O médico-legista abanou a cabeça.
“Aparentemente não,” Disse ele. “Não havia rasto da droga no estômago da outra vítima. Deve ter-lhe sido ministrada por injeção.”
Jenn disse, “Isso é estranho.”
O Chefe Bull Cullen olhou para Jenn com interesse.
“Porquê?” Perguntou.
Jenn encolheu ligeiramente os ombros.
Disse, “É difícil de imaginar, só por isso. O flunitrazepam não faz efeito imediato, independentemente da forma como é ministrado. Numa situação de encontro com intenção de violar isso não é importante. A vítima talvez tome umas bebidas com o seu atacante durante algum tempo, começa a sentir-se tonta sem saber bem porquê e dali a pouco está indefesa. Mas se o nosso assassino a injetou co uma agulha, ela imediatamente perceberia que algo não estava bem e teria alguns minutos para resistir antes que a droga fizesse efeito. Não parece… muito eficiente.”
Cullen sorriu a Jenn – de forma um pouco insinuante, pensou Riley.
“Faz sentido,” Disse ele. “Deixe-me mostrar-lhe.”
Colocou-se atrás de Jenn que era muito mais baixa do que ele. Começou a tentar alcançar o seu pescoço de trás. Jenn afastou-se.
“Ei, o que é que está a fazer?” Perguntou Jenn.
“Apenas a demonstrar. Não se preocupe, não a vou magoar.”
Jenn brincou e manteve-se longe dele.
“Pode crer que não,” Disse ela. “E tenho a certeza do que tem em mente. Pensa que o assassino usou alguma espécie de método de asfixia.”
“É isso mesmo,” Disse Cullen, ainda a sorrir. “Um tipo de asfixia muito concreta.”
Torceu o braço para mostrar a sua perspetiva.
“O assassino aproximou-se inesperadamente por trás, depois colocou o braço assim à volta do pescoço, impedindo a circulação sanguínea no cérebro. A vítima perdeu os sentidos em poucos segundos. Depois foi fácil para o assassino administrar uma injeção que a deixaria indefesa por um período mais longo.”
Riley pressentiu a fricção entre Cullen e Jenn. Cullen tinha para com Jenn uma atitude simultaneamente condescendente e insinuante.
Era óbvio que Jenn não gostava dele nem um bocadinho e Riley partilhava o sentimento. O homem era sem dúvida superficial com um parco sentido de comportamento apropriado quando se tratava de lidar com uma colega – e um sentido ainda pior de como se comportar numa cena de crime.
Ainda assim, Riley tinha que admitir que a teoria de Cullen era lógica.
Ele até podia ser detestável, mas não era estúpido.
Na verdade, podia ser muito útil trabalhar com ele.
Isto é se aguentarmos estar ao pé dele, Pensou Riley.
Cullen saiu dos carris e apontou para um local onde o solo tinha sido assinalado com fita.
Disse, “Temos vestígios de pneus. São marcas grandes – obviamente provenientes de algum tipo de veículo todo-o-terreno. E aqui também temos pegadas.”
Riley disse, “Tirem fotografias disto. Enviamo-las para Quantico e os nossos técnicos passam-nas pelo crivo da base de dados.”
Cullen ficou com os braços nas ancas por um momento, abarcando a cena com o que pareceu a Riley quase uma sensação de satisfação.
Ele disse, “Devo dizer que esta é uma experiência nova para mim e para os meus homens. Estamos habituados a investigar roubos de carga, vandalismo, colisões e coisas do género. Os homicídios estão longe da nossa zona de conforto. E algo assim – bem, nunca tínhamos visto nada do género. É claro que imagino que não seja nada de especial para vocês. Estão habituados a isto.”
Cullen não obteve resposta e não disse nada durante alguns instantes. Depois olhou para Riley e para os colegas e disse, “Bem, não quero ocupar demasiado do vosso tempo. Dêem-nos apenas um perfil e a minha equipa ocupa-se do resto. Podem regressar a casa ainda hoje, a não ser que queiram passar aqui a noite.”
Riley, Bill e Jenn olharam uns para os outros com surpresa.
Será que ele estava mesmo à espera de que tudo fosse tão rápido?
“Não sei a que é que se está a referir,” Disse Riley.
Cullen encolheu os ombros e disse, “Estou certo que já têm um perfil por esta altura. Afinal, é para isso que estão aqui. O que é que me podem dizer?”
Riley hesitou durante um momento.
Depois disse, “Podemos dar-lhe algumas generalizações. Estatisticamente a maioria dos assassinos que deixa um corpo na cena do crime tem registo criminal. Mais de metade têm idades compreendidas entre os quinze e os trinta e sete anos – e mais de metade são Afro-Americanos, empregados pelo menos em part-time e têm formação escolar pelo menos ao nível do secundário. Alguns desses assassinos já tiveram problemas psiquiátricos e alguns passaram pelo serviço militar. Mas… “
Riley hesitou.
“Mas o quê?” Perguntou Cullen.
“Tente compreender – nada disto é informação realmente útil, pelo menos nesta altura. Há sempre exceções. E o nosso assassino já me parece uma. Por exemplo, o tipo de assassino de que estamos a falar geralmente tem alguma espécie de motivação sexual. Mas aqui não parece ser o caso. O meu palpite é que ele não é típico em muitas questões. Talvez não seja típico em nada. Ainda temos muito trabalho a fazer.”
Pela primeira vez desde que tinham chegado, a expressão de Cullen ficou mais sombria.
Riley acrescentou, “E quero que o telemóvel dela vá já para Quantico. E o telemóvel da outra vítima também. Os nossos técnicos precisam de ver se conseguem retirar alguma informação deles.”
Antes que Cullen tivesse oportunidade de responder, o seu telemóvel tocou.
Disse, “Já sei quem é. É o administrador do caminho-de-ferro a querer saber se pode fazer circular os comboios. A linha tem três comboios de carga apinhados e um comboio de passageiros atrasados. Há um maquinista pronto para retirar da linha o comboio que está parado. Já podemos remover o corpo?”
Riley anuiu e disse ao médico-legista, ”Pode levá-la.”
Cullen virou-se e atendeu a chamada enquanto o médico-legista reuniu o seu pessoal para removerem o corpo.
Quando Cullen desligou a chamada, parecia estar com uma disposição amarga.
Disse a Riley e aos colegas, “Então parece que vão ficar por cá durante algum tempo.”
Riley pensou compreender o que o estava a incomodar. Cullen estava ansioso por resolver um caso sensacional e não esperava que o FBI lhe retirasse esse mérito.
Riley disse, “Olhe, estamos aqui a seu pedido. Mas penso que vai precisar de nós – por mais algum tempo.”
Cullen abanou a cabeça.
Então disse, “Bem, o melhor é irmos para a esquadra de Barnwell. Temos uma coisa bem desagradável para tratar lá.”
Sem dizer mais uma palavra, virou-se e afastou-se.
Riley interrogou-se…
Mais desagradável do que isto?
Estava confusa enquanto ela e os colegas seguiam Cullen.
CAPÍTULO SEIS
Jenn Roston estava e pulgas quando se virou para seguir os colegas. Caminhou atrás de Riley e Bill enquanto o Chefe Cullen os conduzia até aos veículos estacionados.
“Bull” Cullen, chama-se a si próprio, Lembrou-se com desdém.
Estava contente por ter duas pessoas entre ela e aquele homem.
Não parava de pensar…
Tentou demonstrar como se asfixiava alguém em mim!
Duvidava que estivesse à procura de uma desculpa para a apalpar. Mas não havia dúvida que estava à procura de uma oportunidade para mostrar controlo físico sobre ela. Já era suficientemente mau que tentasse mostrar de forma condescendente a asfixia e os seus efeitos nela – como se ela não o soubesse.
Pensou que ambos tinham tido sorte que Cullen não tivesse chegado a colocar-lhe o braço à volta do pescoço. Poderia não ter conseguido controlar-se. Apesar do homem ser ridiculamente musculado, o mais certo era não lhe ter dado hipótese. É claro que isso teria sido inconveniente numa cena de crime e não teria contribuído para promover as boas relações entre investigadores. Por isso Jenn estava satisfeita por as coisas não se terem descontrolado.
Para além de tudo, agora Cullen parecia estar aborrecido por Jenn e os colegas ainda não se irem embora para ele ficar com a glória da resolução do caso.
Azar, imbecil, Pensou Jenn.
O grupo entrou na carrinha da polícia com Cullen. O homem não disse nada enquanto conduzia até à esquadra e os companheiros do FBI também permaneceram calados. Calculou que eles, tal como ela, estavam a pensar na cena de crime aterradora e no comentário de Cullen sobre ter algo “desagradável para tratar” na esquadra.
Jenn odiava enigmas, talvez porque a Tia Cora era críptica e ameaçadora tão frequentemente nas suas tentativas de manipulação. E também odiava viver com a sensação de que algo no seu passado podia destruir a realização do seu sonho de se tornar numa agente do FBI.
Quando Cullen estacionou a carrinha em frente à esquadra, Jenn e os colegas saíram e seguiram-no até ao interior da mesma. Lá dentro, Cullen apresentou-os ao Chefe da Polícia de Barnwell, Lucas Powell, um homem de meia-idade com um queixo flácido.
“Venham comigo,” Disse Powell. “Tenho os homens aqui. O meu pessoal e eu não sabemos como lidar com este tipo de coisa.”
Homens? Perguntou-se Jenn.
E a que tipo de “coisa” se referia?
O Chefe Lucas Powell conduziu Jenn e os colegas, e Cullen até à sala de interrogatório da esquadra. Lá dentro estavam dois homens sentados na mesa, ambos usando coletes amarelos florescentes. Um era elegante e alto, um homem mais velho mas com um aspeto vigoroso. O outro tinha a altura de Jenn e não devia ser muito mais velho do que ela.
Estavam a beber café e a olhar para a mesa.
Powell apresentou primeiro o homem mais velho e depois o mais jovem.
“Este é Arlo Stine, o maquinista. E este é Everett Boynton, o ajudante. Quando o comboio parou, foram eles que encontraram o corpo.”
Os dois homens mal olhavam para o grupo.
Jenn engoliu em seco. Com certeza que estariam terrivelmente traumatizados.
Não havia dúvidas de que havia algo muito desagradável com que lidar ali.
Falar com aqueles homens não ia ser fácil. E para tornar tudo pior, não era provável que soubessem algo que os conduzisse ao assassino.
Riley sentou-se à mesa com os homens e falou num tom de voz suave.
“Lamento que tenham passado por isto. Como se estão a aguentar?”
O homem mais velho, o maquinista, encolheu os ombros ligeiramente.
“Vou ficar bem,” Disse ele. “Acredite ou não, já vi isto antes. Pessoas mortas nos carris, quero dizer. Vi corpos bem mais maltratados. Não que uma pessoa se habitue, mas…”
Stine acenou na direção do ajudante e acrescentou, “Mas aqui o Everett nunca tinha passado por isto antes.”
O homem mais jovem levantou a cabeça.
“Eu fico bem,” Disse ele com um aceno inseguro, obviamente tentando aparentar algo que não correspondia à realidade.
Riley disse, “Peço desculpa por perguntar isto – mas viram a vítima antes de…?”
Boynton estremeceu e não disse nada.
Stine disse, “Apenas um relance, mais nada. Estávamos ambos na cabine. Mas eu estava no rádio a fazer uma chamada de rotina para a próxima estação e Everett fazia cálculos para a curva que íamos fazer. Quando o engenheiro começou a travar e a apitar, olhámos e vimos… algo, não sabíamos ao certo o quê.”
Stine parou, depois acrescentou, “Mas sabíamos o que tinha acontecido quando caminhámos até ao local para ver.”
Jenn revia mentalmente alguma da pesquisa que tinha feito no voo. Ela sabia que a tripulação de um comboio de carga era pequena. Ainda assim, parecia faltar uma pessoa.
“Onde está o engenheiro?” Perguntou ela.
“Está numa cela.”
Jenn ficou estupefacta.
Mas que raio se estava a passar ali?
“Colocaram-no numa cela?” Perguntou ela.
Powell disse, “Não tivemos grande escolha.”
O maquinista acrescentou, “Pobre homem – não fala com ninguém. As únicas palavras que disse desde o sucedido foram ‘Prendam-me’. Não parava de o dizer.”
O chefe da polícia local disse, “Então foi o que acabámos por fazer. Parecia o melhor a fazer por agora.”
Jenn sentiu a fúria a apoderar-se dela.
Perguntou, “Não trouxeram um terapeuta para falar com ele?”
O chefe dos caminhos-de-fero disse, “Solicitámos que um psicólogo da empresa viesse de Chicago. São as regras do Sindicato. Não sabemos se vai aparecer.”
Riley estava alarmada.
“Com certeza que o engenheiro não se responsabiliza pelo que aconteceu,” Disse ela.
O maquinista pareceu surpreendido.
“É claro que que sim,” Disse ele. “Não foi culpa dele, mas não o consegue evitar. Era o homem que ia nos comandos. Foi quem se sentiu mais indefeso. Está a devorá-lo. Detesto que ele se tenha fechado desta fora. Tentei falar com ele, mas ele nem e olhava nos olhos. Não devíamos estar à espera que aparecesse um psiquiatra dos caminhos-de-ferro. Alguém devia estar a fazer alguma coisa agora. Um bom engenheiro como ele merece mais.”
Jenn estava no seu limite.
Disse a Cullen, “Bem, não podem deixá-lo naquela cela sozinho. Não quero saber se ele insiste que quer estar sozinho. Não é bom para ele. Alguém precisa de estar lá com ele.”
Todos na sala olharam para ela.
Jenn hesitou, depois disse, “Levem-me à cela. Quero vê-lo.”
Riley olhou para ela e disse, “Jenn, não sei se é boa ideia.”
Mas Jenn ignorou-a.
“Como é que ele se chama?” Perguntou Jenn aos maquinistas.
Boynton disse, “Brock Putna.”
“Levem-me a ele,” Insistiu Jenn. “Agora mesmo.”
O chefe Powell conduziu Jenn pelo corredor. Ao caminharem, Jenn questionou-se se Riley teria razão.
Talvez não seja uma boa ideia.
Afinal de contas, ela sabia que a empatia não era o seu forte enquanto agente. Ela tendia a ser brusca e franca, mesmo quando era necessário um toque mais suave. Era certo que não possuía a habilidade de Riley para demonstrar compaixão nos momentos apropriados. E se a própria Riley não se sentisse à altura da tarefa? Porque é que Jenn decidira agir?
Mas não conseguia parar de pensar…
Alguém tem que falar com ele.
Powell conduziu-a à fila de celas, todas co portas sólidas e janelas minúsculas.
Ele perguntou, “Quer que entre consigo?”
“Não,” Disse Jenn. “É melhor fazê-lo sozinha.”
Powell abriu a porta de uma das celas e Jenn entrou. Powell deixou a porta aberta mas afastou-se.
Um homem com trinta e poucos anos estava sentado à beira da cama, a olhar diretamente para a parede. Usava uma t-shirt normal e um boné de beisebol virado ao contrário.
À porta da cela, Jenn disse num tom de voz suave…
“Senhor Putnam? Brock? Chamo-me Jenn Roston e sou do FBI. Lamento muito o sucedido. Quer… conversar?”
Putnam não mostrou sequer ouvi-la.
Parecia especialmente determinado em não olhar para ela – nem para mais ninguém, Jenn tinha a certeza.
E pela pesquisa que fizera no voo, Jenn sabia exatamente porque é que ele se sentia daquela forma.
Ela engoliu com dificuldade ao sentir um nó de ansiedade formar-se na garganta.
Aquilo ia ser muito mais complicado do que ela imaginara.
CAPÍTULO SETE
Riley manteve desconfortavelmente o olho na porta depois de Jenn sair. Enquanto Bill fazia perguntas ao maquinista e ao ajudante, ela pensava e como Jenn se estaria a sair co o engenheiro.
Ela tinha a certeza que o homem estava a passar um mau bocado. Não lhe agradava a ideia de esperar muito mais tempo pelo psicólogo dos caminhos-de-ferro – possivelmente alguém subserviente mais preocupado com o bem-estar da empresa do que com o do engenheiro. Mas que mais podiam fazer?
E será que a jovem agente só iria dificultar as coisas ao homem? Riley nunca vira nenhum sinal de que Jenn fosse especialmente habilidosa em lidar com pessoas.
Se Jenn transtornasse ainda mais o homem, como é que isso afetaria a sua própria moral? Ela já colocara a hipótese de deixar o FBI devido às pressões de uma antiga mãe adotiva criminosa.
Apesar das suas preocupações, Riley conseguiu ouvir o que era dito na sala.