Sumalee - Javier Salazar Calle 7 стр.


Perfeito!

Dito e feito. Nos dirigimos para o lugar onde alugavam bicicletas e, ainda que pudéssemos escolher bicicletas tandem ou carrinhos com teto, decidimos por duas vermelhas individuais para o restante do dia. Aparentemente, era uma atividade popular, porque o parque estava cheio de ciclistas e de gente patinando. Havia uma pista com dois sentidos claramente demarcados. Sumalee foi contando-me tudo enquanto pedalávamos com tranquilidade.

O parque está dividido em diferentes áreas. De acordo com a área, pode fazer uma coisa ou outra. Você vai acabar descobrindo que eles são muito organizados em Cingapura.

Sim, estou percebendo.

Aqui, à direita, fica a área de churrasqueiras. Muitas famílias e grupos de amigos vêm, principalmente no fim de semana. Também há muitos restaurantes e cafeterias, se preferir não ter trabalho. Para usá-las, é preciso fazer reserva. Dá para fazer pela internet.

Como você disse, afirmei, sorrindo muito organizados. E isso?

Essa é a área de esportes aquáticos. Dá para alugar caiaques, fazer esqui aquático, mergulho e muitas outras coisas. Você gosta desse tipo de atividade?

Sim, adoro. E você?

Não experimentei muito, mas poderíamos tentar juntos.

Com certeza! Já está na minha lista desde que soube que viria para cá.

Agora estamos chegando à área para ficar na areia. É muito normal que as pessoas construam castelos. Olha!

Paramos um pouco para ver um grupo de jovens terminando de construir um tempo de areia de um tamanho descomunal. Devia ter quase dois metros de altura e quatro de largura. Nenhum de nós reconhecemos o edifício, mas Sumalee me disse que o estilo era muito parecido com os templos de Angkor, em Camboja. Havia muitas pessoas tirando fotos. Sumalee me contou que outra atividade típica do parque era a fotografia. Outra coisa que abundava era gente correndo. Era como o Parque do Retiro, em Madri, mas tinha quase o dobro do tamanho, com mar e mais possibilidades. A coincidência era que tinha tudo muito bem dividido e com cada coisa em seu lugar. Era muito artificial também. Voltamos a pegar as bicicletas e continuamos a andar. Passamos por um edifício com o logotipo do Burger King. Isso me fez esboçar um sorriso irônico. Por mais longe que acreditamos ter ido de nosso ambiente, descobrimos que a suposta civilização já tinha chegado antes.

Sumalee, e isso aqui? É um camping?

Sim, há algumas áreas habilitadas para acampamento. Também dá para reservá-las pela internet ela disse, rindo.

Não duvidada afirmei, enquanto pensava quanto eu gostava do som da sua risada.

Pedalamos durante algumas horas, percorrendo os quinze quilômetros de costa e parando de vez em quando para comentar algo, descansar ou parando em algum quiosque para beber alguma coisa. Em um deles vendiam ostras por um dólar, então comemos um par cada um. Para beber, aconselhado por Sumalee, pedi duas cervejas Tiger, que tinha um tigre como logotipo e era típica dali, de cor dourada pálida. Era bem suave e eu gostei. Como não podia ser diferente, brindamos por muitos dias como esse.

Vimos gente pescando com varas nas docas, famílias, casais de namorados, amigos em churrasqueiras, extensas praias de areia de uma largura que ia de dez metros a até apenas um com palmeiras e outros tipos de árvores ao fundo. A areia, no entanto, não era grande coisa, pois havia muitas garrafas de plástico jogadas pelo chão e o mar estava sempre cheio de grandes cargueiros. Também havia uma pista de patinação com obstáculos, áreas com aparatos para fazer ginástica, campos de vôlei, bancos com teto para descansar, caminhos estreitos de grandes pedras planas onde só dava para ir andando, além de muitos mapas para se orientar pelo caminho. As possibilidades eram incríveis, mas a manutenção e a limpeza não eram tanto como se esperava. Sumalee me disse que antes era melhor ainda e que nos últimos tempos havia decaído um pouco. Achei muito engraçado uma placa que proibia apontar com ponteiros laser para os aviões. Os aviões passavam muito próximo à terra porque o aeroporto de Changi não ficava longe dali. Outra queixa que se podia fazer ao lugar era o excesso de gente em quase todos os lugares, mas era preciso se levar em conta que era domingo, dia de suposta presença máxima de público. Teoricamente, nos outros dias o parque era mais tranquilo.

Quando nos cansamos de dar voltas, paramos em uma área de praia onde não havia ninguém. Já era tarde e as pessoas estavam indo para suas casas. No dia seguinte era segunda, dia de trabalho. Ficamos descalços e nos aproximamos da orla. Paramos bem rente ao mar, onde a água das ondas acariciava nossos pés de vez em quando.

A água desta área costuma ser suja, não é muito aconselhável se banhar, apesar de termos visto algumas pessoas fazendo isso disse Sumalee. Em todo caso, não é permitido se afastar muito da orla a nado.

Suja? Tem algo sujo em Cingapura? Isso, sim, é novidade. Se bem que essas praias também precisam de uma limpeza.

Não é mesmo? É por causa de todos esses barcos que vemos aí. Ainda assim, às vezes venho aqui, me sento e me perco observando o azul do mar. Sei que do outro lado fica minha terra, minha casa, minha mãe.

Olhei para Sumalee. Por um momento, ela tinha ficado melancólica e parecia estar prestes a chorar. Passei um braço em torno de seus ombros e a aproximei com suavidade de mim.

Deve ser difícil ficar tanto tempo longe dela e, ainda por cima, sabendo que ela precisa de você. Pense que tudo isso é por ela e que, quando tiver pago sua dívida, vocês poderão ficar juntas para sempre e será você quem a terá salvado.

Sim, quando tiver pago minha dívida disse, dando um suspiro. Mesmo que isso signifique tomar decisões que nem sempre gosto.

Que decisões?

Ah! Nada, nada. Coisas minhas.

Ficamos abraçados por um tempo, sem dizer nada. Na parte mais distante do mar dava para ver alguns catamarãs e uns caiaques amarelos dos que se podia alugar no parque. Mais longe se viam dezenas de cargueiros, todos grandes ou enormes. Acho que, se algum deles esvaziasse seus desperdícios na água ou se tivesse alguma perda de combustível, seria o suficiente para deixar as águas em um péssimo estado, por mais cuidados que fossem empregados e por mais que tentassem limpar.

A luz solar começava a cair de forma evidente. Estava começando a anoitecer. De acordo com o horário do parque, só havia iluminação ali das sete da manhã às sete da noite. Logo estaríamos no escuro e tínhamos que voltar porque não queríamos ter que refazer o caminho andando com bicicletas sem iluminação.

Sumalee se aproximou um pouco mais de mim e percebi que sua cabeça roçava meu corpo. Em imbuí de coragem e procurei sua mão com a minha. Não demorei para encontrá-la e a apertei com força. Ela me correspondeu. Tanto fazia a praia suja, a água insalubre ou tantos barcos estragando a paisagem. O céu alaranjado, o silêncio ao nosso redor perturbado apenas pelo canto de algum pássaro e sua mão segura na minha, era o paraíso.

Voltei para ela, nervoso, e com minha outra mão a segurei com suavidade pelo queixo e ergui um pouco sua cabeça de forma que nos olhássemos nos olhos a poucos centímetros um do outro. Ela olhava séria para mim, com intensidade, expectante. Abaixei minha cabeça e pousei meus lábios sobre os seus. Ela os entreabriu um pouco e eu peguei seu lábio inferior entre os meus. Passei assim um segundo, saboreando-o e, então, me afastei, devagar, deixando-o escapar de forma lenta. Por um momento achei que Sumalee ia se lançar sobre mim e me dar outro beijo, mas de repente sua expressão mudou.

Temos temos que ir ela disse, com a voz trêmula.

Acho que sim, mas não porque eu queira sair daqui. Estenderia este momento para sempre.

Sumalee não respondeu. Virou-se e puxou minha mão para que eu a seguisse. Montamos nas bicicletas e voltamos para a entrada o mais rápido que pudemos. Ainda assim, os últimos minutos percorremos quase às escuras.

Devolvemos as bicicletas e fomos andando até o ponto de ônibus de mãos dadas, sem dizer nada. Tínhamos que pegar ônibus diferentes. O primeiro a chegar foi o dela. Quando chegou ao ponto, me deu um beijo muito suave na bochecha, fez uma carícia no rosto com um olhar que dizia não fique triste e entrou. No meio das escadas, virou-se e me disse:

Vamos no falando. Se cuida.

Você também, Sumalee. Tudo bem?

Ela se virou sem responder e procurou um assento. Vi seu ônibus se afastar com uma estranha sensação. Uma mistura de euforia pelo beijo que tínhamos dado e de confusão por sua atitude depois. Não sabia muito bem o que significava. Ela não recusou o beijo, até o devolveu; mas algo a deteve logo. Ela não olhou mais para mim e tinha ficado pensativa; quase aflita, eu diria. Ainda assim, tinha falado em nos falarmos de novo. Como interpretar isso? Talvez não quisesse me beijar porque não sentia o mesmo que eu, mas não foi capaz de dizer que não. Talvez o beijo a tenha feito se lembrar de alguém querido do passado que perdeu. Talvez até em sua cultura não fosse legal se beijar tão rápido. Não fazia ideia.

Tinha que descobrir, precisava saber. Agora eu só podia pensar em como seria a próxima vez que nos víssemos: a Sumalee alegre e risonha de sempre ou a abatida e pesarosa que acabava de se despedir de mim.

Não podia esperar para descobrir a resposta.

Tailândia 14

Estava sentado no pátio observando os treinamentos de Muay Thai. Estava pensando que o pior da prisão era o tédio. Tantas horas sozinho, sem nada para fazer, sem ninguém com quem dividir, nem que fosse um pensamento, quando se aproximou de mim um homem grande careca e com cara de louco que tinha visto outras vezes andando por ali. Tinha uma grande cicatriz mal curada que subia do olho esquerdo até a metade da testa. Não se relacionava muito com o restante dos presos e ninguém parecia gostar de ficar muito perto dele. Tinha cara de estar bem mal da cabeça. Ele parou diante de mim, balançando-se de um lado para o outro, e me olhou cm firmeza com os olhos muito abertos, sem piscar. Eu não sabia muito bem o que pensar. Se também ia me bater ou se estava se divertindo só de me observar. Em todo caso, ele assustava. Após alguns segundos de tensão, ele se dirigiu a mim com um forte sotaque australiano.

O que você fez para eles?

Como?

Isso mesmo: o que você fez para esses chatos amarelos para eles te tratarem assim? perguntou mais uma vez, apontando com a cabeça para o grupo de perseguidores que conversavam do outro lado do pátio.

Nada que eu saiba. Não fiz nada para ninguém na cadeia. Contanto que não sejam irmãos da desgraçada que me mandou para cá

Então é estranho que persigam você como fazem, né?

Também penso assim. O que posso fazer?

Acho que nada.

Não é que me importe que converse comigo; pelo contrário, agradeço muito. Mas não tem medo de que eles impliquem com você por falar comigo? Ninguém quer se aproximar de mim por causa isso.

Comigo? Acho que não. Desde que entrei aqui, representei o papel de um louco perigoso capaz de qualquer coisa e, desde então, ninguém se mete comigo. E já estou há muitos anos aqui.

E como conseguiu? perguntei, mas na verdade, acho que não devia ser difícil para ele se passar por um louco perigoso. Para mim, ele parecia mesmo. Porque isso cairia muito bem para mim.

No primeiro dia, quando um maldito amarelo veio falar comigo, arrogante, comecei a gritar como um possesso e fui para cima dele, batendo, mordendo, arrancando os cabelos dele Como se um demônio estivesse guiando meu comportamento. Quase o matei. De fato, foi nessa briga que me fizeram esta cicatriz, quando seus amigos entraram para defendê-lo. Ele levou a pior, pode ter certeza afirmou, com um olhar sádico e um meio sorriso no rosto. Passei uma temporada isolado, mas quando saí, entre minha cara, que não é muito amigável, e a fama que a briga ganhou, ninguém voltou a cruzar meu caminho. De vez em quando, faço alguma bobagem ou grito com alguém para que não se esqueçam que sou capaz de qualquer coisa, e pronto. Se me virem com você, pensarão que é mais uma excentricidade do farang louco. Aliás, me chamo James disse, estendendo a mão.

David. Prazer respondi, dando minha mão. O que é farang?

É como os idiotas locais chamam a nós, os ocidentais. Não sei se significa estrangeiro, branco ou demônio, mas também não me importa. E outra coisa: não se confunda. Não é porque falei com você que vou fazer alguma coisa para te ajudar quando te atacarem. Uma coisa é eu gostar de encher o saco deles um pouco, e outra muito diferente é me divertir com alguns chineses por você, para quem eu não dou a mínima.

Estava claro que meu novo amigo não gostava muito dos tailandeses, para não dizer que parecia bastante racista, mas não que tivesse muita escolha. Era a primeira pessoa que se atrevia a falar comigo desde que entrei. Em uma situação normal, teria dado meia volta depois de dizer o que pensava dos racistas, mas eu não estava em uma situação normal. De fato, estava bem do lado contrário. E não discordava totalmente com o fato de que alguns tailandeses mereciam mesmo morrer. Pelo menos alguma.

Ficamos conversando por um tempo de banalidades. Ele riu um pouco dos presos que estavam treinando, gritando com eles como se estivesse na final do campeonato mundial de luta e tivesse apostado todo o seu dinheiro no resultado do combate. Alguns paravam para ver quem estava gritando assim, mas quando viam que era ele, seguiam seu rumo. Eu não gostava muito de chamar atenção e metia a cabeça entre as pernas para que não me reconhecessem.

Ele também passou alguns minutos maldizendo a quantidade de negros que havia na prisão. Como me contou, quase todos eram nigerianos e todos por motivo de drogas. Havia muito tráfico de drogas com a Nigéria. Ainda assim, o líder de todos eles não era nigeriano, com certeza, mas ninguém parecia saber sua origem. Era um homem também negro, grande e forte, com uma curiosa cicatriz em forma de meia lua no rosto e a quem todos pareciam temer. Até James. Pelo visto, era um mercenário africano, um filho da guerra obrigado a lutar e matar desde jovem e que não estava para brincadeira. Parecia muito tranquilo, mas quando precisava, era muito violento e não parecia temer nada nem ninguém. Havia muitos rumores sobre ele, mas ninguém sabia quais eram verdadeiros ou não: que o haviam obrigado a matar seu irmão quando o recrutaram à força em um grupo armado com apenas onze anos; que dois anos depois, ele matou o chefe que ordenou o ataque e o nomearam como líder; que era um assassino de aluguel; que tinha sido escravista na guerra do Congo; que comia o coração de suas vítimas; que tinha violado centenas de homens e mulheres, inclusive menores; que gostava de matar com as próprias mãos; que uma vez queimou vivo um povoado inteiro só porque não quiseram dizer onde se escondia uma pessoa que ele estava procurando; que tinha traficado todo tipo de produtos ilegais Tantas barbaridades. E, olhando para ele, nenhum me parecia pouco crível. Dava muito medo. Muito. Por sorte, ele me ignorava totalmente.

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