Passamos a noite toda na festa falando sem parar. Nos sentíamos muito confortáveis juntos, como se nos conhecêssemos a vida toda. Ela me contou que trabalhava em uma agência de viagens preparando principalmente todas organizadas para a Tailândia, seu país, ou de tailandeses por Cingapura. Teve que sair de lá porque sua mãe estava doente e ela precisava ganhar muito dinheiro para pagar o tratamento. Na Tailândia, tinha um bom trabalho, mas o salário era muito baixo, por isso, veio para Cingapura por conselho de uma amiga. Com o que ganhava podia mandar bastante dinheiro para casa para os remédios da mãe. Era original de uma região chamada Chiang Rai, no norte do país, quase fronteira com Mianmar e Laos. Sua família era pobre e teve que lutar muito para poder conseguir uma bolsa e estudar marketing na Universidade Thammasat. Quando terminou o curso, conseguiu um bom trabalho em uma grande empresa, mas o salário ainda era muito baixo para o que precisava, e isso a levou a Cingapura, onde, para a minha sorte, se encontrava agora.
Tínhamos muitas coisas em comum. Os dois adoravam esportes, viajar, ler, provar coisas novas, aventura, tudo relacionado ao espaço Como se fôssemos almas gêmeas. Não podia acreditar na minha boa sorte. Aquela noite prometia ser agitada.
Não sei em que momento da noite chegamos àquela situação, mas quando me dei conta, ainda estávamos conversando, com sua mão direita apoiada sobre a minha e sendo acariciada por minha mão esquerda. Sua pele era muito suave e percebi uma pressão em seu peito que dificultava a respiração. Além disso, como a música estava muito alta e havia muita gente gritando, tínhamos que conversar ao pé do ouvido, o que tornava a situação ainda mais excitante quando ela me dizia algo e seu hálito acariciava meu rosto. Parecíamos dois apaixonados trocando confidências. Era difícil para mim não virar e começar a beijá-la e acariciá-la, satisfazendo o ardor que sentia em todo o meu corpo, mas não conhecia os costumes do lugar e não queria estragar a noite.
Falamos da minha família, do que tinha me levado a Cingapura Ela me fazia uma infinidade de perguntas sobre coisas de todo tipo. Sobre quanto tempo eu ficaria em Cingapura, se gostaria de viajar Parecia um interrogatório, mas me submetia a ele com gosto. Ela ficou muito interessada quando contei a história com minha ex-namorada. Dizia que para ela era inacreditável que uma garota pudesse me trocar por outro. Gostava cada vez mais de Sumalee. Definitivamente, tinha subido às posições mais altas de pessoas preferidas em Cingapura.
Tínhamos uma cumplicidade e uma confiança tamanha que parecia que ficaríamos a vida toda juntos. Enquanto ela falava, eu podia sentir o perfume dos seus cabelos, que tinha uma fragrância muito definida que ela me contou depois que era jasmim, e percebia uma sensação estranha que não sentia há muito tempo.
Era como se eu estivesse apaixonado, mas com certeza não era isso; provavelmente era a atração sexual do primeiro encontro. Seria uma loucura. Eu tinha acabado de conhecê-la há apenas algumas horas, ela vinha de uma história trágica, mas, ainda que parecesse perfeita para ser minha alma gêmea, não poderia ser tão fácil.
Fazia algum sentido?
Cingapura 6
Na semana seguinte, eu tinha combinado com Sumalee de passarmos o dia juntos. Ela se ofereceu para me mostrar a cidade e ser minha guia particular, o que me pareceu uma proposta fantástica. Era uma profissional da viagem e muito mais linda que Josele e Dámaso. Além disso, meus amigos tinham combinado com o fotógrafo da festa de jogar golfe, que era um esporte que não me atraía muito.
Apesar de ter ficado até tarde da noite anterior na festa, marcamos bem cedo na porta do templo Leong Nam, no bairro Geyland, porque ela me disse que queria me mostrar algo que dava para ver melhor cedo. No sábado trocamos números de telefone para o caso de surgir algum contratempo e a primeira coisa que fiz assim que acordei foi olhar o telefone com medo de que ela tivesse cancelado o encontro; mas não tinha nenhuma mensagem dela. Quando cheguei, ela já estava me esperando. Usava shorts jeans curtas azuis que não chegavam na metade da cocha, uma camiseta de alças azul turquesa e uma jaqueta muito fina de outra tonalidade de azul. Estava linda, era linda, e sabia como evidenciar isso. Quando me viu ao longe, um sorriso incrível se desenhou em seu rosto e ela veio trotando até mim. Me deu um abraço e me beijou a bochecha.
Olá, David! Queria te ver.
Ela pronunciava o a do meu nome com uma deliciosa mistura de a e i. Algo como David que me soava como uma música celestial.
Bom dia. Você imagina o quanto eu também queria. Não consegui pensar em outra coisa desde que nos despedimos ontem à noite.
Como você é bobo! Não é para tanto.
É verdade, acredite, é sim. O que vai me mostrar hoje? Você me deixou curioso.
Este é o bairro Geylang. É um dos que menos evoluíram em Cingapura e um dos que mantêm a gastronomia mais tradicional da região. Aqui fica o mercado tradicional asiático de Geylang Serai. Está cheio de barracas de frutas e outros tipos de produtos frescos, quase todas geridas por malaios. Aos domingos de manhã, ficam cheios de gente e barulho, mas se vier cedo, terá todo o mercado só para você contava, entusiasmada. Adoro vir aqui quase de madrugada e passear pelo lugar com o burburinho dos comerciantes preparando tudo e a mistura incrível de perfumes de frutas frescas que é possível sentir antes que o mercado fique cheio e eles se dispersem com o resto dos cheiros. É como passear no meio de campos de frutas. Me lembra um pouco minha terra.
Dava para ver por sua expressão que ela realmente gostava desses passeios.
Parece muito bom. Ou talvez você seja uma vendedora excepcional. Venha! Você me guia.
Começamos a passear entre as frutarias pelas ruas principais e pelos lorong, que é como chamavam em malaio as vielas laterais. As casas eram do mesmo estilo da zona indiana: baixas, com dois andares e cada uma de uma cor. Íamos parando em diferentes lugares e Sumalee ia me explicando as diferentes frutas típicas dos mercados dessa região: a longan, branca por dentro que parecia uma batata por fora; a manga, que eu já conhecia; o mangostim, mais doce ainda que a manga; e o que mais me chamou atenção, o durian, com espinhos de cor esverdeada e do tamanho de um melão pequeno. Quando abriam um no meio, dava para ver que dentro havia uma polpa amarela.
O curioso dessa fruta contava Sumalee, alegre, é que tem um cheiro muito forte que fez com que fosse proibido comê-la no transporte público e em hotéis para não incomodar as outras pessoas. Fede! disse, colocando um pedaço debaixo do meu nariz e me obrigando a afastá-la rapidamente para tirar esse cheiro horroroso.
Você sujou meu nariz.
Um momento disse Sumalee, tirando um lenço do seu bolso e limpando com cuidado. Eu não podia deixar de observá-la enquanto ela fazia isso. Pronto. Algo se estremeceu dentro de mim com aquele gesto.
Também havia muitos lugares com peixes salgados, sapos, arraias venenosas ou enguias. Tudo o que um ocidental poderia esperar de um mercado oriental.
Sumalee tinha razão. Era um passeio relaxante, com uma mistura de cheiros adocicados que o transportavam ao campo. Com o tempo, o lugar se encheu de gente, muito poucos deles ocidentais, e barulho e os cheiros mudaram totalmente, perdendo todo o encanto inicial.
Bom, o que mais se pode fazer por aqui?
Depende do que você gosta. Ao sul está o que chamam de bairro da luz vermelha de Cingapura, como o de Amsterdã.
Não, obrigado. Tendo uma mulher como você ao meu lado, não acho que conseguiria encontrar nem de longe nada que chegasse aos seus pés no bairro vermelho, nem procurando em toda Cingapura. Com certeza, nem em toda Ásia.
Por um instante, ela ficou me olhando com firmeza sem dizer nada. Sentia como se ela estivesse esquadrinhando minha mente através dos olhos. Temi, por um momento, tê-la ofendido, mas não disse nada.
Também há muitos templos e a Vila Cultural Malaia. Um museu onde se pode ver artesanatos, escutar música tradicional e degustar a culinária típica.
Já que estamos em uma região malaia, poderíamos escutar um pouco de música tradicional e comer alguma coisa tímica, não? Eu sou um turista de livro. Na verdade, li um na viagem para cá.
Tudo bem! Vamos para lá.
Com sua mão direita ela pegou a minha esquerda e me deu um puxão para que a seguisse. Durante um instante, apertei sua mão com força para ter certeza de que ela estava ali.
Chagamos em poucos minutos ao museu. Era um complexo de vários edifícios baixos de telhados canelados, muito no estilo oriental. Dentro, havia representações de objetos e utensílios malaios, como carroças puxadas por bois, exposições de artesanato e todo tipo de informação sobre sua cultura e gastronomia. Também tinha uma casa visitável decorada como se supunha que eram as tradicionais. Notava-se que ela gostava de viajar e conhecer coisas novas, além de trabalhar naquilo, porque olhava tudo com a curiosidade típica de uma criança, surpreendendo-se e emocionando-se com tudo. Eu gostei da visita, mas na verdade não tanto quanto ela, porque só estava concentrado no roçar de minha mão na sua e em observar, fascinado, todas as expressões de seu rosto. Tinha um rosto angelical. Queria tanto beijá-la!
Quando terminamos, ela me disse que me levaria para comer algo típico cingapurense e me deixei levar sem dizer nem uma palavra. Em vez de entrar pela porta principal, ela me levou pela viela de trás e chamou à porta da saída da cozinha. Eu estava intrigado. Quem abriu a porta foi um homem barrigudo e com um avental, gritando irritado, mas quando viu Sumalee, se calou e voltou para dentro, fechando a porta com uma forte batida. Um minuto depois, ela voltou a ser aberta e apareceu uma moça muito pequena, que também parecia tailandesa, e que se jogou nos braços de Sumalee, abraçando-a. Começaram a conversar em tailandês e logo Sumalee me fez sinal para que me aproximasse.
Este é David. David, esta é minha amiga, Kai-Mook, de quem falei um pouco ontem à noite. Também é tailandesa e trabalha neste restaurante. Ela vai preparar a comida para a gente.
É um prazer. Não se preocupe, Sumalee não disse nada de mau de você eu disse, sorrindo.
Igualmente. Entrar para escolher o Swikee. Seu inglês não era muito bom.
Escolher o que? olhei para Sumalee.
Entre e verá.
Eu a segui pela cozinha e ela me levou até um lugar onde havia uma bacia gigante com uma tampa. Kai-Mook a levantou e dentro havia uma dezena de rãs saltando para tentar escapar de sua prisão de plástico.
Rãs? exclamei, olhando para Sumalee.
Sim, são consideradas uma iguaria típica por aqui. Eles preparam uma sopa de rã deliciosa aqui no Swikee.
Se você diz Na verdade, nunca comi.
Estava um pouco indeciso, mas não queria parecer muito fresco, então escolhi as rãs que queria, as que me pareceram mais bonitas, se é que era possível, e me sentei à mesa que nos apontaram para esperar a refeição enquanto falava com Sumalee sobre o que faríamos depois. Não demorou muito para Kai-Mook aparecer com uma sopeira nas mãos. Quando ela a abriu e nos serviu a sopa de rãs, tive que reconhecer que tinha uma aparência muito apetitosa. Notava-se traços de pimentas vermelhas, algo que parecia coentro, chili e mais alguma coisa que não fui capaz de identificar.
Comecei a comer com um pouco de apreensão, mas quando dei a primeira bocada, todos os meus temores de dissiparam. Estava muito boa! Devorei o restante da rã com avidez. Ergui a cabeça e vi que Sumalee me observava, se divertindo.
Está delicioso, não é?
Tenho que reconhecer, esse é um prato de luxo. Tenho que trazer meus amigos aqui. Vão ficar loucos.
Sabia que iria gostar. O cozinheiro deste restaurante prepara a sopa de rãs mais gostosa de toda a cidade. Se vier com eles, pergunte por Kai-Mook e vocês terão o tratamento especial da casa. Agora ela já te conhece e cuidará de você como se fosse eu mesma.
Olhei nos olhos dela enquanto suspirava. Não sabia que loucura estava fazendo, mas ia dizer a ela o que estava começando a sentir quando Kai-Mook nos interrompeu, aproximando-se para perguntar como estava a sopa. Disse o mesmo que tinha dito a Sumalee, que estava deliciosa, e ela voltou contente para a cozinha. O restante da refeição também foram pratos que eu não conhecia; muito saborosos, mas nenhum como a sopa. Ficamos o tempo todo rindo e contando histórias divertidas que tinham acontecido com a gente no passado em nossas viagens.
Quando terminamos, Kai-Mook deu uma bolsa a ela. Ela não quis me dizer o que era. Também não me deixou pagar e insistiu que era seu dia de guia e que os gastos ficavam por sua conta. Segurei seu rosto e, observando-a com intensidade, dei um beijo muito suave em sua testa enquanto acariciava com os dedos suas têmporas. Pude notar que ela tremia quando fiz isso, não sabia se de emoção ou de repulsa. O importante foi que ela não se afastou. Um calafrio de excitação percorreu meu corpo ao contato com sua pele. Naquele momento, senti uma vontade quase irrefreável de lançar-me sobre ela e beijá-la, mas consegui me conter. Não apenas gostava de estar com ela e me sentia muito confortável, mas ela também me excitava demais.
Saímos para a rua. Fomos direto para um pequeno parque que ficava bem em frente de onde estávamos, e ela entregou a bolsa a uma mulher que parecia uma mendiga. A mulher tirou algo de dentro e vi que era comida. Conversaram um pouco como se se conhecessem a vida toda e, então, continuamos nosso caminho.
É uma mulher que está passando por apuros. Eu a conheço de outras vezes que vim ver Kai-Mook. Sempre trago um pouco de comida quente para que ela tenha uma boa refeição no dia.
Além de bonita, é uma boa pessoa. Não para de me surpreender.
Passei o braço por cima de seus ombros e pegamos o ônibus para o parque East Coast, no sudeste da ilha. Tínhamos decidido mudar totalmente de ambiente e eu queria ver um pouco de água, e ali havia praias, palmeiras e mar. Um lugar perfeito para conhecer um pouco mais Sumalee.
Quando chegamos, nos metemos por um dos caminhos que entravam no parque. Sumalee ficou pensativa um momento e, então, se dirigiu a mim.
Sabe patinar?
Não, nunca tentei. Quando eu era pequeno, andei um pouco de patinete, mas não tinha o equilíbrio muito desenvolvido, então desisti logo.
Bom, então ensinarei a você outro dia. E andar de bicicleta?
Isso, sim, claro.
Então vamos alugar umas bicicletas para visitar o parque. O que acha?
Perfeito!
Dito e feito. Nos dirigimos para o lugar onde alugavam bicicletas e, ainda que pudéssemos escolher bicicletas tandem ou carrinhos com teto, decidimos por duas vermelhas individuais para o restante do dia. Aparentemente, era uma atividade popular, porque o parque estava cheio de ciclistas e de gente patinando. Havia uma pista com dois sentidos claramente demarcados. Sumalee foi contando-me tudo enquanto pedalávamos com tranquilidade.