O Homem Que Seduziu A Mona Lisa - Dionigi Cristian Lentini 4 стр.


Ainda posso lembrar o olhar doce e materno com que dona Clarice me acolheu, oferecendo-me a mão. Apresentou-me a seus familiares e amigos e logo me pôs todos os confortos da casa à disposição. Toda noite, seus banquetes tinham convidados letrados, humanistas, artistas, refinados cortesãos e principalmente belas mulheres.

A mais bela de todas, à qual até hoje nenhuma consegue igualar-se e destronar, era Simonetta Cattaneo Vespúcio.

A noite em que a vi pela primeira vez, vestia uma sobreveste de brocado forrada com veludo vermelho, que deixava à mostra um generoso decote, e lindamente delineada por uma gamurra preta, que se amoldava perfeitamente aos belos seios e preservava a suave forma daquele admirado e desejado corpo. Caíam soltos sobre os ombros a maior parte dos louros cabelos ondulados, enquanto uma parte estava recolhida em uma longa trança decorada com cordéis e pequenas pérolas. Alguns cachos rebeldes enquadravam aquele rosto harmonioso, fresco, radiante, etéreo. Seus olhos eram grandes e melancólicos, sensualíssimos, assim como aquele sorriso esboçado nos aveludados lábios semiabertos, exaltados pela covinha no queixo e tão vermelhos quanto a sobreveste.

Se eu não tivesse recebido a terrível notícia de sua morte algum tempo depois, ainda acreditaria que ela era uma deusa encarnada em um perfeito invólucro feminino.

Tinha apenas um único defeito: já tinha marido ciumentíssimo e com razão. Com apenas 17 anos, casou-se em sua Gênova natal com o banqueiro Marco Vespúcio, com a presença do doge e de toda a aristocracia da república marítima.

Era muito amada (e invejada) pela sociedade; durante os anos, tornou-se a musa favorita de muitos literatos e artistas, entre os quais o pintor Sandro Botticelli, amigo de longa data da família Médici. O pintor apaixonou-se platonicamente por ela e pintava seus retratos em todos os lugares: até o estandarte que fez para a justa daquele ano, vencida por Juliano de Médici de maneira épica, continha seu etéreo rosto.

No dia seguinte, fomos convidados a um banquete na vila de Careggi organizado pelo Magnífico em homenagem à família Borromeo. O intuito velado era apresentar uma das filhas destes a seu irmão Juliano, o qual, no entanto, como talvez tantos outros, havia perdido a cabeça pela senhora Cattaneo. Inclusive, depois das primeiras formalidades, Juliano retirou-se ao jardim, onde esperava a esposa de Vespúcio, aproveitando-se da ausência do marido, que estava em uma viagem oficial naquela manhã.

Entre um prato e outro, Lourenço deleitava seus hóspedes declamando preciosos sonetos de sua própria composição. Fazendo coro à declamação, alguns ilustres convidados respondiam à rima, animando o simpósio. Além de nobres amigos e familiares, sentavam-se à mesa estimados acadêmicos neoplatônicos como Marsílio Ficino, Ângelo Ambrogini e Pico della Mirandola, além de diversos expoentes do Conselho florentino.

Embora fosse o chefe da família mais rica e potente de Florença e estivesse se tornando, cada vez mais, o incontestável árbitro do equilíbrio político da península, Lourenço tinha apenas 26 anos; teve o mérito de construir em torno de si uma corte jovem, brilhante, mas também prudente e capaz. Após poucos dias de convivência, tornou-se para mim um modelo a seguir, a personificação de valores a aspirar. O que claramente nos diferenciava e que jamais poderia igualar, além dos 11 anos de idade, era o fato de ele poder contar com uma sólida e coesa família: sua mãe, dona Lucrécia, era, ainda mais depois da morte de seu cônjuge Pedro, sua onipresente cúmplice e conselheira; Bianca, doce e amada irmã, admirava o irmão e não perdia a oportunidade de tecer-lhe elogios, brilhando-lhe os olhos sempre que pronunciava publicamente seu nome; Juliano, obstinado irmão mais novo, apesar de eventuais tensões e impertinências, também estava sempre a seu lado, envolvido em cada sucesso ou insucesso político do irmão; Clarice, embora conhecida por algumas indiscrições conjugais, nunca deixou de amar o marido e sempre o apoiaria contra todos, mesmo contra sua família de origem, se necessário fosse. Era bonito ver aquela corte familiar em torno da qual a cidade, com elegante subordinação e reverência, apertava-se em cada festa, em cada celebração, em cada banquete. Aquela foi uma ocasião exemplar disso, a qual, como outros, tive o privilégio de presenciar.

Mas antes que o confeiteiro fizesse sua grande entrada no salão, ouvi um cão latindo fora da vila e decidi por instinto sair para ver por que o animal queria chamar a atenção de seus senhores. Ao entrar no jardim, descobri incrédulo Juliano e Simonetta debatendo-se no chão, sem controle dos próprios membros: a senhora Vespúcio, o rosto corado, os olhos e a boca abertos, tremia como vara verde; seu amante, ao contrário, tentava tapar o corpo, alternando entre risadas e delírios. Sem demora voltei para dentro e, aproveitando uma pausa nas festividades, com máxima discrição, pedi que Lourenço me seguisse.

Vimos os dois corpos sem vida caídos no chão. Lourenço mandou-me chamar um médico imediatamente; embora sacudisse o irmão mais novo, este não reagia de absoluto, nem aos golpes, nem às vozes. Logo depois, começaram as convulsões.

A situação era crítica e muito delicada. Em alguns instantes, no semblante do Magnífico a emoção e o desconcerto transformaram-se em pânico gerado pela impotência. Embora quisesse pedir ajuda a qualquer um presente na casa que pudesse oferecê-la, sabia que a descoberta dos dois jovens naquela condição, além do enorme escândalo, teria significado a perda do importante apoio político de Marco Vespúcio a si e sua família, o que era, naquele momento, decisivo no Conselho já minado pelos Pazzi (o nobre Jacopo de Pazzi, sem sombra de dúvida, aproveitaria a situação para tomar o controle da cidade).

Nem a imediata chegada do médico e do boticário tranquilizou Lourenço, que continuava a questionar-me sobre o que eu tinha visto antes de ele chegar. Os doutores, embora desde o início desconfiassem de um envenenamento, não conseguiam identificar a substância responsável para poder indicar um remédio. No meio-tempo, chegou Ângelo Ambrogini, o único, além de sua mãe, em quem Lourenço confiava cegamente; foi encarregado de pensar em uma desculpa aos convidados, que começavam a perceber e apontar a ausência do chefe da casa. Com a ajuda de Ângelo, os corpos logo foram levados em segredo para um abrigo próximo.

Percebi então que onde antes jazia o corpo de Simonetta havia um cestinho com mel e frutas do bosque, tudo aparentemente comestível e inofensivo. Peguei com a ponta dos dedos um mirtilo e apertei-o. Num instante lembrei-me que Jacopo me mostrou em Roma, alguns meses antes, uma planta muito venenosa chamada "atropa", também conhecida como "cereja de Satã", cujos frutos eram muito parecidos com o comum mirtilo, embora letal mesmo em pequenas quantidades. As folhas de atropa maceradas são comumente usadas pelas mulheres para dar brilho ao olhar e dilatar a pupila, para ficarem mais sedutoras. Minha hipótese foi aventada pelos médicos e confirmada pelo fato de que ambos os moribundos apresentavam manchas escuras nos lábios. No entanto, o cientista sentenciou que, naquele caso, não havia nenhuma cura conhecida, lançando o dono da casa na mais desesperada resignação.

O ocorrido foi aclarado alguns dias depois: alguém, a mando de Francesco de Pazzi, havia substituído os mirtilos pela atropa naquele cesto de frutas que dona Vespúcio viria a dividir com seu amante. Juliano, portanto, envenenou-se em um jogo erótico, chupando os frutos venenosos diretamente da boca da bela Simonetta. Assim, depois de alguns minutos, a potente droga fez efeito.

Ainda horrorizado pelo ocorrido, ousei intrometer-me uma segunda vez e propus ao senhor Lourenço um derradeiro esforço, consultando a delegação pontifícia hospedada na diocese. O magnífico, fazendo-me prometer a máxima discrição, consentiu e mandou-me buscar Jacopo com pressa, com quem voltei em seguida. Meu amigo analisou os frutos e ministrou um antídoto vindo de desconhecidas terras africanas. Depois de cerca de uma hora, os sintomas amenizaram, a temperatura dos doentes começou a baixar e, em oito dias, os jovens estavam completamente recuperados.

Ainda horrorizado pelo ocorrido, ousei intrometer-me uma segunda vez e propus ao senhor Lourenço um derradeiro esforço, consultando a delegação pontifícia hospedada na diocese. O magnífico, fazendo-me prometer a máxima discrição, consentiu e mandou-me buscar Jacopo com pressa, com quem voltei em seguida. Meu amigo analisou os frutos e ministrou um antídoto vindo de desconhecidas terras africanas. Depois de cerca de uma hora, os sintomas amenizaram, a temperatura dos doentes começou a baixar e, em oito dias, os jovens estavam completamente recuperados.

Todos os suspeitos foram afastados, dentro e fora dos muros. Quando Marco Vespúcio retornou à cidade com seus banqueiros, não tomou conhecimento de nada: ele estava ainda mais rico, Simonetta estava ainda mais bela, Juliano ainda mais apaixonado mas, acima de tudo, Florença pertencia ainda mais aos Médici.

Até o arcebispo parecia recuperar-se aos poucos; preparamo-nos, portanto, para retornar a Roma. No entanto, o Magnífico, como gesto de afeto e estima, além de agradecimento e reconhecimento, honrou-me com este que todos consideram uma das maiores condecorações da república: o anel de ouro com seis bolas, um passe universal entre os territórios da cidade e não apenas lá.

Desde então, sempre o carrego comigo, como um precioso testemunho da amizade de Lourenço e eterna memória daqueles infelizes amantes que, como Páris e Helena, muitas vezes correram o risco de transformar Florença em Tróia.

Durante toda a narração, Pietro, fascinado e tomado pelos fatos extraordinários, pela oratória do narrador e pela riqueza dos detalhes, não ousou dizer palavra.

Esperou alguns segundos depois do alegre fim para certificar-se de não estar profanando o incrível conto e, contraindo seu semblante impassível, finalmente disse orgulhoso:

 Obrigado, Senhor. Servir-lhe não será apenas uma honra, será um prazer.

Depois de dois dias na estrada, a via Cássia revelou o esplendor de Roma. Embora homens e animais estivessem bastante cansados, diante daquela visão, os ânimos revigoraram-se, e os corpos recuperaram a força. Tristano acariciou o cavalo e apressou o passo.

V

A condessa de Forlì

Girolamo Riario e Catarina Sforza

Nos aposentos do protonotário, não encontrou Giovanni Battista, mas um gordo clérigo que o convidou a encontrar o ocupado monsenhor direto na basílica de São Pedro, para onde este havia sido convocado com urgência pelo pontífice em pessoa. Encontrou ambos mergulhados em uma reunião séria, frente ao monumento fúnebre de Roberto Malatesta, herói da batalha de Campomorto.

Ao lado de Sisto IV estava seu sobrinho, o sinistro capitão general Girolamo Riario, que Tristano conhecia por ter sido um dos principais defensores da malsucedida conspiração de Florença quatro anos antes, ordenada em detrimento de seus amigos Lourenço e Juliano de Médici e que custou a vida deste último.

Não satisfeito de receber de seu tio as Senhorias de Ímola e Forlì, depois de não ter conseguido tomar posse de Florença e falhado na conquista de Urbino, o insaciável Riario arriscava agora também assistir ao malogro definitivo de suas ambições sobre Ferrara.

A República de Veneza continuava indiferente às advertências e excomunhões do pontífice; assim, após ter retirado seus embaixadores de Roma, ameaçava cada dia mais as fronteiras milanesas e os territórios da Igreja em Romanha. Era isso que preocupava agora, mais do que qualquer outra coisa, o velho Sisto IV.

Antes que fosse tarde demais, pensou-se em jogar a carta aragonesa: falava-se em encaminhar Tristano à Nápoles do rei Fernando para tentar convencê-lo, após Campomorto, a estabelecer um novo acordo de coalizão (do qual participariam também Florença e Milão) contra a Sereníssima. Na verdade, Giovanni Battista não se entusiasmava muito com essa solução e propôs no lugar tentar tratar diretamente com o doge, mas, dada a firme determinação do Santo Padre, teve de aceitar o encargo.

O mais satisfeito com a solução era obviamente Girolamo, que via nesse movimento o último vislumbre de esperança de sentar à mesa dos vencedores como protagonista e finalmente pôr as mãos em Ferrara.

 Monsenhor Orsini convocou este último antes que o Santo Padre dispensasse os presentes. Queiram fazer-me a cortesia, Vossa Magnitude e o Nosso honorável embaixador, de aceitar o convite para um sóbrio banquete que eu e minha senhora ofereceremos amanhã de noite em meu humilde palácio em Sant'Apollinare para inaugurar o período do Santo Natal.

Giovanni Battista, deferente, aceitou agradecido.

Tristano, que de propósito não se pronunciara diante do capitão, finda a reunião, reservadamente, foi também persuadido por seu protetor a aceitar o convite sem reticências. Descendo a escadaria da basílica constantiniana, Orsini intimou-o:

 Amanhã de manhã espero-o em meu escritório para os detalhes sobre Mântua, mas antes confirme a presença a Riario. Você poderia até declinar o convite do sobrinho do papa, mas não de seu filho!

Logo depois, partiu em uma carruagem e desapareceu entre as vias movimentadas da cidade.

O jovem diplomata estava exausto, e aquela última indiscrição deixou-o atônito; entrou na primeira estalagem aberta e, depois de colocar algo no estômago, convidou Pietro e os dois cavalos para o abrigo temporário; enquanto o sol se punha, seguiu a pé para casa.

Chegando em casa, no entanto, as emoções daquele dia pareciam ainda não terem acabado

Da rua, viu uma fraca luz de vela iluminar por um momento o andar mais alto da residência.

Pegou na espada e, subindo com cautela ao piso superior, viu o lampejo reacender no quarto de dormir. Depois outro brilho mais intenso e uma terceira vela

 Quem está aí? perguntou, tirando uma adaga de um escudo na parede. Saia! e, com um chute, escancarou a porta entreaberta do quarto.

Uma impertinente risada dissolveu a tensão e, diante de seus olhos, delinearam-se as curvas de um corpo feminino que conhecia bem. Era sua Verônica.

 Diga-me, ó meu herói. Meus ouvidos estão loucos para escutar sua voz sussurrou a insubstituível confidente e impagável amante.

 Não tanto quanto as minhas mãos para acariciar suas ancas, minha cara rebateu Tristano, colocando as armas na cadeira onde estavam as roupas da jovem meretriz e, deixando a capa azul-marinho cair no chão, foi viril a seu encontro.

Ela sorriu, aproximando-se um pouco da boca, e soltou os louros cabelos. Ele tirou a camisa e, empurrando-a para a cama, acrescentou:

 O conto de seu herói você deverá merecê-lo.

Entre risadas e joguinhos eróticos a que ambos estavam habituados, o cansaço desapareceu rapidamente.

No dia seguinte, recuperadas as forças, buscou o elegante casaco de lã negra que mandou fazer antes de partir para Mântua, dirigindo-se, ob torto collo, ao evento dos Riario.

O novo palácio, que surgia das ruínas de um antigo templo de Apolo, era estupendo. Fora projetado pelo mestre de Forlì Melozzo di Giuliano degli Ambrosi para saciar a mania de grandeza de Girolamo e o refinado gosto de sua jovem e bela senhora: Catarina Sforza, filha natural do falecido duque de Milão, Galeazzo, com sua amante Lucrécia Landriani.

A amável e desenvolta dona da casa recebia com seu consorte, vinte anos mais velho, os ilustres convidados no admirável pátio, apesar da particular rigidez daquela noite. Vestia uma longa e apertada gamurra, ornada sensualmente com rendas negras que faziam contraste com a palidez de sua pele. A veste estava fechada com cordões frontais e acrescida de mangas bordadas com fios de ouro, costuradas com diversos tecidos, cortados e amarrados por fitinhas, e de cujos cortes brotava a alva camisa. Os cabelos estavam envoltos por um sensual véu decorado com pérolas e pepitas de ouro.

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