Os dois ficaram parados um instante, então o gordo falou primeiro: Essa foi perto.
Então, pode ver o objeto? Pode alcançá-lo?
Sim, agora eu posso. Espere, vou tentar.
O falso beduíno obeso começou a balançar para frente e para trás, tentando soltar um pouco as cordas que o seguravam, e então começou a esticar a perna esquerda o máximo que podia na direção do objeto. Ele conseguiu alcançá-lo. Começou a cavar com o calcanhar até conseguir expor uma parte.
Parece uma espátula. Deve ser uma Marshalltown Trowel. Essa é a ferramenta preferida dos arqueólogos para raspar o chão, na procura de louça antiga.
Consegue apanhá-la?
Não.
Se você parasse de se empanturrar com porcarias, seria um pouco mais ágil, seu gordo feio.
O que meu físico vigoroso tem com isso?
Vamos lá então, "físico vigoroso", vê se consegue pegar aquela espátula, ou farão com que emagreça na cadeia.
Imagens de cafetões repugnantes e fedorentos de repente surgiram diante dos olhos do homem gordo. Essa visão terrível provocou uma força que pensava que não tinha mais. Ele curvou a coluna o mais longe que podia. Uma pontada de dor disparou diretamente do ombro dolorido para a cabeça, mas ele ignorou. Com uma investida firme, conseguiu levar o calcanhar para trás da espátula, e rapidamente dobrando a perna, puxou-a para si.
Feito gritou através da mordaça.
Será que pode calar a boca, seu idiota? Pra quê está gritando? Quer que esses dois capangas voltem aqui e esmurrem a gente de novo?
Desculpe o gordo replicou suavemente. Mas consegui pegar de verdade.
Viu? Com empenho, até você é capaz de ser útil. Deve estar afiada. Veja se consegue cortar essas malditas cordas.
Com a mão que estava sadia, o gordo agarrou o cabo da espátula e começou a esfregar a ponta mais afiada nas cordas por trás das costas.
Supondo que a gente possa ficar livre, o gordo murmurou, como vamos fugir daqui? Esta área está cheia de gente e ainda está amanhecendo. Espero que tenha um plano.
Claro que tenho! Não sou eu a mente engenhosa por aqui? exclamou o magro, orgulhoso. Enquanto você estava tirando uma sonequinha confortável, analisei a situação e achei um meio de dar o fora.
Sou todo ouvidos respondeu o outro, continuando a subir e a descer a espátula.
Esse cara da vigia olha aqui pra dentro a cada dez minutos e nossa tenda está no lado leste da área.
E daí?
Como diabos pude trazer você como parceiro pra este trabalho? Você tem a imaginação e a inteligência de uma ameba; esperando que a ameba não fique ofendida com a comparação.
Na verdade retorquiu o gordo ligeiramente ressentido fui eu que te escolheu, uma vez que o trabalho foi dado a mim.
Conseguiu se libertar? interrompeu o magro; a discussão estava começando a piorar e seu cúmplice estava absolutamente certo.
Preciso de alguns minutos. Acho que vai ceder.
Logo depois, a corda usada para amarrar os dois ao barril se rompeu e a barriga do gordo, finalmente livre de restrições, retornou ao tamanho normal.
Conseguimos! exclamou o gordo, satisfeito.
Excelente. Agora vamos continuar até o guarda voltar. Precisamos fazer com que tudo esteja do mesmo jeito que antes.
Ok, parceiro. Vou fingir de novo que estou adormecido.
Os dois não precisaram esperar muito. Alguns minutos depois, o assistente da doutora estava de volta, para espiar dentro da tenda. Ele deu a olhada habitual em volta, checando o ambiente, e sem notar nada fora do comum, fechou o zíper e então se posicionou novamente na sombra da varanda, calmamente acendendo um cigarro enrolado à mão.
Agora disse o sujeito magro. Vamos embora.
Com todas as dores e desconfortos, era mais complicado do que se imaginava, mas depois de soltarem gemidos monótonos de dor e vários palavrões, acabaram frente a frente.
Passe a espátula pra mim ordenou o magro, removendo sua mordaça. As dores no lado direito impediam que se mexesse com facilidade, mas ao colocar sua mão aberta no seu lado, conseguiu aliviar um pouco a dor. Ele alcançou o lado oposto à entrada da tenda com alguns passos, ajoelhou-se e lentamente empurrou a espátula Marshall para dentro. A lâmina afiada da espátula atravessou o pano macio do lado voltado para o leste como manteiga, criando uma pequena fenda de quase dez centímetros. O sujeito magro aproximou o olho direito e espiou pela fenda por alguns instantes. Como esperado, não havia ninguém ali. Somente as ruínas da antiga cidade, a cerca de cem metros, onde, de antemão, haviam escondido o jipe que seria usado para a fuga, com toda a pilhagem.
Caminho livre disse ele, usando a lâmina da espátula para abrir o pequeno corte até o chão. Vamos! e rastejou pela fenda.
Podia ter feito um buraco maior? resmungou o gordo, entre um gemido e outro, enquanto tentava, com dificuldade, deslizar para fora.
Venha logo! Precisamos fugir depressa.
Fácil falar. Mal consigo andar.
Deixa disso, se apresse e pare de reclamar. Lembre-se, se não conseguirmos fugir, ninguém impedirá que passemos uns bons anos na cadeia.
A palavra "cadeia" sempre instigava força extra no sujeito gordo. Ele não falou mais nada, e sofrendo em silêncio, seguiu o companheiro, que se arrastava furtivamente em direção às ruínas.
Foi o estrondo de um motor à distância que despertou suspeitas do homem da vigia. Olhou para o cigarro agora apagado, então atirou-o para longe com um gesto rápido. Determinado, ele passou para dentro da tenda, mas mal podia acreditar no que via: os dois prisioneiros fugiram. A corda fora deixada de qualquer jeito perto do barril de combustível, um pouco mais adiante estavam os dois pedaços de pano que usaram como mordaças e na parede no fim da tenda, um rasgão que ia até o chão.
Hisham, pessoal berrou o homem com todo o fôlego que tinha nos pulmões. Os prisioneiros fugiram!
Astronave Theos O superfluido
A imagem do objeto que Petri havia colocado no espaço entre Kodon e a Terra deixou ambos os terráqueos boquiabertos.
E o que é essa coisa? perguntou Elisa com curiosidade, enquanto ia mais perto para enxergar melhor.
Ainda não demos um nome oficial Petri trouxe o estranho objeto de volta ao primeiro plano de novo, e observando a doutora, acrescentou: Talvez você possa escolher um.
Se ao menos você explicasse o que é, talvez eu pudesse tentar.
Nossos melhores cientistas se dedicaram a este projeto há um certo tempo Petri entrelaçou as mãos por trás das costas e começou a andar lentamente pela sala. Esse equipamento é o resultado de uma série de estudos que, em parte, vão mesmo além das minhas habilidades científicas.
E posso lhes garantir que são notáveis disse Azakis, dando um tapinha afetuoso nas costas do colega.
Em poucas palavras, é uma espécie de sistema antigravitacional. Tem base em um princípio que, como disse, ainda está sendo estudado, mas que posso tentar resumir em algumas palavras.
Acho que isso seria bem melhor comentou Elisa. Não se esqueçam de que pertencemos a uma espécie que, se comparada à sua, pode ser definida facilmente como subdesenvolvida.
Petri assentiu ligeiramente. Então se aproximou da representação tridimensional do estranho objeto e calmamente continuou a explicação. Isto que vocês chamaram de "rosquinha" anteriormente é geometricamente definido como toroide. O anel tubular é oco, enquanto o que poderíamos simplesmente chamar de "buraco central" contém o sistema de propulsão e de controle.
Até aqui, está tudo claro disse Elisa, cada vez mais empolgada.
Muito bem. Agora vamos examinar o princípio de operação do sistema Petri girou a imagem do toroide e mostrou a seção interna. O anel é preenchido por um gás, geralmente um isótopo de hélio, que, refrigerado a uma temperatura perto de zero absoluto, muda de estado e se transforma num líquido com características bem particulares. Na prática, sua viscosidade se torna quase nula e pode fluir sem gerar nenhuma fricção. Chamamos essa característica de "superfluidez".
Agora estou ficando um pouco perdida disse Elisa, lamentando.
Simplificando, esse gás, em estado líquido, adequadamente estimulado pela estrutura do anel, será capaz de viajar dentro dele, sem nenhuma dificuldade, a uma velocidade próxima à da luz, e conseguirá mantê-la por um período teoricamente infinito.
Fantástico foi tudo o que Jack comentou, e não havia perdido nem uma sílaba de toda a explicação.
Ok, agora acho que entendi acrescentou Elisa. Mas como essa engenhoca vai combater os efeitos da força gravitacional entre os dois planetas?
É aí que as coisas começam a ficar mais complicadas respondeu Petri. Digamos que a rotação do superfluido a velocidades próximas à da luz, gerem uma curvatura de continuidade espaço-tempo em volta, provocando um efeito antigravitacional.
Meu Deus! exclamou Elisa. Meu velho professor de física estaria se revirando no túmulo.
E não somente ele, minha querida acrescentou o Coronel. Se entendi direito o que esses dois senhores estão tentando nos explicar, cá estamos conversando sobre a subversão de muitas teorias e conceitos que vários dos nossos cientistas passaram a vida inteira tentando analisar e estudar. O princípio de antigravidade foi teorizado mais de uma vez, antes que qualquer um fosse capaz de prová-lo completamente. Agora finalmente temos a prova aqui, diante de nós e ele apontou para o estranho objeto de que isso é realmente possível.
Eu teria um pouco mais de cuidado disse Azakis, atenuando um pouco o entusiasmo do Coronel. Sinto-me obrigado a informar-lhes que essa coisa nunca foi testada em grandes objetos como planetas, ou melhor, tentamos há dois ciclos mas não terminou exatamente como esperávamos. Além disso, eventos que não antecipamos podem ocorrer, e
Lá vem você, trazendo má sorte como sempre disse Petri, interrompendo seu colega. O mecanismo já foi demonstrado antes. Nossa própria astronave usa parte desse princípio para propulsão. Vamos ser otimistas ao menos uma vez!
Porque realmente não existem outras alternativas, de qualquer jeito, ou estou errada? perguntou Elisa, com uma voz decepcionada.
Infelizmente, creio que não disse Petri desolado, levemente cabisbaixo. Na verdade, a única coisa que realmente temo é que, dado o tamanho reduzido do nosso toroide, não seremos capazes de absorver completamente todos os efeitos da força gravitacional, e uma parte dos grávitons conseguirá fazer seu trabalho, de qualquer forma.
Está dizendo que essa coisa poderá não ser suficiente para impedir uma catástrofe, mesmo assim? perguntou Elisa, aproximando-se do alienígena de maneira ameaçadora.
Talvez não totalmente respondeu Petri, dando um pequeno passo para trás. Pelos meus cálculos, diria que cerca de dez por cento dos grávitons poderiam ser liberados nesse tipo de manobra.
Então, tudo poderia ser esforço em vão?
Absolutamente respondeu Petri. Reduziremos os efeitos em noventa por cento. Sobrará muito pouco para manejarmos.
Vamos chamar de "Newark". disse Elisa satisfeita. Agora é melhor nos apressarmos. Sete dias passam rápido.
Base aérea Camp Adder O refúgio
Os dois estranhos personagens, ainda vestidos de beduínos, acabavam de entrar em seu esconderijo na cidade, quando um fraco som intermitente do laptop, ainda funcionando na mesa da sala de estar, chamou-lhes a atenção.
Quem diabos será? perguntou o magro, irritado.
O sujeito gordo, que agora estava mancando mais do que antes, aproximou-se do computador, e depois de digitar uma senha decididamente complicada, disse: É uma mensagem da base.
Eles vão querer saber se a operação obteve êxito.
Me dê um segundo para decodificá-la.
Uma série de símbolos ininteligíveis apareceu na tela, então depois de digitar uma combinação de códigos em sequência, a mensagem começou a aparecer lentamente.
General capturado e levado à base aérea Camp Adder. Requer operação imediata de resgate.
Santo Deus! exclamou o gordo. Eles já sabem.
Como diabos conseguiram?
Bem, eles definitivamente têm mais ligações diretas do que nós. Não deixam escapar nada.
E o que esperam que a gente faça?
Não sei. Apenas diz aqui que devemos ir libertá-lo.
Vestidos assim? Não acho uma boa ideia, de modo algum.
O sujeito alto e magro puxou uma cadeira da mesa, girou-a 90 graus e então, balbuciando uma série de gemidos intermitentes, caiu nela. Só faltava essa!
Ele recostou um cotovelo na superfície polida e olhou distraidamente pela janela à sua frente. Notou que as janelas estavam realmente encardidas, e aquela à direita tinha uma rachadura que percorria quase todo o comprimento.
De repente, levantou os olhos para o companheiro, e com um sorrisinho sardônico, disse: Acabo de ter uma ideia.
Eu sabia, conheço esse olhar.
Vá pegar o primeiro kit de primeiros socorros e me deixe dar uma olhada nesse galo que você tem na cabeça.
Para ser sincero, estou mais preocupado com meu pulso. Queria saber se está quebrado.
Não se preocupe, vou tratá-lo pra você. Eu queria ser veterinário quando era garoto.
Depois de pouco mais de uma hora e doses enormes de analgésicos e várias aplicações de pomadas, os dois comparsas estavam quase novos em folha.
Depois de se olhar no espelho pendurado na parede perto da porta de entrada, o magro disse com um sorriso: Agora podemos ir e passou para o quarto. Ele apareceu de novo logo depois, segurando dois uniformes militares norte-americanos passados a ferro.
Onde conseguiu? perguntou o gordo surpreso.
São parte do kit de emergência que trouxe comigo. Nunca se sabe.
Você é totalmente maluco disse o gordo, sacudindo a cabeça ligeiramente. E o que devemos fazer?
Este é o plano disse o magro, com um ar satisfeito, jogando para o colega o tamanho extra grande. Você será o General Richard Wright, diretor de uma agência ultrassecreta do governo, que ninguém conhece.
Obviamente, se é ultrassecreta. E você?
Serei seu braço direito. Coronel Oliver Morris, a seu serviço, senhor.
Então sou seu superior. Gosto disso.
Mas não se acostume muito, ok? disse o sujeito magro, erguendo o dedo indicador. E esses são nossos documentos, com nossos distintivos.
Caramba! Parecem reais.
E isso não é tudo, meu velho e mostrou ao outro uma folha de papel timbrado, assinada pelo Coronel Jack Hudson. Essa é a solicitação oficial de transferência de prisioneiros para um "local seguro".
Onde raios conseguiu isso?
Imprimi mais cedo, enquanto você estava no banho. Pensou que era o único mago dos computadores?