A Garota Dos Arco-Íris Proibidos - Daniela Peruto 2 стр.


Não podia demorar.

Não no nosso primeiro encontro.

Talvez o último, se não conseguia... Como tinha dito a senhora Mc Millian? Ah, sim. Enfrentá-lo. Uma palavra para a princesa dos coelhos. A minha palavra preferida, aquela mais frequentemente usada, era desculpe, declinada segundo as circunstâncias em 'desculpe-me' ou desculpem-me'. Mais cedo ou mais tarde, eu tinha que pedir desculpas por existir. Endireitei os ombros, num sobressalto de orgulho. Ia vender cara a pele. Eu tinha ganho o direito, o prazer, de estar naquela casa, naquele quarto, naquele canto do mundo.

No corredor, ao chegar nas escadas, os ombros voltaram a se curvar, a mente a gritar, o coração a pular. A minha tranquilidade tinha durado... quanto? Um minuto? Quase um recorde.

Segundo capítulo

Ao alcançar o corredor, estava consciente da minha inevitável ignorância. Onde era o escritório? Como ia fazer para o encontrar, se mal consegui chegar até ali? Antes de me afundar na lama de desespero, fui resgatada pela intervenção providencial da senhora Mc Millian, um sorriso amplo sobre o vulto magro.

“Senhorita Bruno, estava a vir exatamente a chamá-la...” Lançou um rápido olhar ao relógio de pêndulo na parede. “Que pontualidade! A senhorita é realmente uma pérola rara! Tem certeza de ter origens italianas e não suíças?" Sorriu sozinha com a brincadeira.

Sorri educadamente, ao adequar o passo ao seu, enquanto subíamos as escadas. Ultrapassamos a porta do meu quarto, dirigindo-nos aparentemente ao fundo do corredor, por meio de uma porta pesada.

Sem cessar o seu falatório estridente, bateu levemente à porta, três vezes e a entreabriu.

Fiquei atrás dela, as pernas já trêmulas, enquanto ela espreitava no interior do quarto.

“Senhor Mc Laine... aqui está a senhorita Bruno”.

“Já era hora. Está atrasada”. A voz soou áspera, rude.

A governanta explodiu numa risada impetuosa, avessa ao mau humor do dono de casas.

“Só em um minuto, senhor. Não se esqueça que é nova na casa. Fui eu que a fiz demorar porque...”

“Deixe-a passar, Millicent”. A interrupção foi brusca, quase uma chicotada e eu pulei para o lugar da outra mulher que, com calma, se voltou para olhar-me.

“O senhor Mc Laine a aguarda, senhorita Bruno. Por favor, entre”.

A mulher recuou, ao fazer um sinal para eu entrar. Dirigi a ela um último olhar preocupado. Ela, para me encorajar, sussurrou "Boa sorte”.

Pronto, tinha surtido o efeito contrário. O meu cérebro tinha se reduzido a um purê liquefeito, sem lógica ou cognição do tempo e do espaço.

Arrisquei um tímido passo no interior do quarto. Antes de ver qualquer coisa, ouvi a voz de antes que estava a se despedir de alguém.

“Pode ir, Kyle. Iremos nos ver amanhã. Seja pontual, por favor. Não vou tolerar outros atrasos”.

Um homem estava de pé, a poucos passos de mim, alto e robusto. Fixou-me e acenou uma saudação com a cabeça, em seu olhar um brilho de apreciação enquanto passava por mim.

“Boa tarde”.

“Boa tarde”, respondi em seguida, fixando-o mais que o devido para atrasar o momento em que tinha me tornado ridícula, tinha ignorado as expectativas da senhora Mc Millian e as minhas esperanças tolas.

A porta se fechou às minhas costas e me lembrou as boas maneiras.

“Boa tarde, senhor Mc Laine, me chamo Melisande Bruno, venho de Londres e...”

“Poupe-me o relato das suas competências, senhorita Bruno. Modestas também”. A voz agora era entediada.

Os meus olhos se elevaram, prontos finalmente para encontrar aqueles do meu interlocutor. E quando o fizeram, agradeci aos céus de o ter saudado logo. Porque agora ia ter sérias dificuldades para lembrar até o meu nome.

Estava sentado do outro lado da escrivaninha, na cadeira de rodas, uma mão estendida na borda, a tocar a madeira, a outra a segurar uma caneta, os olhos escuros fixos nos meus, insondáveis. Ainda uma vez, a enésima, lamentei não poder ver as cores. Tinha dado de boa vontade um ano de vida para distinguir as cores de seu rosto e dos seus cabelos. Mas esta alegria me era impedida. Sem apelo. Em um clarão de lucidez pensei que era bonito assim: o rosto de uma palidez não natural, olhos pretos, sombreados por longos cílios, os cabelos pretos, ondulados e cheios.

“É muda, por acaso? Ou surda?”

Voltei ao chão, precipitando de alturas vertiginosas. Pareceu quase sentir a queda dos meus membros no piso. Um alto e sinistro rugido, seguido por um estalido amedrontador e devastante.

“Desculpe-me, fiquei distraída” murmurei, corando no mesmo instante.

Ele olhou para mim com uma atenção que me pareceu exagerada. Parecia memorizar cada uma das linhas do meu rosto, parando na minha garganta. Corei ainda mais. Pela primeira vez, desejei ardentemente que o meu defeito de nascença fosse compartilhado por um outro qualquer ser humano. Teria sido menos embaraçante pensar que o senhor Mc Laine, na sua aristocrática e triunfante beleza, não pudesse notar a vermelhidão afluir violentamente sobre cada centímetro de pele descoberta.

Balancei-me sobre os pés, incomodada sob aquele exame visual descaradamente descoberto. Ele continuou a sua análise, passando aos meus cabelos.

“Devia pintar os cabelos ou acabarão por confundi-los com o fogo. Não queria que acabasse sob a incursão de cem extintores”. A expressão inescrutável se animou um pouco e uma centelha de diversão brilhou nos seus olhos.

“Não fui eu a escolher esta cor” disse, recolhendo toda a dignidade da qual fui capaz. “Mas o senhor”.

Levantou uma sobrancelha. “É religiosa, senhorita Bruno?”

“E o senhor?”

Pousou a caneta sobre a escrivaninha, sem desgrudar os olhos de cima de mim. “Não há provas que Deus exista”.

“Nem que não exista” respondi em tom de desafio, surpreendendo a mim mesma pela veemência com a qual falei.

Os seus lábios se curvaram num sorriso zombeteiro, depois me indicou a pequena poltrona estofada. “Sente-se”. Deu-me uma ordem, mais do que efetuar-me um convite. No entanto, obedeci no instante.

“Não respondeu à minha pergunta, senhorita Bruno. É religiosa?”

“Sou crente, senhor Mc Laine” confirmei em voz baixa. “Porém não sou muito praticante. Aliás, não sou de forma alguma”.

“A Escócia é uma das poucas nações anglo-saxónica a praticar o catolicismo com um fervor e uma devoção incomparáveis”. A sua ironia era inequívoca. “Eu sou a exceção que confirma a regra... Não se diz assim? Digamos que acredito só em mim mesmo e naquilo que posso tocar”.

Apoiou-se largamente no encosto da cadeira de rodas, batendo com a ponta dos dedos nos seus braços. Mesmo assim, não pensei, nem por um milésimo de segundo, que era vulnerável ou frágil. A sua expressão era aquela de quem escapou das chamas e não tem medo de se lançar de novo nelas, se o considerar necessário. Ou simplesmente, se tem vontade. Afastei com dificuldade os olhos do seu rosto. Era reluzente, quase perolado, um branco brilhante e polido, diferente dos rostos comuns que me rodeavam. Era exaustivo olhar para ele e também ouvir a sua hipnótica voz. Uma serpente encantadora e qualquer mulher ia ficar muito feliz de sofrer seu feitiço, a secreta magia que emanava dele, daquele rosto perfeito, do seu olhar zombeteiro.

“Então, é a minha nova secretária, senhorita Bruno”.

“Se quiser confirmar me contratar, senhor Mc Laine” disse, elevando o olhar.

Ele sorriu, ambíguo. “Por que devo contratá-la? Porque não vai todos os domingos à igreja? Julga-me muito superficial se pensa que sou capaz agora de mandá-la embora ou... mantê-la aqui com base em algumas conversas”.

“Nem eu a conheço bastante para formular um juízo seu assim pouco lisonjeiro” concordou com um sorriso. “Estou consciente porém que uma profícua relação de trabalho nasce também de uma imediata simpatia, de uma primeira impressão favorável”.

A sua risada foi tão inesperada a ponto de fazer-me estremecer. Com a mesma rapidez com a qual surgiu, se apagou. Fixou-me gelidamente.

“Acredita realmente que é fácil encontrar empregados dispostos a se transferir para esta vila esquecida de Deus e do mundo, longe de qualquer diversão, de cada centro comercial ou discoteca? A senhorita foi a única a responder ao anúncio, senhorita Bruno”.

A diversão estava em espreita, por trás do gelo dos seus olhos. Uma placa de gelo preto, partida por uma fina fissura de bom humor que aqueceu-me a alma.

“Então não terei que preocupar-me com a concorrência” disse, ao cruzar nervosamente as mãos no colo.

Ele me examinou ainda, com a mesma curiosidade irritante com a qual se olha um animal raro.

Engoli a saliva, ostentando uma desenvoltura fictícia e perigosamente precária. Por um instante, exatamente o tempo de formular um pensamento, disse a mim mesma que devia fugir daquela casa, daquele quarto transbordante de livros, daquele homem inquietante e belíssimo. Sentia-me como um gatinho indefeso, a poucos centímetros das garras de um leão. Predador cruel, presa impotente. Depois, a sensação esvaneceu e me considerei uma boba. Diante a mim estava um homem de personalidade exuberante, arrogante e prepotente, mas obrigado há tempo a ficar numa cadeira de rodas. Eu era a presa da vez, uma garota tímida, medrosa e relutante às mudanças. Por que não deixá-lo fazer? Se o divertia brincar comigo, por que impedir a única ocasião de diversão, de passatempo que tinha? Era quase nobre da minha parte, num certo sentido.

“O que pensa de mim, senhorita Bruno?”

Ainda uma vez o forcei a repetir a pergunta e mais uma vez o peguei de surpresa.

“Não pensava que era tão jovem”.

Endureci no momento e fiquei sem fala, com medo de machucá-lo de algum modo. Ele se recompôs e me gelou com outro dos seus sorrisos emocionantes. “Mesmo?”

Agitei-me na cadeira, indecisa sobre como prosseguir. Depois me decidi, ao recolher toda a minha coragem e estimulada pelo seu olhar preso ao meu, numa dança muda e não por isso menos emocionante, voltei a falar.

“Bem... escreveu o seu primeiro livro vinte e cinco, quinze anos atrás, pelo que me resulta. E mesmo assim, parece um pouco mais velho que eu” considerei quase como distraidamente.

“Quantos anos tem, senhorita Bruno?”

“Vinte e dois, senhor” respondi, envolvida novamente pela profundidade dos seus olhos.

“Sou muito velho para si, senhorita Bruno” disse com um riso silencioso. Depois abaixou o olhar e a fria noite invernal voltou a envolvê-lo entre as suas espirais, mais cruel que uma serpente. Cada vestígio de calor desapareceu. “Assim, pode ficar tranquila, Não deverá temer por assédio sexual enquanto dorme na sua cama. Como vê, sou condenado à imobilidade”.

Calei-me porque não sabia o que responder. O seu tom era amargurado e sem esperança, o rosto esculpido na pedra.

Os seus olhos sondaram os meus, a procura de algo que parecia não encontrar. Concedeu-se um pequeno sorriso. “Ao menos, não há piedade nela. Isto me alegra. Não a quero, não preciso disso. Sou mais feliz que muitos outros, senhorita Bruno porque sou livre, completamente, do modo mais absoluto”. Franziu as sobrancelhas. “O que está a fazer aqui ainda? Pode ir”.

O tom seco me deixou perplexa. Levantei-me incerta e ele aproveitou para desafogar sobre mim a sua cólera.

“Ainda aqui? O que deseja? Já o seu salário? Ou quer falar do seu dia de folga?” acusou-me irado.

“Não, senhor Mc Laine”. Desajeitadamente, dirigi-me à porta. A minha mão já estava sobre a maçaneta, quando me parou.

“Às nove da manhã, senhorita Bruno. Estou a escrever um novo livro, o título é mortos sem sepultura. Acha muito macabro?” O seu sorriso se tornou bem mais intenso.

A brusca mudança de humor devia ser um traço dominante do seu caráter. Esforcei-me para lembrar no futuro ou arriscava a ter uma crise histérica ao menos vinte vezes ao dia. “Parece interessante, senhor” respondi com cautela.

Virou a cabeça para trás e explodiu numa grande risada. “Interessante! Aposto que nunca leu um dos meus livros, senhorita Parece-me de estômago delicado... Não ia dormir à noite, atormentada pelos pesadelos...” Riu de novo, passando a tratá-la com mais intimidade com a mesma rapidez com a qual mudava de humor.

“Não sou tão sensível como parece, senhor” respondi modestamente, desencadeando uma outra onda de risadas.

Com as mãos manobrou a cadeira de rodas com uma habilidade felina e admirável, nascida a anos e anos de hábito e veio numa velocidade extraordinária ao meu lado. Tão próximo a tornar inútil qualquer minha tentativa de formular um pensamento racional. Instintivamente, recuei um passo. Ele fingiu não notar o meu movimento e indicou a biblioteca à minha direita.

“Pegue o quarto livro à esquerda, terceira prateleira”.

Obediente, peguei o livro que me indicava. O título me era familiar porque tinha feito uma busca sobre ele na Internet antes de partir, porém efetivamente nunca tinha lido nada dele. Terror não era o meu género, decididamente mais adequado a paladares fortes e inadequado ao meu, delicado e romântico.

“Zumbis a caminho” li em voz alta.

“É o mais adequado para começar. É o menos... como dizer? Menos assustador?” Riu com gosto, claramente de mim e pelo desconforto decididamente pouco velado que transparecia de cada poro do meu corpo.

“Por que não o começa esta noite? Só para se preparar no seu novo trabalho” ele sugeriu, os olhos risonhos.

“Ok, vou fazê-lo” respondi com muito pouco entusiasmo.

“Até amanhã de manhã, senhorita Bruno” disse ele, o ar de novo grave. “Feche-se no quarto, não queria que os espíritos do palácio fossem fazer-lhe uma visita esta noite ou qualquer outra temível criatura noturna. Sabe como é...” Fez uma pausa, um raio de hilaridade no escuro dos seus olhos. “Como falei antes, é duro encontrar empregados por estes lados”.

Tentei um sorriso, pouco convincente tudo junto.

“Boa noite, senhor Mc Laine”. Antes de fechar a porta a vontade de dizer algo saía pelos lábios, sem poder segurar. "Não acredito nos espíritos ou nas criaturas noturnas”.

“Está certa disso?”

“Não há provas da sua existência, senhor” respondeu, fazendo-lhe involuntariamente o sentido.

“Nem do fato que não existem” rebateu ele. Rodou a cadeira de rodas e voltou por trás da escrivaninha.

Fechou delicadamente a porta, o coração sob a terra. Talvez ele tinha razão e os zumbis existem. Porque naquele momento, eu me sentia um deles. Transtornada, o cérebro perdeu a lucidez, suspensa em um limbo no qual não sabia mais distinguir entre o real e o irreal. Pior que não saber distinguir as cores.

Jantou sem vontade em companhia da senhora Mc Millian, a cabeça longe, em bem outra companhia. Temia que ia recuperá-la só no dia seguinte pela manhã, ao voltar para aquele onde a tinha deixado. Algo me dizia que não eram boas mãos aquelas as quais o meu coração certo o tinha confiado.

Da conversa daquela noite com a governanta, lembro muito pouco. Ela falou sozinha, sem parar. Parecia estar no sétimo céu por ter finalmente alguém para com quem falar. Ou melhor, que para escutá-la. Eu era perfeito nesse sentido. Muito educado para interrompê-la, muito respeitosa para mostrar meu desinteresse, muito ocupada para pensar em algo mais para mostrar a necessidade de ficar sozinha. Assim, eu podia pensar nele.

No meu quarto, uma hora depois, sentada confortavelmente na cama, com a cabeça apoiada nos travesseiros, abri o livro e mergulhei na leitura. Na segunda página, eu já estava aterrorizada e de modo reprovável, considerando que era simplesmente um livro.

Apesar do bom senso de que, teoricamente, eu era bem provida, a atmosfera na sala parecia sufocante e o desejo de um sopro de ar fresco se fez inevitável.

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