“Quando é que te foste embora do Centaur’s Den?” Perguntou.
Riley tentou calcular a hora – tinha sido bastante tarde.
Então Hintz disse, “Viste alguma das tuas amigas antes de te ires embora?”
Riley lembrava-se das raparigas a descerem as escadas e de como Trudy segurava o jarro de cerveja quando perguntou…
“Ei Riley! Quem era aquele tipo giro?”
Riley disse, “A Trudy, a Heather, a Gina e a Cassie desceram ao piso inferior. Disseram que a Rhea já se tinha ido embora. E foi nessa altura que eu me fui embora.”
Enquanto Hintz tirava notas, a cabeça de Riley começou a encher-se de perguntas, Ela lembrava-se de perguntar onde é que estava a Rhea e de a Trudy dizer…
“Não sei. Onde está a Rhea?”
… e de depois a Heather ter dito…
“A Rhea voltou para o dormitório.”
Riley interrogou-se – o que é que Heather ou qualquer uma das outras raparigas sabia sobre a partida de Rhea?
Saberiam se se tinha ido embora do Centaur’s Den sozinha ou acompanhada?
E o que é que tinham dito a Hintz sobre isso?
Riley queria perguntar, mas sabia que não podia.
“Saíste do bar sozinha?” Perguntou Hintz.
“Sim,” Respondeu Riley.
“E caminhaste sozinha para o dormitório?”
“Sim.”
O rosto de Hintz ensombreceu ao olhar para ela.
“Achas que foi sensato? A escola oferece serviço de acompanhamento para atravessar o campus à noite. Porque é que não o solicitaste?”
Riley engoliu em seco. Aquela parecia-lhe a primeira pergunta decente que Hintz colocara até ao momento.
Ela disse, “Sempre me senti segura a passar pelo campus à noite. Mas agora… “
A sua voz desvaneceu-se.
Agora as coisas são diferentes, Pensou.
Hintz mostrou-se novamente desagradado.
“Bem, espero que no futuro penses melhor. Sobretudo quando bebes muito.”
Os olhos de Riley abriram-se muito.
“Eu apenas bebi um copo de vinho,” Disse ela.
Hintz olhou para ela. Ela percebeu pela sua expressão que ele pensava que ela estava a mentir. As outras raparigas devem ter admitido que beberam muito e ele partiu do princípio de que também Riley o fizera.
Ela ficou magoada com a sua atitude, mas rapidamente pensou que o que quer que Hintz pensasse a seu respeito não era importante naquele momento. Seria estúpido e mesquinho ficar aborrecida com aquilo.
Hintz continuava a tirar apontamentos e disse, “É tudo – por agora. Deves obedecer às mesmas regras que todos no dormitório. Fica no teu quarto esta noite. Não saias do campus até aviso em contrário. Podemos ter que fazer mais perguntas em breve.”
Riley estava estranhamente assustada.
É tudo? Perguntou-se.
A entrevista terminou mesmo?
Porque ela ainda tinha perguntas a fazer, mesmo que Hintz não tivesse.
Uma pergunta em particular assombrava-a desde que descobrira o corpo de Rhea. Ela lembrava-se de entrar no quarto mal iluminado de Rhea e de ver a sua garganta esfacelada e olhos abertos -–mas não parara para observar o corpo com atenção.
Numa voz hesitante, disse a Hintz…
“pode dizer-me… sabe… “
De repente percebeu quão difícil seria fazer aquela pergunta.
Prosseguiu, “Antes de morrer… antes de ser morta… a Rhea foi…?”
Não conseguia proferir a palavra.
Violada.
E pela expressão vazia de Hintz, Riley percebeu que ele não fazia ideia do que ela estava a tentar perguntar.
Felizmente, a agente Frisbie percebeu.
Disse, “Não posso dizer com certeza – o médico-legista ainda está a caminho. Mas não me parece que tenha sido violada. Pareceu-me que as roupas não lhe foram tiradas durante o ataque.”
Respirando mais facilmente, Riley agradeceu em silêncio a Frisbie.
A mulher assentiu ligeiramente e Riley saiu da cozinha.
Quando Riley saía da sala comum, deu por si a pensar novamente no que as outras raparigas tinham dito a Hintz – por exemplo, se Rhea tinha saído do bar sozinha ou não. Saberiam alguma coisa sobre o que acontecera a Rhea que Riley desconhecesse? Afinal de cotas, tinham estado com ela até ela decidir ir embora.
Quando Riley percorria o corredor, viu que dois polícias do campus estavam à porta do quarto de Rhea, já barrado com fita de cena de crime. Estremeceu ao pensar que o corpo de Rhea ainda ali estava, esperando pela chegada do médico-legista. Era difícil para Riley imaginar alguém a dormir novamente naquele quarto – mas é claro que não ficaria vazio para sempre.
Riley abriu a porta do seu quarto que estava escuro. Viu Trudy a virar-se na cama de frente para a parede.
Ainda está acordada, Pensou Riley.
Talvez agora pudessem falar e Riley conseguisse obter algumas respostas às suas perguntas.
Riley fechou a porta, sentou-se na sua cama e disse, “Trudy, estava a pensar se podíamos conversar sobre as nossas entrevistas.”
Ainda virada para a parede, Trudy respondeu…
“Não devemos falar sobre isso.”
Riley ficou alarmada com o tom duro e gélido da voz de Trudy.
“Trudy, não me parece que seja verdade. O Hintz não me disse nada disso.”
“Dorme,” Disse Trudy.
As palavras de Trudy atingiram Riley dolorosamente. E de repente, pela primeira vez, Riley sentiu os olhos a encherem-se de lágrimas.
Já era suficientemente mau que Rhea tivesse sido brutalmente assassinada.
Agora a sua melhor amiga estava zangada com ela.
Riley tapou-se. As lágrimas corriam-lhe no rosto quando se lembrou de algo…
A sua vida mudara para sempre.
Só ainda não sabia como.
CAPÍTULO CINCO
Na manhã seguinte, Riley compareceu no auditório da universidade juntamente com outros alunos de aspeto sombrio. Apesar da disposição geral no campus ser péssima, Riley interrogou-se se toda a gente ali se sentia tão mal como ela. Pareceu-lhe que alguns estavam mais aborrecidos do que tristes. Outros pareciam nervosos, como se temessem cada movimento à sua volta.
Como é que se supera uma coisa destas? Interrogou-se.
Mas é claro que nem toda a gente era próxima de Rhea. Nem toda a gente a conhecia. Ficariam certamente horrorizados com a ideia de um homicídio ocorrido no campus, mas para muitos não seria um acontecimento com uma carga pessoal.
Mas era pessoal para Riley. Ela não conseguia libertar-se do horror que sentira ao ver…
Nem lhe ocorriam palavras para descrever o que vira. Ainda não conseguia pensar na amiga como um cadáver, apesar do que vira a noite passada.
A reunião daquele dia parecia completamente desligada do que acontecera. Também se estava a arrastar há imenso tempo, fazendo-a sentir-se ainda pior.
O chefe Hintz acabara de dar uma palestra severa sobre segurança no campus, prometendo que o assassino seria apanhado muito em breve, e agora o Reitor Trusler prosseguia falando de como as coisas regressariam à normalidade ali na Universidade Lanton.
Boa sorte, Pensou Riley.
Trusler disse que naquele dia não haveriam aulas, mas que retomariam a atividade normal na segunda-feira. Disse que compreendia se alguns alunos não se sentissem preparados para voltar às aulas de imediato e também se alguns deles quisessem ir para casa para estar com as famílias durante alguns dias, e os orientadores escolares estavam prontos a ajudar toda a gente a lidar com aquele horrível trauma, e… e… e…
Riley conteve um bocejo enquanto o reitor continuava a falar e a não dizer nada de útil, pelo menos para ela. Mal dormira a noite passada. Estava a entrar no sono quando a equipa do médico-legista chegou. Então ela foi para a porta observar num horror silencioso a equipa a levar uma forma coberta por um lençol numa maca.
Com certeza, Pensou, que não pode ser alguém que estava a rir e a dançar há apenas algumas horas atrás. Não pode ser a Rhea.
Depois daquilo, Riley não dormira. Não conseguia evitar invejar Trudy que parecia ter dormido a noite toda – provavelmente, calculou Riley, devido ao álcool que consumira durante a noite.
Naquela manhã, a assistente residente anunciara pelo intercomunicador aquela reunião. A Trudy ainda estava na cama quando Riley saiu do quarto. Quando Riley chegou à reunião, não vira Trudy no auditório.
Riley olhou à sua volta, mas não a viu. Talvez ainda estivesse na cama.
Não está a perder grande coisa, Pensou Riley.
Também não viu a companheira de quarto de Rhea, Heather, em lado nenhum. Mas Gina e Cassie estavam sentadas umas filas à sua frente. Tinham passado por Riley a caminho da reunião – aparentemente ainda zangadas com ela por ter dado os seus nomes à polícia.
Na noite anterior, Riley percebera porque é que elas se sentiam assim, mas agora já parecia criancice. Era também bastante poderoso. Perguntava-se se seria possível salvar aquelas amizades.
Naquele momento, aquela “normalidade” de o reitor falava parecia durar uma eternidade.
Por fim, a reunião terminou. Enquanto os alunos saíam do edifício, já os jornalistas esperavam no exterior. De imediato abordaram Gina e Cassie, fazendo-lhes todo o tipo de perguntas. Riley calculou que tivessem descoberto quem estava com Rhea na noite en que fora assassinada.
Se fosse esse o caso, também deveriam saber que Riley estivera com ela. Mas até àquele momento, não tinham dado por ela. Talvez fosse uma sorte que a Gina e a Cassie tivessem repelido Riley naquela manhã. De outra forma, ela estaria ali com elas a tentar responder a perguntas impossíveis.
Riley apressou o passo para evitar os jornalistas, seguindo o seu caminho entre os outros alunos. Ao caminhar, conseguia ouvir os jornalistas a interpelarem Gina e Cassie vezes sem conta com a mesma pergunta…
“Como é que se sentem?”
Riley sentiu invadir-se pela fúria.
Mas que raio de pergunta era aquela? Questionou-se.
O que é que esperavam que Gina e Cassie respondessem?
Riley não fazia ideia do que ela própria diria – exceto talvez para que a deixassem em paz.
Ainda estava repleta de sentimentos confusos e terríveis – choque, descrença, horror e muito mais. O pior sentimento de todos era uma espécie de alívio culpado por não ter tido o mesmo destino de Rhea.
Como é que ela ou as amigas podiam verbalizar isso?
E com que direito é que lhes perguntavam isso?
Riley foi até ao bar na asociação de estudantes. Ainda não tinha tomado o pequeno-almoço e estava a ficar com fome. No buffet escolheu bacon e ovos, e serviu-se de sumo de laranja e café. Então olhou à sua volta para encontrar um lugar para se sentar.
Ao fazê-lo viu Trudy que estava sentada sozinha numa mesa, afastada dos outros a comer o seu pequeno-almoço.
Riley engoliu em seco.
Atrever-se-ia a juntar-se a Trudy à mesa?
Será que a Trudy lhe falaria?
Não tinham trocado uma única palavra desde a noite passada quando Trudy dissera a Riley para dormir.
Riley reuniu a sua coragem e dirigiu-se à mesa onde se encontrava Trudy. Sem dizer nada, colocou o seu tabuleiro na mesa e sentou-se ao lado da companheira de quarto.
Durante alguns instantes, Trudy manteve a cabeça baixa, como se não notasse a presença de Riley.
Por fim, Sem olhar para Riley, Trudy disse, “Decidi não ir à reunião. Como é que correu?”
“Foi uma treta,” Disse Riley. “Eu também não devia ter ido.”
Pensou durante um momento, depois acrescentou, “A Heather também não estava lá.”
“Não,” Disse Trudy. “Ouvi dizer que os pais dela vieram buscá-la esta manhã. Acho que ninguém sabe quando é que ela volta – ou se volta.”
Trudy finalmente olhou para Riley e disse, “Ouviste o que se passou com o Rory Burdon?”
Riley lembrava-se de Hintz perguntar por Rory na noite anterior.
“Não,” Disse ela.
“Os polícias bateram à porta do apartamento dele a noite passada. O Rory não fazia ideia do que se passava. Nem sabia o que acontecera a Rhea. Estava apavorado por ser preso e nem saber porquê. Os polícias fizeram-lhe perguntas até chegarem à conclusão de que ele não era quem procuravam e então foram-se embora.”
Trudy encolheu ligeiramente os ombros e acrescentou, “Pobre rapaz. Não devia ter falado no nome dele àquele estúpido chefe da polícia. Mas ele não parava de fazer perguntas. Não sabia que mais dizer.”
Seguiu-se um silêncio. Riley deu por si a pensar em Ryan Paige e em como mencionara o seu nome a Hintz. Será que a polícia também tinha ido bater à porta de Ryan a noite passada? Era provável, mas Riley esperava que não.
De qualquer das formas, sentiu-se aliviada por Trudy estar finalmente a falar com ela. Talvez agora Riley se pudesse explicar.
Disse, “Trudy, quando a polícia cá chegou, aquela polícia perguntou-me o que é que eu sabia e eu não podia mentir. Tive que dizer que tinhas saído a noite passada com a Rhea. Também tive que lhe falar na Cassie, na Gina e na Heather.”
Trudy assentiu, “Eu percebo Riley. Não precisas de explicar. Eu compreendo. E peço desculpa… peço desculpa por te ter tratado como… “
De repente Trudy começou a chorar, as lágrimas a caírem-lhe do rosto.
Disse, “Riley, a culpa foi minha? Quero dizer, em relação ao que aconteceu à Rhea?”
Riley mal conseguia acreditar no que estava a ouvir.
“De que é que estás a falar, Trudy? É claro que não. Como é que podia ser culpa tua?”
“Bem, estava tão estúpida e bêbeda a noite passada, e não estava atenta ao que se passava, nem me lembro da Rhea sair do Centaur’s Den. As outras raparigas disseram que ela saiu sozinha. Talvez se eu… “
A voz de trudy apagou-se, mas Riley sabia o que ficara por dizer…
“… talvez se eu tivesse acompanhado a Rhea ao dormitório.”
Mas também Riley sentia essa culpa a inundá-la.
No final de contas, bem podia fazer a mesma pergunta a si própria.
Se não tivesse saído sozinha do Centaur’s Den e se estivesse por perto quando a Rhea se preparava para ir embora, e se a tivesse acompanhado…
Aquela palavra, se…
Riley nunca pensara que uma palavra pudesse ser tão terrível.
Trudy continuou a chorar e Riley não sabia o que fazer para que ela se sentisse melhor.
Perguntou-se porque é que também ela não estava a chorar.
É claro que já chorara na cama a noite passada, mas não chorara o suficiente – não perante uma coisa tão terrível. Com toda a certeza, ainda voltaria a chorar.
Ali ficou a debicar o pequeno-almoço enquanto Trudy limpava os olhos, assoava o nariz e se acalmava.
Trudy disse, “Riley, aquilo em que eu não consigo parar de pensar é porquê? Quero dizer, porquê a Rhea? Foi pessoal? Alguém a odiava o suficiente para a matar? Não vejo como é que isso é possível. Ninguém odiava a Rhea. Porque é que alguém odiaria a Rhea?”
Riley não respondeu, mas fazia as mesmas perguntas a si própria. Também se interrogava se os polícias já tinham respostas.
Trudy prosseguiu, “E será que conhecemos quem a matou? Será que a próxima é uma de nós? Riley, tenho medo.”
Mais uma vez, Riley não respondeu.
Mas ela tinha a certeza de que Rhea conhecia o seu assassino. Não sabia por que tinha essa certeza – ela não era polícia, nem sabia o que quer que fosse sobre criminosos. Mas algo lhe dizia que Rhea conhecia e confiava no seu carrasco – até ser demasiado tarde para se salvar.
Trudu olhou para Riley fixamente e disse, “Tu não pareces estar assustada.”
Riley foi apanhada de surpresa pelo comentário.
Pela primeira vez, ocorreu-lhe…
Não, eu não tenho medo.
Andava a sentir outras emoções fortes – culpa, dor, choque – e sim, horror. Mas o seu horror era de alguma forma diferente do medo pela sua própria vida. O horror que ela sentia estava relacionado com Rhea, era um horror ligado à tragédia de que fora vítima.
Mas Riley não tinha medo.
Interrogou-se – seria devido ao que acontecera à mãe há tantos anos, o som daquele tiro, a visão de todo aquele sangue, a incompreensível perda com que ainda hoje lutava?
Será que o mais terrível trauma que já sofrera a tinha fortalecido quando comparada às outras pessoas?