Amy Blankenship, RK Melton
Ligação de Sangue
Ligação de SangueSaga Laços de Sangue Livro 5Amy Blankenship, RK MeltonTranslated by Andreia PereiraCopyright © 2012 Amy BlankenshipSegunda Edição Publicada por TekTimeTodos os direitos reservadosCapítulo 1
A cidade de Los Angeles estendia-se à sua volta num caleidoscópio de cores e luzes intermitentes. Os sons distantes da vida urbana ecoavam nos seus ouvidos, mas Syn não lhes prestava atenção, escutando em vez disso o sussurro da brisa suave que se movia à sua volta. Estava de pé, em equilíbrio perfeito, no pico de um dos edifícios mais altos da cidade, com os pés a tocar apenas no seu pináculo.
Syn tinha as mãos enterradas nos bolsos das calças, enquanto a sua gabardina esvoaçava atrás de si como uma capa longa que parecia desaparecer e surgir de novo de forma aleatória, como se tivesse vida própria. O vento afastara o seu longo cabelo escuro, revelando no seu rosto uma beleza intemporal, do tipo que raramente se vê neste mundo.
Tinha tomado a precaução de colocar um escudo sobre a sua aura para se proteger de todas as criaturas que o pudessem detetar, mas conseguia sentir essas auras no chão, bem lá em baixo. A andar nas suas vidas entre os humanos, praticamente sem preocupações.
Olhando para o terraço da cobertura diretamente por baixo de si, sorriu maliciosamente quando ouviu Damon entregar a Alicia a pedra de sangue. Colocou-a dentro dela para que ela pudesse estar sempre protegida da perigosa luz solar, que ameaçava a sua nova existência. Syn tinha orgulho na sua nora, alguém que desafiasse Damon e o mantivesse alerta em relação a tudo aquilo que era importante.
O seu sorriso afetado alargou-se quando os gritos de dor dela foram brevemente seguidos por gemidos de prazer e ele acenou a cabeça em aprovação. Ele mal podia esperar para conhecê-la.
Syn focou uma vez mais o seu olhar de tom ametista na cidade e viu as sombras escuras e malignas, mesmo em zonas de luz. Coisas que os outros não conseguiam ver. Ele não compreendia porque é que os seus filhos tinham decidido lutar nesta guerra contra os demónios. Na sua mente, ele via os demónios da mesma forma que via os humanos. Não se importando realmente com nenhuma das espécies. No entanto, os seus filhos e a sua obstinada alma gémea tinham decidido fazer-lhes frente, escolhendo proteger aqueles que não conseguiam defender-se face a tal guerra.
Um pequeno sorriso assomou-lhe os lábios quando se lembrou da sua esposa A sua alma gémea. Ela torcia sempre pelo mais desfavorecido, defendendo sempre os que eram considerados fracos. Ele imaginava que pouca coisa tivesse mudado desde as suas vidas anteriores. A alma era a mesma, independentemente de quantas vezes renascesse. Ela olhara para ele como inimigo uma vez, simplesmente porque o seu poder era muito superior ao da maioria no seu mundo. Ela demorou anos a mudar de ideias.
O sol já espreitava sobre o horizonte e Syn levantou o rosto para saudá-lo, permitindo que a luz fluísse por ele, sentindo a enorme quantidade de energia e preenchendo o seu corpo com ela. Syn sabia que os seus filhos tinham escolhido viver uma vida humana. Algo que ele nunca tinha tentado até agora. Outro indício de sorriso passou pelos seus lábios perfeitos quando uma ideia interessante lhe ocorreu.
Sim, poderia ser bastante divertido juntar-se a eles, já que a sua alma gémea também achava que era uma mera humana e vivia pelas suas leis. Ia juntar-se a eles, aproximar-se dela e convencê-la de que ele não era o inimigo, nem dela nem de ninguém. Desta vez, ia manter a maioria dos seus poderes ocultos para que ela não se sentisse tão ameaçada por ele. Ia tornar-se seu aliado, seu amigo e depois, uma vez mais, o seu companheiro.
*****
Misery sentou-se numa rocha, balançando as pernas para trás e para a frente, agitando os seus caracóis loiros com cada movimento. Tinha estado muito ocupada nessa semana, recrutando demónios para o seu exército crescente. Mesmo agora, alguns deles mantinham-se escondidos na escuridão que a rodeava, observando curiosamente.
A maioria dos demónios que reunira eram fracos, sem grandes poderes a referir, mas um soldado era mesmo assim. Por si só, era débil. Mas reunidos num exército, poderiam abrir caminho por entre os inimigos mais fortes sem receio quanto às suas próprias baixas.
Esta noite, Misery tinha sentido o poder de uma aura antiga na floresta que rodeava um dos lados da cidade e tinha-a seguido até uma gruta profunda. A energia malévola erguera-se na direção dela, tentando afastá-la da sua casa, mas Misery apenas achara divertido o seu esforço. Isso até a força a empurrar fisicamente para trás.
Quando ela se levantou para encarar o demónio, tudo o que viu foi um corvo sentado numa pedra com as asas eriçadas. Ao procurar a sua alma negra, Misery acalmou-se ao perceber que esta ave era um dos mestres antigos que ficara esquecido quando os caídos levaram os outros para o submundo.
Este demónio tinha-se fundido com o cenário e fizera ali a sua casa. Os Nativos Americanos deste território consideravam o demónio como um grande espírito a ser adorado e reverenciado e, com essa adoração, o mestre demoníaco tinha-se fortalecido.
Misery conseguia sentir o sabor da raiva que este demónio tinha contra os humanos pálidos que deambulavam livremente pelas suas terras e procurou tirar partido disso. Ela faria um acordo com o demónio, em vez de lutar contra ele. Uma batalha que ela sabia agora que teria perdido. O demónio antigo pareceu agradado com a ideia de libertar a sua espécie da sua prisão dimensional e deu-lhe instruções para que realizasse um sacrifício de sangue Uma das ferramentas de que ele iria precisar para ajudá-la antes de voar na direção da floresta.
Quando Misery voltou à caverna com dois vampiros e um homem semiconsciente e fascinado, o espírito malévolo já a aguardava. Os olhos vermelhos e reluzentes do corvo fixavam-na de forma penetrante antes da ave levantar voo. Misery seguiu-a, embrenhando-se na floresta mesmo até ao limite da reserva de caça. Entrara numa pequena clareira e foi com alguma surpresa que viu um velho sentado junto a uma grande fogueira.
Chamo-me Black Crow, afirmou o velho.
Misery acenou respeitosamente. Lembrou-se das formas sagradas de lidar com o poder de um demónio que fosse superior ao seu próprio poder. Sou a Misery.
Black Crow riu-se em tom de escárnio. O que sabes tu da verdadeira miséria?
Misery permaneceu em silêncio, mordendo a língua para evitar responder. Ela tinha poder e ele sabia-o. Ela tinha a certeza de que ele conseguia senti-la da mesma forma que ela o sentia a ele.
Black Crow levantou-se e aproximou-se deles. Ela observava a sua aparência humana e não conseguia compreender porque é que alguém tão poderoso havia de escolher um corpo tão frágil. Ele parecia idoso, muito velho e enrugado, com longos cabelos brancos, e vestia calças de pele curtida de veado. A camisa era feita da mesma pele de veado e adornada com contas e penas. Trazia uma pequena bolsa pendurada na anca e tinha mais penas entrançadas no cabelo acima de uma orelha.
Black Crow esticou o braço de forma abrupta e levantou a cabeça do humano pelo cabelo para olhar para o seu rosto. Este serve perfeitamente, disse ele e voltou para junto da fogueira.
O que queres que faça? Perguntou Misery.
Temos de aguardar, proferiu Black Crow e adicionou mais troncos à fogueira.
Misery deu azo à sua irritação: Aguardar o quê, ancião? Eu não tenho a eternidade. A minha guerra irá acontecer com ou sem a sua ajuda.
Ignorando-a, Black Crow juntou mais lenha à fogueira e começou a cantar. Misery estava prestes a afastar-se quando deu por si congelada. Conseguia sentir os seus poderes a serem sugados e a sua forma juvenil começou a apodrecer. Isto não era o mero efeito da sua aparência cadavérica. Todo o seu ser estava lentamente a ser drenado dos poderes que ela havia roubado aos humanos.
O teu plano falhará sem mim. Disse Black Crow num tom condescendente. A tua existência tornou-se minha quando fizeste o teu acordo. És fraca e não deténs poder nenhum sobre mim, pois não tens nada que eu queira.
Misery foi subitamente libertada, mas olhou ferozmente para ele enquanto permanecia sentada na enorme rocha à espera sabe-se lá de quê. Black Crow alimentava constantemente o fogo e as chamas já atingiam uma altura impressionante. O ancião ergueu-se e dirigiu-se ao lado oposto da clareira, até junto de uma velha sequoia em que Misery não tinha reparado.
Black Crow ajoelhou-se junto às suas raízes imensas e agarrou num punhado de terra. Regressando à fogueira, o seu cântico tornara-se muito alto e rítmico, até atirar a terra para o fogo. O fogo chispou e subiu ainda mais alto quando a terra atingiu as chamas ardentes. O seu corpo começou a mover-se numa dança tribal enquanto os seus cânticos subiam de tom.
As sombras à sua volta estendiam-se para a frente de tal modo que apenas não tocavam em Black Crow, dançando no interior de um círculo perfeito. Subitamente, ele parou e esticou-se para tocar nas sombras que se aproximavam dos seus pés. A escuridão intensa alongou-se para chegar à sua mão, procurando o toque de calor que Black Crow exumou antes de a puxar do chão. Também ela foi ao encontro das chamas, com um chispar que rapidamente se transformou numa explosão, obrigando Misery a proteger os olhos.
Um lamento inumano invadiu a clareira e Misery observou a sombra e erguer-se das chamas, tornando-se avermelhada devido ao calor. Voou atravessando a clareira de volta ao local onde Black Crow tinha agarrado na terra e desapareceu no solo. Momentos depois, a terra começou a agitar-se como se estivesse a respirar e dois braços ossudos e ressequidos ergueram-se do solo.
Black Crow dirigiu-se imediatamente ao sacrifício de sangue que os vampiros de Misery tinham arranjado e arrastou-o do alcance das suas garras.
O jovem, um estudante na universidade pública local, despertou do torpor em que os vampiros o colocaram quando Black Crow o possuiu. Ainda desorientado, não sabia o que estava a acontecer até ter visto a lâmina comprida a aproximar-se da sua garganta. Antes mesmo que pudesse fazer fosse o que fosse, a lâmina rasgou a sua carne e o seu grito foi silenciado.
O sangue espirrou sobre as chamas acesas, alimentando a fogueira com silvos e faúlhas. Os braços que se tinham erguido do solo arrastavam agora os restos do seu corpo pela noite escura. Um lamento longo e grave irrompeu da sua garganta, acompanhado por grunhidos de fome, enquanto se arrastava na direção do homem moribundo.
Os dedos esqueléticos fixaram-se na camisa do homem e a criatura baixou a cabeça até à ferida aberta, deliciando-se com o sangue e a carne fresca. À medida que comia, os músculos e a carne começaram a crescer sobre os seus ossos salientes e Misery deu por si entusiasmada com a cena. Não conseguia tirar os olhos da obra de arte que Black Crow criara e bateu palmas de alegria.
Ele vai precisar de mais para se alimentar até se poder reanimar por completo. Mas este será suficiente por agora, disse Black Crow com uma pitada de aborrecimento na sua voz grave.
Podemos fazer mais? Perguntou Misery enquanto via o sangue e a violência brilhar à luz da fogueira.
Eu posso, disse simplesmente Black Crow e Misery não deixou passar a sua insinuação. Ele podia, ela não.
Agora, jovem demóniamostra-me o teu poder, ordenou Black Crow.
Misery sorriu e tocou no pingente de aranha que lhe pendia do pescoço. A aranha imediatamente se desfez em milhares de pequenos aranhiços que depois voltaram a rastejar de volta, reagrupando-se. Black Crow observou dois dos aracnídeos a rastejar pelas pernas dela e chegar ao chão irregular. As criaturas pararam a meio do caminho entre ele e Misery antes de enterrarem na terra.
Black Crow manteve-se em silêncio enquanto o chão começou a tremer e uma fissura estreita cor de sangue se abriu na terra com um pequeno terramoto. As árvores agitaram-se e os gemidos de animais florestais fizeram-se ouvir à medida que o chão rugia. Cinco demónios sombra voaram da abertura e por toda a clareira. Os seus gemidos preenchiam a noite com a sua melodia. Convergiam na fogueira e voavam em círculos em torno da mesma, aproximando-se para depois se afastarem no último segundo.
Isto continuou até que os demónios se cansaram do jogo e desapareceram na escuridão da floresta, em direção à cidade, onde conseguiam detetar as suas presas. Black Crow fitava a fenda para o submundo com uma expressão insondável. No entanto, quando se aproximou da fenda recortada, colocou o pé sobre ela e fechou a fissura, impedindo outros demónios de escapar.
Um esforço razoável, proferiu Black Crow. Mas és jovem e tonta. Uma fissura destas entre mundos apenas permite a simples demónios sombra entrarem neste reino, deixando os nossos verdadeiros aliados ainda presos do outro lado. Vais precisar de mais poder!. A sua voz elevou-se e depois acalmou. Enquanto ganhas esse poder, vou criar-te um exército, mas que em última instância irá obedecer-me a mim.
Misery não teve outra escolha senão acenar em concordância e humildade. Ao virar-lhe as costas, os seus lábios infantis torceram-se num esgar maléfico. O velho demónio tinha razão numa coisa, ela precisava de mais poder. E sabia exatamente como obtê-lo.
Permitindo que as trevas dentro de si se expandissem, ela disparou em direção à cidade deixando que os seus subordinados a seguissem. Tinha começado a formular um plano e precisava de localizar a criança demoníaca que a podia ajudar. Teria de abrir mão da sua última reserva de sangue de Kane, mas o fim justificava os meios. Ia valer a pena o sacrifício.
Esvoaçou sobre a cidade na direção do bairro onde encontrara um lar temporário. Seguindo de rua em rua à procura das trevas, tentou captar o cheiro do seu alvo. O problema com este demónio é que ele tinha a capacidade de ocultar a sua aura demoníaca. Para quem o tentasse caçar, ele pareceria humano e nada poderia estar tão longe da verdade.
Pouco tempo depois de ter começado a sua busca, Misery sentiu o híbrido Skye a segui-la. Não interferiu com a atividade dela e não se aproximava, mas ela conseguia senti-lo a acompanhar cada movimento seu. Será que tinha saudades de estar preso na gruta com ela? Ela estava a pensar refrescar-lhe a memória caso ele tentasse interferir com os planos dela. Já era suficientemente mau que dois caídos andassem a seguir os movimentos dele. Se ele continuasse assim, iria levá-los até ela.
O dia estava prestes a nascer quando ela finalmente encontrou o pequeno demónio que procurava. Ele saiu das sombras e apressou-se a atravessar a rua e entrar numa outra ruela. Misery encontrara-o por acaso uns dias antes e tinha-o confundido com um humano. Até ele ter dizimado os vampiros que o tinham atacado.
Visto de fora, o demónio não parecia passar de um rapazinho de oito anos a viver como um rato de rua. O seu cabelo escuro pelos ombros pendia-lhe em mechas oleosas e emaranhadas em torno do rosto, que era pálido, mas docemente angélico quando se ignorava tudo o resto. Isso apenas reforçava a sua camuflagem humana quando ele queria atrair os corações e mentes das suas vítimas. As suas roupas eram esfarrapadas e não tinha sapatos. Quando levantou a cabeça para olhar para a rua atrás de si, os seus olhos brilharam como diamantes negros.