E Avery estava prestes a conta-los que sua filha estava morta. Não só morta, mas que havia sido jogada no rio congelado, completamente nua.
- Então – Ramirez disse enquanto dirigia pela suas estreitas de Somerville. – Você vai aceitar a posição de sargento?
- Ainda não sei.
- Alguma ideia?
Ela pensou no assunto por um momento e depois balançou a cabeça.
- Não quero falar sobre isso agora. É algo pequeno comparado ao que estamos prestes a fazer.
- Ei, você se escalou para fazer isso – ele disse.
- Eu sei – ela respondeu, ainda sem ter certeza do por quê. Sim, a ideia de ter boas pistas era verdade, mas ela sentia que havia algo a mais. Patty Dearborne era só três anos mais velha que Rose. Era muito fácil ver o rosto de Rose naquele corpo congelado. Por algum motivo bizarro, aquilo fez com que Avery pensasse que precisava dar a notícia à família. Talvez fosse uma necessidade maternal, mas ela sentiu que devia aquilo aos pais por algum motivo estranho.
- Então me deixe perguntar - ele disse. – O que te faz ter certeza que ele vai matar de novo? Talvez seja um ex-namorado que perdeu a cabeça. Talvez seja só ela.
Ela sorriu rapidamente porque sabia que ele não estava discutindo. Não mesmo. Ela sabia que ele gostava de entender como a mente dela funcionava. Refutar suas teorias era um jeito simples de fazer isso.
- Porque baseado no que sabemos sobre o corpo, o cara é cuidadoso e meticuloso. Um ex-namorado enraivado não seria tão cuidadoso para não deixar marcas. As unhas dizem muito para mim. Alguém levou tempo para cuidar delas. Espero que os pais possam me dar mais ideias de que tipo de mulher Patty era. Se soubermos mais sobre ela, vamos saber exatamente quanto do cuidado foi feito por quem jogou esse corpo no rio.
- Falando nisso – Ramirez disse, apontando. – Chegamos. Você está pronta?
Ela respirou fundo. Avery amava seu trabalho, mas essa era uma parte que ela definitivamente receava.
- Sim, vamos – disse.
Antes que Ramirez dissesse algo mais, Avery abriu a porta e saiu.
Ela estava preparada.
***
Avery sabia que duas pessoas nunca respondiam ao luto da mesma forma. Por isso ela não ficou tão surpresa quando, quinze minutos depois, Wendy Dearborne estava quase em estado de choque enquanto Richard Dearborne estava agitado e falando alto. Em certo momento, ela temeu que ele se tornasse violento quando jogou um vaso da mesa da cozinha no chão, quebrando-o.
O peso da notícia pairava na sala. Avery e Ramirez ficaram quietos, falando apenas quando perguntavam algo. Em silêncio, Avery viu duas fotos de Patty na sala; uma estava acima da lareira e a outra estava pendurada na parede. As suspeitas de Avery estavam certas. A garota era completamente linda.
Wendy e Richard estavam, ambos, sentados no sofá da sala. Wendy havia se controlado, deixando escapar alguns soluços enquanto encostava a cabeça no ombro de Ricahrd.
Com lágrimas caindo, Richard olhou para Avery.
- Podemos vê-la? Quando podemos vê-la?
- Nesse momento, os peritos ainda estão tentando determinar o que aconteceu com ela. Como vocês podem imaginar, a água fria e as temperaturas gélidas tornam mais difícil encontrar pistas ou evidências. Nesse meio tempo, tem algumas perguntas que eu gostaria de fazer que podem nos ajudar a encontrar respostas.
Os dois tinham olhares confusos e absolutamente horrorizados, mas estava claro que Wendy não ajudaria. Ela estava perdida, em silêncio, olhando em volta da sala tentando se certificar do lugar onde estava.
- Claro, pode perguntar o que quiser – Richard disse. Avery imaginou que o homem estava tentando ser forte—talvez tentando encontrar respostas para si próprio.
- Eu sei que vai ser uma pergunta estranha - Avery disse. – Mas Patty era o tipo de garota que se preocupava muito com as unhas, maquiagem, essas coisas?
Richard deixou escapar um soluço e balançou a cabeça. Ele ainda estava chorando, mas pelo menos conseguia formar palavras quando não estava puxando o ar.
- Não mesmo. Na verdade ela era meio moleque. Era mais fácil achar sujeira nas unhas dela do que unhas feitas. Ela se arrumava às vezes em ocasiões especiais. Às vezes prestava muita atenção no cabelo, mas não é—não era—uma garotinha dessas meigas, sabe?
Corrigir a si mesmo com o “era” pareceu despertar algo em Richard Dearborne. Avery tentou esconder seu coração partido por ele. Aquilo fora suficiente para faze-la decidir-se por não fazer a próxima pergunta planejada—uma pergunta sobre a frequência com que Patty depilava as pernas. Avery imaginou que a resposta era óbvia se ela era mesmo uma menina moleque. Não havia necessidade de perguntar aquilo a alguém que havia acabado de perder a filha.
- Você sabe sobre algum inimigo que Patty tinha? Alguém com quem ela teve problemas?
A pergunta levou um tempo para ser absorvida. Quando foi, a ponta de raiva que ela havia visto nos olhos de Richard Dearborne retornou. Ele levantou do sofá, mas foi segurado por sua mulher.
- Aquele filho da puta – Richard disse. – Sim, sim, tem alguém que eu apostaria qualquer coisa que... Deus...
- Senhor Dearborne? – Ramirez perguntou. Ele tinha se levantando devagar, talvez antecipando algum movimento de raiva de Richard.
- Allen Haggerty. Era um namorado de escola que não entendeu quando as coisas terminaram no segundo ano da faculdade.
- Ele causou problemas? – Ramirez perguntou.
- Sim. Tantos que Patty teve que prestar queixas contra ele. Ele ficava esperando do lado de fora das aulas dela. Ficou tão chato que Patty morou aqui no último ano porque não se sentia segura nos dormitórios.
- Ele chegou a ser violento? – Avery perguntou.
- Se foi, Patty nunca disse nada. Eu sei que ele tentou tocar ela—abraços, beijos, coisas assim. Mas nunca soube nada sobre ele tentar bater nela.
- O bilhete...
A voz de Wendy Dearborne era leve como o vento. Ela ainda não olhava para Avery e Ramirez. Seus olhos estavam abaixados, sua boca parcialmente aberta.
- Que bilhete? – Avery perguntou.
- Um bilhete que Patty nunca nos mostrou, mas nós encontramos no bolso dela enquanto lavava a roupa quando ela morava aqui – Richard disse. – O idiota deixou um bilhete no dormitório dela. Ela nunca disse, mas nós achamos que esse foi o fator que fez ela se mudar para cá. Não lembro de todas as palavras, mas falava sobre como ele pensava em se matar porque não podia tê-la, mas como isso às vezes o irritava. Coisas obscuras, do tipo se ele não pudesse tê-la, ninguém poderia.
- Você ainda tem esse bilhete? – Avery perguntou.
- Não. Quando nós perguntamos a Patty sobre isso, ela o jogou fora.
- Quando tempo ela ficou aqui? – Avery perguntou.
- Até o verão passado – Richard respondeu. – Ela disse que estava cansada de viver com medo. Tomamos a decisão de que se algo acontecesse com Allen novamente, nós iríamos diretamente à polícia. E agora... Agora isso...
Um silêncio pesado tomou conta da sala, até que finalmente ele olhou para os dois. Avery podia sentir a raiva e o luto do pai naquele olhar.
- Eu sei que foi ele – Dearborne disse.
CAPÍTULO CINCO
Quando Avery e Ramirez chegaram à quadra do endereço de Allen Haggerty, ela recebeu as informações dele por e-mail. Ficou surpresa em encontrar pouca coisa no arquivo. Ele tinha três multas de velocidade até os dezessete anos e fora rapidamente detido em um protesto basicamente pacífico em Nova York cinco anos antes, mas nada que fosse considerado grave.
Talvez ele só enlouqueceu um pouco quando Patty quis deixa-lo, ela pensou. Ela sabia que isso acontecia às vezes. Aquela era, na verdade, a desculpa mais utilizada por maridos violentos que batiam nas esposas. Eles falavam sobre ciúmes, descontrole e sentimento de vulnerabilidade.
Ninguém estava em casa, por isso, uma hora e meia depois de que os Dearbone haviam sido avisados de que sua filha estava morta, já havia um comunicado relatando que a polícia estava à procura dele. Enquanto andavam pela vizinhança, Ramirez mais uma vez demonstrou o quão conectado estava à ela.
- Isso tudo te faz pensar na Rose, não faz? – Ele perguntou.
- Faz – ela admitiu. – Como você sabe?
Ele sorriu.
- Porque eu conheço suas caras muito bem. Eu sei quando você está puta. Sei quando você está envergonhada, brava, feliz. Também vi que você desviou o olhar das fotos da Patty muito rápido na casa dos Dearbone. Patty não era muito mais velha que Rose. Eu percebi. Por isso você insistiu em dar a notícia aos pais dela?
- Sim. Boa percepção.
- Acontece às vezes – ele disse.
O telefone de Avery tocou às 10:08. Connelly estava na linha, parecendo cansado, mas animado.
- Localizamos Allen Haggerty saindo de um bar no Leather District – ele disse. – Temos dois caras segurando ele para você. Em quanto tempo você chega lá?
Leather District, ela pensou. Foi lá que eu e Rose estávamos hoje, pensando em quão bem nossas vidas estavam e como nós estávamos arrumando nossa relação. E agora tem um potencial assassino no mesmo lugar. É... estranho. Como um ciclo, de um jeito estranho.
- Black?
- Dez minutos – ela respondeu. – Qual é o bar?
Ela anotou as informações e, então, Ramirez dirigiu até a mesma área da cidade onde ela estivera, menos de doze horas antes, aproveitando a vida com sua filha.
Saber que aquilo era algo que Wendy Dearborne nunca mais poderia fazer fez doer seu coração. E também a deixou com um pouco de raiva.
Na verdade, ela não podia esperar para pegar aquele filho da puta.
***
Os dois agentes que haviam localizado Allen Haggerty pareciam felizes em tê-lo detido. Um deles era um cara que Avery havia conhecido muito bem—um homem mais velho que poderia estar aposentado há anos. Seu nome era Andy Liu e ele sempre parecia ter um sorriso no rosto. Mas agora, parecia irritado.
Os quatro se encontraram fora da viatura de Andy Liu. No banco de trás, Allen Haggerty olhava para eles, confuso e claramente irritado. Algumas pessoas passando a caminho do bar na sexta-feira à noite tentavam ver o que estava acontecendo sem parecerem óbvios.
- Ele trouxe problemas para vocês? – Ramirez perguntou.
- Não mesmo – o parceiro de Andy respondeu. – Ele só está um pouco bêbado. Nós estávamos quase levando ele para o batalhão, para a sala de interrogatório, mas O’Malley disse que queria que vocês falassem com ele antes que a gente tomasse essa decisão.
- Ele sabe por que vocês querem falar com ele? – Avery perguntou.
- Nós contamos para ele da morte de Patty Dearborne – Andy disse. – Foi aí que ele ficou doido. Tentei manter as coisas em ordem no bar, mas no fim, tive que algema-lo.
- Tudo bem – Avery disse. Ela olhou para dentro da viatura e franziu a testa. – Você se importa de me emprestar seu carro por um segundo?
- Fique à vontade – Andy disse.
Avery entrou no lado do motorista enquanto Ramirez sentou no banco do carona. Eles olharam tranquilamente para Allen no banco de trás.
- Então, como isso aconteceu? – Allen perguntou. – Como ela morreu?
- Isso não está claro ainda – Avery disse, sem razões para ser vaga com ele. Ela aprendera muito tempo antes que a honestidade era sempre a melhor maneira de se aproximar se você queria ler seu suspeito do melhor jeito possível. – O corpo dela foi encontrado em um rio congelado, debaixo do gelo. Nós não temos informações suficientes para saber se ela morreu congelada ou se foi morta antes de ser jogada no rio.
Isso pode ter sido um pouco áspero, Avery pensou ao olhar a expressão chocada de Allen. Ainda assim, ver aquela expressão genuína no rosto dele era tudo o que ela precisava para ter um bom pressentimento de que Allen Haggerty não tnha nada a ver com a morte de Patty.
- Quando foi a última vez que você a viu? – Avery perguntou.
Claramente, ele estava tendo problemas em pensar sobre aquilo. Avery tinha certeza que quando a noite acabasse, Allen relembraria muito mais do que os poucos anos com o seu amor perdido.
- Um pouco mais de um ano atrás, eu acho – ele finalmente respondeu. – E foi pura coincidência. Eu passei por ela quando ela estava saindo da mercearia. Nós nos olhamos por dois segundos e depois ela se apressou. E eu não a culpo. Eu fui um babaca com ela. Fiquei totalmente obcecado.
- E desde então não houve contato? – Avery perguntou.
- Não. Eu encarei os fatos. Ela não me queria mais. E ficar obcecado por alguém que não te quer não é o melhor jeito de conquistar, sabe?
- Você sabe de alguém na vida dela que poderia ser capaz de fazer algo algo assim com ela? – Ramirez perguntou.
Novamente, houve sinais de luta nos olhos de Allen enquanto ele pensava. Nesse momento, o telefone de Avery tocou. Ela olhou para a tela e viu o nome de O’Malley.
- Alô? – Ela disse, respondendo rapidamente.
- Onde você está? – Ele perguntou.
- Falando com o ex-namorado.
- Alguma chance dele ser quem nós estamos procurando?
- Dificilmente – ela disse, e continuou vendo a tristeza nos olhos de Allen no banco de trás.
- Bom. Preciso de você de volta no A1 rápido.
- Está tudo bem? – Avery perguntou.
- Depende do seu ponto de vista – O’Malley respondeu. Acabamos de receber uma carta do assassino.
CAPÍTULO SEIS
Mesmo antes de que Avery e Ramirez chegassem ao batalhão, Black sabia que a situação havia saído do controle. Ela teve que manobrar o carro com cuidado no estacionamento do A1 para não bater nas vans de reportagem. O lugar era um circo completo e eles ainda nem haviam entrado.
- Parece ruim – Ramirez disse.
- Pois é – ela respondeu. – Como a imprensa soube sobre essa carta se ela chegou direto aqui?
Ramirez só pode encolher os ombros quando eles saíram do carro e correram para dentro. Alguns repórteres apareceram no caminho, sendo que um deles praticamente parou na frente de Avery. Ela quase esbarrou nele, mas desviou em tempo. Escutou-o chama-la de vaca, mas aquela era sua última preocupação.
Eles chegaram até a porta, com repórteres clamando por comentários e flashes por todos os lados. Avery sentiu seu sangue fervendo e daria tudo naquele momento para socar um dos repórteres no nariz.
Quando finalmente entraram no esquadrão e fecharam as portas atrás de si, ela viu que lá dentro as coisas não estavam muito melhores. Ela havia visto o A1 em estado de urgência e desordem antes, mas não àquele ponto. Talvez haja um vazamento no A1, ela pensou enquanto caminhava rapidamente em direção ao escritório de Connelly. Antes de chegar lá, no entanto, viu uma confusão no corredor. O’Malley e Finley estavam caminhando por ali.
- Sala de conferências – Connelly disse.
Avery assentiu, virando à direita no corredor. Ela viu que ninguém mais estava indo em direção à sala de conferências, dando a entender que a reunião seria restrita. E aquele tipo de reunião nunca era agradável. Ela e Ramirez seguiram Connelly até a sala. Quando O’Malley e Finley também entraram, Connely bateu a porta e a trancou.
Ele jogou um pedaço de papel na mesa. Estava coberto por um pedaço de plástico, o que fez com que deslizasse quase perfeitamente na direção de Avery. Ela pegou o papel e olhou.
- Leia – Connelly disse. Ele estava frustrado e parecia um pouco pálido. Seu cabelo estava bagunçado e havia raiva em seu olhar.
Avery fez o que ele pediu. Sem mexer na folha, leu a carta. A cada palavra lida, a sala ficava mais fria.
Gelo é bonito, mas mata. Pense em uma linda camada fina de geada no seu para brisas em uma manhã de outono. O mesmo lindo gelo está matando plantas vivas.
Há eficiência nessa beleza. E a flor volta... sempre volta. Renasce.
O frio é erótico, mas mutila. Pense em estar com muito frio saindo de uma tempestade de inverno e, depois, enrolando-se nu com um amante debaixo dos lençóis.