse a fugir de algo ou de alguém e o ajudou a levantar-se.
- Por que estavas a correr daquela forma? - interrogou-lhe - o que te assustou?
Gaia não se lambrava de tê-lo visto a correr nos últimos anos. Elio não respondeu, queria apenas distanciar-se o mais rápido possível daquela rua. Assim, sem dizer nada, descreveu a esquina.
Gaia o perseguiu preocupada.
- Elio! - Voltou a chamá-lo.
- Não é nada! - respondeu de forma grosseira Elio - Não é nada!
A preocupação de Gaia se transformou em raiva pelo seu comportamento:
- Nada, dizes? Acabaste de me atropelar e dizes nada!
Elio, para evitar futuros choques que comprometessem o seu físico já arrasado desculpou-se.
- Perdoa-me - disse.
Estas desculpas superficiais irritaram ainda mais Gaia que, apesar de tudo, não se distanciou do irmão, naquelas condições continuava a preocupá-la.
Domingo de manhã, Carlo e Giulia tinham finalmente tomado uma decisão, falavam esperando apenas para comunicá-la aos rapazes que ainda dormiam.
- Foi realmente gentil ao dar-nos esta proposta, esperamos que as crianças não se metam em sarilhos - disse Giulia sorrindo.
Fazer aquela escolha tinha sido difícil, mas ela e Carlo sentiam uma estranha euforia agora que tinham decidido.
- Gaia será fácil - disse Carlo - Elio verás que permanecerá impassível como sempre.
- Não sei, Gaia tem muitos amigos na colónia, criar-lhes-á dissabores se não for, Elio, diferentemente, a detesta - comentou Giulia.
- Eu não aguento mais, vou agora despertá-los - propôs Carlo determinado e diridiu-se para os aposentos dos filhos chamando-os.
Não deu sequer a eles o tempo para lavar a cara.
- Eu e a mamã decidimos o que farão este verão. As aulas acabam na sexta-feira e sabado de manhã estarão na estação com uma linda maleta na mão!
- Mas para a colónia parte-se dentro de quinze dias! - referenciou Gaia preocupada reparando a mãe que a partir da porta da cozinha seguia a cena que estava a desenrolar no corredor.
- De facto, não irão para colónia este ano - esclareceu Giulia confirmando os receios da filha - Pensamos em vos oferecer um verão como aqueles que viviamos nós quando garotos.
- E então como é? - perguntou Gaia enquanto Elio permanecia em silêncio com ar cada vez mais carregado.
- Ar livre e corridas até dizer que basta, banho no pequeno lago e noitadas da aldeia - respondeu Carlo à filha.
Gaia via os seus pais a rir e a reparar-se com entendimento e pensou numa piada.
- Parem de zombar connosco. O que têm esta manhã?
- Ninguém está a vos zombar. A tia Ida ofereceu-se para hospedar-vos em casa dela - revelou finalmente Carlo aos seus filhos que o olhavam fixamente incrédulos.
- Isto é um pesadelo, eu volto a dormir! - dise Gaia chateada.
- Imagina que acreditava que terias ficado feliz - disse o pai à filha.
- Feliz? Eu já estou em contacto com os meus amigos, durante todo o inverno que espero de ir para colónia!
- Gaia, também no campo em casa da tia farás novas amizades - tentou encorajá-la Giulia.
- Mas por quê? Eu ali sinto-me bem. Tenho já o ar livre e os mergulhos no lago, não me serve outra coisa.
- Para ti não, mas Elio precisa de mudar de ar - acrescentou Carlo.
- Já sabia - explodiu Gaia - que era para Elio! Então mandem apenas ele no campo da tia.
- Não pretendemos que vá sozinho - insistiu Giulia.
- Eu não sou por acaso a sua babysitter!
- Mas és a irmã mais velha, e tu não dizes nada, Elio? - perguntou Carlo.
Elio não abriu a boca, limitou-se apenas ergueu os ombros.
Isto deixou encolerizado Gaia:
- Não dizes nada? Tanto para ti é igual, diga a mamã e o papá: não farás nada também no campo.
Elio acenou um sim com a cabeça para dar-lhe razão.
- Basta Gaia, não faças desta maneira! Já a decisão está tomada. Ha-de vir vos buscar o vosso primo Libero - concluiu o discurso Carlo.
Gaia saiu correndo desiludida e zangada.
- Vai passar - disse Giulia conhecendo a atitude positiva da filha no que diz respeito à vida.
Elio, sorrateiramente, retirou-se para o seu aposento.
Carlo ficou boquiaberto, todavia estava convencido que a decisão tomada fosse a melhor de alguns anos a esta parte.
Assim chegou a sexta-feira, Carlo foi buscar o sobrinho na estação ferroviária: foi uma grande alegria voltar a abraçá-lo.
Libero era um rapagão alegre, de modos simples e certamente não convencionais. Alto e magro, mas não franzino, tinha umas grandes mãos habituadas ao trabalho na fazena e o rosto obscurecido pelo sol. Os olhos verdes distinguiam-se no seu rosto, os cabelos eram castanhos, curtos, penteados com a risca lateral na moda no período após-guerra. Abraçou com força o tio e não cessou de falar até a casa.
Carlo reparava-o maravilhado, recordava o período em que tinha ficado mal e era apático e facilmente irritável. Claro, Libero não era um génio, mas a vida simples que levava o deixava feliz e Carlo quisera ver tão sereno também o filho Elio. Entretanto Libero estava com o nariz achatado na janelinha do automóvel do tio e fazia perguntas sobre tudo aquilo que via.
Em casa todos esperavam a sua chegada.
Giulia estava nervosa no momento em que terminava de preparar as malas, agora tinha chegado o momento e questionava-se de como iriam decorrer as coisas, o seu instinto de mulher dotada de um forte sentimento de mãe ganhar a dianteira.
Gaia, pelo contrário, já tinha absorvido o golpe, não lhe largava e estava no seu encalce fazendo mil perguntas sobre o que poderia ver e fazer nas proximidades da fazenda.
Não iam para lá desde quando eram muitos novos e estavam ainda os avós, quase não tinham mais a memória do lugar, senão alguma vaga recordação dos campos ou o cheiro das árvores onde brincavam jogando às escondidas.
Depois da morte do marido, a tia tinha tido dificuldades para reorganizar-se e tinha resolvido transferir-se para a antiga fazenda dos pais, jà abandonada, com os filhos.
Gaia ouviu o rumor da chave que girava na fechadura da porta e correu para acolher o primo que a carregou como tinha feito com o seu pai e a fez girar como quem está no carrossel. Gaia sorriu, não esperava este tipo de demonstração de afecto.
- Olá Libero, como estás? - perguntou com todo o coração ao primo que não via há bastante tempo.
-Bem, menina - respondeu Libero
No entanto, chegou Giulia e foi a única com a qual Libero comportou-se como cavalheiro, beijando-a apressadamente nas bochechas.
- Como decorreu a viagem? - procurou atenciosamente saber dele Giulia.
- Bem, a vaca de aço é certamente confortável e veloz para viajar e a cidade está cheia de coisas curiosas. Estou feliz de cá estar!
- Acomoda-se, com certeza estás cansado. Posso oferecer-te um gelado? - perguntou ainda Giulia.
- Sim, obrigado tia, eu adoro os gelados - aceitou com todo o gosto Libero - mas onde é que se meteu Elio?
- Elio está no seu quarto, estará ele a chegar - disse Carlo chateado com o filho que não se dignava em passar para saudar o primo que tinha feito aquela viagem apenas para vir buscá-lo e dirigiu-se para o seu quarto.
- Não, não tio - o pediu para deixar estar Libero - vou eu, quero fazer-lhe uma surpresa. Mostra-me apenas onde fica o seu quarto.
Assim que Carlo lho indicou, Libero lançou-se para o quarto onde ouviram-se os seus gritos de felicidade enquanto o saudava.
Nem sequer Elio, não obstante a sua frieza, conseguiu escapar ao abraço envolvente.
Gaia olhou surpresa a mãe e lhe sussurrou: não o imaginava assim pateta!
- Não digas isso - prontificou-se em repreendê-la Giulia - é um extraordinário rapaz e é também muito bom.
- Sim, mas tem a certeza que conseguirá levar-nos ao destino? - perguntou perplexa Gaia.
- Claro que sim! - a tranquilizou Carlo - Não o subestime, juntamente com a mãe toma conta da fazenda. É forte e formidável.
Chegou a hora do jantar e foi muito elegre, com todas as cores trazidas do campo pelo Libero, naturalmente para todos excepto Elio.
- Não vejo a hora de mostrar-vos tudo - concluiu Libero, no fim da descrição da fazenda, dirigindo-se aos primos.
- Tens certeza que não queres ficar alguns dias antes de partir? - procurou saber Giulia.
- Não posso deixar a mamã sozinha neste período, há muito trabalho por fazer.
- Tens razão Libero, és na verdade um excelente rapaz - elogiou Carlo dando-lhe uma palmadinha nas costas.
- Sabes tio, questionava-me sobre uma coisa no carro, antes de chegar na cidade pensava que a buzina nos automóveis servisse apenas em caso de perigo
- Claro - respondeu Carlo - por quê?
- Porque parece que aqui a usam todos para fazer festa, não cessam por acaso de tocá-la!
Todos, excepto Elio, rebentaram de tanto rir questionando-se no fundo dos seus corações se Libero estivesse a zombar ou se era realmente assim
Terceiro Capítulo
Apercebendo-se do seu terror, começou a rir
Na manhã seguinte a fazer cair da cama a Giulia foi Libero, tropeçando no tapete do corredor. É assim, ele e a tia, encontravam-se a tomar o pequeno-almoço antes que todos os outros acordassem. quando o cheiro do café inundou o quarto de Carlo juntou-se ele também e, junto da esposa, pôs-se a contar aquilo que estava a suceder a Elio.
- Nao fiquem assustado - lhes tranquilizou o rapaz - esta experiência fora de casa será benéfico para ele e depois a mamã já preparou um plano de ataque!
Na estação Giulia não fazia outra coisa que advertir os rapazes, para que se comportassem bem na casa da tia.
Gaia não estava mais na pele pela emoção e pela curiosidade, no momento em que, por hábito, via-se a uma légua como Elio tivesse sido arrastado naquela história. puxava a pesada mala de Gaia porque Libero o tinha forçado: As senhoritas não carregam coisas pesadas!, na verdade aquele seu primo o tinha cansado.
Libero, de jeans e camiseta, trazia também um chapeuzinho amarelo-escuro da proteção civil que para os primos parecia fora do lugar e levava todo o resto das bagagens como se tratasse de malas vazias.
O comboio deixou a estação na hora exacta. apenas eles os três ocupavam o compartimento. Libero arrumou as malas na apropriada prateleira e propôs:
- Gaia aproxima, vamos para o vagao-restaurante tomar outra vez o pequeno-almoço, chegaremos tarde na fazenda e tens de manter-se forte. Elio ficará a tomar conta das malas, has-de ver que ninguém vai se aproximar das nossas coisas. se for o caso rosna! - disse sorrindo dirigindo-se ao primo - E se não fazer cara feia vamos trazer alguma coisa comestivel tambem para ti
Os dois primos sairam do compartimento para o grande alivio de Elio, desejoso para ficar sozinho.
fixava a paisagem fora a partir da janelinha sempre igual e si mesmo, mal tinham saido da zona industrial e eis finalmente viam-se os primeiros campos cultivados e mais ainda campos e mais campos e colinas e mais ainda colinas e campos.
De repente viu, um reflexo no vidro da janelinha, um senhor que estava sentado no assento da fila ao lado da sua, apenas depois do corredor.
Entrara quando no compartimento? Não ouvira a porta abrir-se.
O fulano estava vestido de preto e tinha uns pequenos óculos estranhos no nariz, estava a ler um livro encadernado em couro preto com as páginas de papel de seda, que parecia antigo por uma centena de anos. Tinha na cabeça um chapéu com abas largas que lhe cobria o rosto e é preciso dizer que metia inquietação.
Elio não virou, continuava e tê-lo de olho reparando o seu reflexo no vidro da janelinha. criava-lhe medo estar ali sozinho com aquele fulano. no momento quisera que o primo, muito robusto, regressasse o mais rápido para o compartimento, mas dele e de gaia nem sequer uma sombra.
no entanto o fulano continuava a ler, interrompia-se de vez em quando para reparar um antigo relogio que extraía do bolsinho do colete, vestido por baixo do seu fato completo de uma elegancia dos outros tempos.
Isto enervava posteriormente a Elio que se questionava do que estivesse à espera, devia ser certamente algo de importante para continuar a reparar o relogio todo o tempo.
depois, de repente, o fulano, depois de ter reparado mais uma vez o seu relogio, fechou o livro e baixou para pegar algo numa bolsa preta encostada no pavimento entre as suas pernas. as calças ligeiramente levantadas mostravam uns tornozelos pretos e subtis e umas estranhas peúgas que pareciam de pêlo preto.
Elio não conseguia conter a sua inquietação e começou a tremer. Eis que o fulano, apercebendo-se do seu pavor, começou a rir enquanto continuava a revistar na bolsa. Era uma risada profunda e lúgubre que ecoava nas suas orelhas e para não ouvi-la mais tapou os seus típanos com as mãos. Fechou os olhos para não ver no vidro o reflexo daquele homem e dentro de si rezou: Faça que volte Libero, faça que volte Libero.
A porta do compartimento abriu-se de repente.
- Elio, mas o que estás a fazer? Apanhaste sei lá uma otite da cidade? Nao quererás por acaso acabar connosco pobres campesinos com este virus dos citadinos!
Elio teve um sobressalto, depois, reconhecida a voz jocosa do primo, voltou-se e viu na porta Libero que fartava-se de rir com uma saqueta e uma bebida na mão, atras dele estava Gaia que dava dentadas a um croissã enorme.
Do fulano nenhuma peugada, como tinha aparecido assim tinha desaparecido. desaparecido ele, o seu livro, o seu relogio e a sua bolsa.
Libero sentou-se ao lado dele e deu-lhe um croissã e notou que estava a tremer.
- Aconteceu alguma coisa? - questionou-lhe.
- Creio que seja uma pequana má-disposiçao por causa do comboio- mentiu Elio.
Gaia percebeu que o seu irmão estava a ter uma das suas crises e propôs-se de novo para falar em segredo com Libero.
O resto da viagem foi tranquilo. Libero descreveu aos rapazes a festa da ceifa que se realizaria dentro de pouco tempo e envolvia todas as aldeias vizinhas. Efectuar-se-ia ao ar livre com danças tradicionais, como a tarantela, e nao só também danças modernas.