Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III - Luís Camões 7 стр.


Tudo vos consentiria
Quanto quizesseis fazer,
Se este vosso prometter
Fosse por me ter hum dia.
Todo então me desfaria
Com gôsto; e vós de contente,
Zombarieis de quem mente.

Mas pois folgais de mentir,
Promettendo de me ver,
Eu vos deixo o prometter,
Deixae-me vós o servir:
Haveis então de sentir
Quanto a minha vida sente
O servir a quem lhe mente.

Catharina me mentio
Muitas vezes, sem ter lei,
E todas lhe perdoei
Por huma só que cumprio.
Se como me consentio
Fallar-lhe, o mais me consente,
Nunca mais direi que mente.

A alma, qu'está offrecida
A tudo, nada lhe he forte;
Assi passa o bem da vida,
Como passa o mal da morte.

De maneira me succede
O que temo, e o que desejo,
Que sempre o que temo, vejo,
Nunca o que a vontade pede.
Tenho tão offerecida
Alma e vida a toda a sorte,
Que isso me dera da morte,
Como ja me dá da vida.

Ferro, fogo, frio e calma,
Todo o mundo acabarão;
Mas nunca vos tirarão,
Alma minha, da minha alma.

Não vos guardei, quando vinha,
Em tôrre, fôrça, ou engenho;
Que mais guardada vos tenho
Em vós, que sois alma minha.
Alli nem frio, nem calma,
Não podem ter jurdição;
Na vida sim, porém não
Em vós que tenho por alma.

Esperei, ja não espero
De mais vos servir, Senhora;
Pois me fazeis cada hora
Tanto mal, que desespéro.

Pois sei certo que folgais,
Quando mais mal me fazeis,
E que nunca descansais,
Senão quando me mostrais
Quão pouco bem me quereis;
Servir-vos mais não espero
Pois meu viver empeora
Com me fazerdes, Senhora,
Tanto mal, que desespéro.

Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura;
Vai formosa, e não segura.

Leva na cabeça o pote,
O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamalote:
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura;
Vai formosa, e não segura.

Descobre a touca a garganta,
Cabellos de ouro entrançado,
Fita de côr d'encarnado,
Tão linda que o mundo espanta:
Chove nella graça tanta,
Que dá graça á formosura;
Vai formosa, e não segura.

Quem disser que a barca pende,
Dir-lhe-hei, mana, que mente.

Se vos quereis embarcar,
E para isso estais no caes,
Entrae logo: que tardaes?
Olhae qu'está preamar:
E se outrem, por vos fretar,
Vos disser qu'esta que pende,
Dir-lhe-hei, mana, que mente.

Esta barca he de carreira;
Te seus apparelhos novos:
Não ha como ella outra em Povos
Boa de leme, e veleira:
Mas, se por ser a primeira,
Vos disser alguem que pende,
Dir-lhe-hei, mana, que mente.

Com razão queixar-me posso
De vós, que mal vos queixais;
Pois, Senhora, vos sangrais,
Que seja n'hum corpo vosso.

Eu para levar a palma,
Com que ser vosso mereça,
Quero que o corpo padeça
Por vós, que delle sois alma.
Vós do corpo vos queixais,
Eu queixar-me de vós posso,
Porque, tendo hum corpo vosso,
Na minha alma vos sangrais.

E sem fazer differença
No que de mi possuis,
Pelo pouco que sentis,
Dais á minh'alma doença.
Porque dous aventurais?
Oh não seja o damno nosso!
Sangre-se este corpo vosso,
Porque, minha alma, vivais.

E inda, se attentardes bem,
Seguis medicina errada,
Porque para ser sangrada
Hum'alma sangue não tem.
E pois em mi sarar posso
Males, que á minha alma dais,
Se inda outra vez vos sangrais,
Seja neste corpo vosso.

Ojos, herido me habeis,
Acabad ya de matarme;
Mas muerto volved á mirarme,
Porque me resusciteis.

Pues me distes tal herida,
Con gana de darme muerte,
El morir me es dulce suerte,
Pues con morir me dais vida.
Ojos, qué os deteneis?
Acabad ya de matarme;
Mas muerto volved á mirarme,
Porque me resusciteis.

La llaga cierto ya es mia,
Aunque, ojos, vós no querrais;
Mas si la muerte me dais,
El morir me es alegría.
Y así digo que acabeis,
O ojos, ya de matarme;
Mas muerto volved á mirarme,
Porque me resusciteis.

Mas porém a que cuidados?
Tanto maiores tormentos
Forão sempre os que soffri,
Daquillo que cabe em mi,
Que não sei que pensamentos
São os para que nasci.
Quando vejo este meu peito
A perigos arriscados
Inclinado, bem suspeito
Que a cuidados sou sujeito,
Mas porém a que cuidados?

Que vindes em mi buscar,
Cuidados, que sou captivo?
Eu não tenho que vos dar:
Se vindes a me matar,
Ja ha muito que não vivo:
Se vindes, porque me dais
Tormentos desesperados,
Eu, que sempre soffri mais,
Não digo que não venhais;
Mas porém a que cuidados?

Se as penas que Amor me deu,
Vem por tão suaves meios,
Não ha que temer receios;
Que val hum cuidado meu
Por mil descansos alheios.
Ter n'huns olhos tão formosos
Os sentidos enlevados,
Bem sei qu'em baixos estados
São cuidados perigosos;
Mas porém a que cuidados?..

Deixei-me enterrar no esquecimento de v. m. crendo me sería assi mais seguro: mas agora que he servida de me tornar a resuscitar, por me mostrar seus poderes, lembro-lhe que huma vida trabalhosa he menos de agradecer, que huma morte descansada. Mas se esta vida, que agora de novo me dá, for para ma tornar a tomar, servindo-se della, não me fica mais que desejar, que poder acertar com este mote de v. m., ao qual dei tres entendimentos, segundo as palavras delle pudérão soffrer: se forem bons, he mote de v. m.: se maos, são as glosas minhas.

Deixei-me enterrar no esquecimento de v. m. crendo me sería assi mais seguro: mas agora que he servida de me tornar a resuscitar, por me mostrar seus poderes, lembro-lhe que huma vida trabalhosa he menos de agradecer, que huma morte descansada. Mas se esta vida, que agora de novo me dá, for para ma tornar a tomar, servindo-se della, não me fica mais que desejar, que poder acertar com este mote de v. m., ao qual dei tres entendimentos, segundo as palavras delle pudérão soffrer: se forem bons, he mote de v. m.: se maos, são as glosas minhas.

Campos bem-aventurados,
Tornae-vos agora tristes;
Que os dias, em que me vistes,
Alegres ja são passados.

Campos cheios de prazer,
Vós qu'estais reverdecendo,
Ja m'alegrei com vos ver;
Agora venho a temer
Qu'entristeçais em me vendo.
E pois a vista alegrais
Dos olhos desesperados,
Não quero que me vejais,
Para que sempre sejais,
Campos, bem-aventurados.

Porém se por accidente
Vos pezar de meu tormento,
Sabereis que Amor consente
Que tudo me descontente,
Senão descontentamento.
Por isso vós, arvoredos,
Que ja nos meus olhos vistes
Mais alegria, que medos,
Se mos quereis fazer ledos,
Tornae-vos agora tristes.

Ja me vistes ledo ser,
Mas despois que o falso Amor
Tão triste me fez viver,
Ledos folgo de vos ver,
Porque me dobreis a dor.
E se este gôsto sobejo
De minha dor me sentistes,
Julgae quanto mais desejo
As horas que vos não vejo,
Que os dias em que me vistes.

O tempo, qu'he desigual,
De seccos, verdes vos tem;
Porqu'em vosso natural
Se muda o mal para o bem,
Mas o meu para mor mal.
Se perguntais, verdes prados,
Pelos tempos differentes
Que de Amor me forão dados,
Tristes, aqui são presentes,
Alegres, ja são passados.

Trabalhos descansarião
Se para vós trabalhasse;
Tempos tristes passarião,
Se algum'hora vos lembrasse.

Nunca o prazer se conhece,
Senão despois da tormenta:
Tão pouco o bem permanece,
Que se o descanso florece,
Logo o trabalho arrebenta.
Sempre os bens se lograrião,
Mas os males tudo atalhão;
Porém ja que assi porfião,
Onde descansos trabalhão,
Trabalhos descansarião.

Qualquer trabalho me fôra
Por vós grão contentamento:
Nada sentira, Senhora,
Se víra disto algum'hora
Em vós hum conhecimento.
Por mal que o mal me tratasse,
Tudo por bem tomaria;
Postoque o corpo cansasse,
A alma descansaria,
Se para vós trabalhasse.

Quem vossas cruezas ja
Soffreo, a tudo se poz;
Costumado ficará;
E muito melhor será,
Se trabalhar para vós.
Tristezas esquecerião,
Postoque mal me tratárão;
Annos não me lembrarião,
Que como est'outros passarão,
Tempos tristes passarião.

Se fosse galardoado
Este trabalho tão duro,
Não vivêra magoado.
Mas não o foi o passado,
Como o será o futuro?
De cansar não cansaria,
Se quizereis, que cansasse;
Cavar, morrer, fa-lo-hia;
Tudo, emfim, esqueceria,
Se algum'hora vos lembrasse.

Triste vida se me ordena,
Pois quer vossa condição
Que os males, que dais por pena,
Me fiquem por galardão.

Despois de sempre soffrer,
Senhora, vossas cruezas,
A pezar de meu querer,
Me quereis satisfazer
Meus serviços com tristezas.
Mas, pois em balde resiste
Quem vossa vista condena,
Prestes estou para a pena;
Que de galardão tão triste
Triste vida se me ordena.

De contente do mal meu
A tão grande extremo vim,
Que consinto em minha fim:
Assi que vós e mais eu,
Ambos somos contra mim.
Mas que soffra meu tormento,
Sem querer mais galardão,
Não he fóra de razão
Que queira meu soffrimento,
Pois quer vossa condição.

O mal, que vós dais por bem,
Esse, Senhora, he mortal;
Que o mal, que dais como mal,
Em muito menos se tem,
Por costume natural.
Mas porém nesta victoria,
Que comigo he bem pequena,
A maior dor me condena
A pena, que dais por gloria,
Que os males, que dais por pena.

Que mor bem me possa vir,
Que servir-vos, não o sei.
Pois que mais quero eu pedir,
Se quanto mais vos servir,
Tanto mais vos deverei?
Se vossos merecimentos
De tão alta estima são,
Assaz de favor me dão
Em querer que meus tormentos
Me fiquem por galardão.

Ja não posso ser contente,
Tenho a esperança perdida;
Ando perdido entre a gente,
Nem morro, nem tenho vida.

Despois que meu cruel Fado
Destruio huma esperança,
Em que me vi levantado,
No mal fiquei sem mudança,
E do bem desesperado.
O coração, que isto sente,
Á sua dor não resiste,
Porque vê mui claramente
Que pois nasci para triste,
Ja não posso ser contente.

Por isso, contentamentos,
Fugi de quem vos despreza:
Ja fiz outros fundamentos,
Ja fiz senhora a tristeza
De todos meus pensamentos.
O menos que lh'entreguei,
Foi esta cansada vida:
Cuido que nisto acertei,
Porque de quanto esperei
Tenho a esperança perdida.

Acabar de me perder
Fôra ja muito melhor;
Tivera fim esta dor,
Que não podendo mor ser,
Cada vez a sinto mor.
De vós desejo esconder-me,
E de mi principalmente,
Onde ninguem possa ver-me;
Que pois me ganho em perder-me,
Ando perdido entre a gente.

Gostos de mudanças cheios,
Não me busqueis, não vos quero:
Tenho-vos por tão alheios,
Que do bem que não espero,
Inda me ficão receios.
Em pena tão sem medida,
Em tormento tão esquivo
Que morra, ninguem duvída;
Mas eu se morro, ou se vivo,
Nem morro, nem tenho vida.

A morte, pois que sou vosso,
Não a quero; mas se vem,
Ha de ser todo meu bem.

Amor, qu'em meu pensamento
Com tanta fé se fundou,
Me te dado hum regimento,
Que quando vir meu tormento
Me salve com cujo sou.
E com esta defensão,
Com que tudo vencer posso,
Diz a causa ao coração:
Não te em mi jurdição
A morte, pois que sou vosso.

Por exprimentar hum dia
Amor se me achava forte
Nesta fé, como dizia,
Me convidou com a morte,
Só por ver se a temeria.
E como ella seja a cousa
Onde está todo meu bem,
Respondi-lhe, como quem
Quer dizer mais, e não ousa:
Não a quero, mas se vem

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