“Não sei,” Disse. “A sério, só temos uma prostituta assassinada. Claro, outras prostitutas desapareceram em Phoenix. Mas isso não tem nada de novo. Isso acontece com frequência em todas as grandes cidades do país.”
A palavra “frequência” naquele contexto desagradava a Riley. Como é que o desaparecimento continuado de um certo tipo de mulheres podia ser considerado algo normal e rotineiro? Ainda assim, ela sabia que o que Bill dizia era verdade.
“Quando o Meredith telefonou deu a entender que era algo urgente,” Disse Riley. “E agora dá-nos tratamento VIP com voo direto para lá num avião da UAC.” Riley pensou por um momento. “As suas palavras exatas foram que o seu amigo queria que encarássemos aquele homicídio como o trabalho de um assassino em série. Mas parece que ninguém tem a certeza que se trata de um assassino em série.”
Bil encolheu os ombros. “Pode não ser. Mas o Meredith parece ser muito próximo do irmão de Nancy Holbrook, Garrett Holbrook.”
“Pois,” Disse Riley. “Ele disse-me que tinham frequentado a academia juntos. Mas isto é tudo muito invulgar.”
Bill não contestou. Riley reclinou-se no seu banco e considerou a situação. Parecia bastante óbvio que Meredith estava a contornar as regras do FBI como favor ao amigo. Isso não era nada habitual em Meredith.
Mas isso não fez com que Riley tivesse menos consideração por Meredith. Aliás, ela admirava a devoção que demonstrava em relação ao amigo. E pensou…
Se haveria alguém por quem contornaria as regras? Talvez o Bill?
Ao longo dos anos ele fora muito mais do que um mero parceiro e até mais do que um amigo. Ainda assim, Riley não tinha a certeza. E isso fê-la pensar no quão próxima se sentia dos colegas de trabalho, incluindo o Bill.
Mas não fazia muito sentido pensar naquilo naquele momento. Riley fechou os olhos e adormeceu.
*
O dia estava limpo e solarengo quando aterraram em Phoenix.
Ao saírem do avião, Bill cutucou Riley e disse, “Uau, que tempo fantástico. Talvez tenhamos algum tempo livre nesta viagem.”
Riley duvidou que a estadia em Phoenix lhe proporcionasse qualquer diversão. Já se passara muito tempo desde que tivera umas férias a sério. A sua última tentativa em Nova Iorque com a April tinha sido encurtada pelo caos e desordem que faziam parte da sua vida.
Um destes dias, tenho que descansar a sério, Pensou.
Um jovem agente local foi ter com eles ao avião e levou-os até às instalações do FBI de Phonenix, um vistoso edifício moderno. Ao estacionar o carro no parque de estacionamento do Bureau, comentou, “Design fixe, não é? Até ganhou um prémio qualquer. Conseguem adivinhar o que é suposto parecer?”
Riley olhou para a fachada. Era completamente lisa com longos retângulos e estreitas janelas verticais. Tudo estava cuidadosamente disposto e o padrão parecia familiar. Riley deteve-se e observou o edifício durante alguns momentos.
“Sequenciamento de ADN?” Perguntou Riley.
“Sim,” Disse o agente. “Mas aposto que não consegue adivinhar com que se assemelha o labirinto de pedra visto de cima.”
Mas entraram no edifício antes de Riley e Bill arriscarem uma hipótese. No interior do edifício, Riley viu o motivo de ADN reproduzido nos azulejos do chão. O agente conduziu-os por entre paredes e divisórias horizontais de aspeto severo até chegarem ao gabinete do Agente Especial Responsável Elgin Morley.
Riley e Bill apresentaram-se a Morley, um homem pequeno na casa dos cinquenta com um negro e espesso bigode, e óculos redondos. Outro homem estava à espera deles no gabinete. Estava na casa dos quarenta, era alto, esquelético e ligeiramente curvado. Riley pensou que tinha um ar cansado e deprimido.
Morley disse, “Agentes Paige e Jeffreys, apresento-vos o Agente Garrett Holbrook. A sua irmã foi a vítima encontrada no Lago Nimbo.”
Cumprimentaram-se com apertos de mão e por fim os quatro agentes sentaram-se para discutir o caso.
“Obrigado por terem vindo,” Disse Holbrook. “Isto tem sido bastante avassalador.”
“Fale-nos da sua irmã,” Principiou Riley.
“Não vos consigo dizer muita coisa,” Disse Holbrook. “Não a conhecia lá muito bem. Era meia-irmã. O meu pai era um idiota mulherengo, deixou a minha mãe e teve filhos de três mulheres diferentes. A Nancy era quinze anos mais nova do que eu. Tivemos muito pouco contacto ao longo dos anos.”
Durante alguns momentos, fitou o chão com um olhar vazio, os dedos a tamborilarem de forma ausente no braço da cadeira. Depois, sem olhar para os colegas disse, “A última vez que soubera dela, estava a trabalhar num escritório e a ter aulas numa escola comunitária. Isso foi há alguns anos. Fiquei chocado quando soube o rumo que tinha seguido. Não fazia ideia.”
Depois calou-se. Riley teve a sensação de que algo ficara por dizer, mas acabou por se capacitar de que talvez aquilo fosse mesmo tudo o que o homem sabia. No final de contas, o que é que Riley podia dizer da sua própria irmã mais velha caso alguém a interpelasse? Ela e a Wendy estavam sem saber uma da outra há tanto tempo que bem podiam nem ser irmãs.
Ainda assim, Riley pressentiu algo mais do que pesar no comportamento de Holbrook e não pode deixar de considerar estranho este seu primeiro depoimento.
Morley sugeriu que Riley e Bill fossem com ele à Patologia Forense onde poderiam observar o corpo. Holbrook assentiu e referiu que iria para o seu gabinete.
Ao seguirem o Agente Responsável pelo corredor, Bill perguntou, “Agente Morley, qual a razão para pensarmos que estamos perante um assassino em série?”
Morley abanou a cabeça. “Não sei bem se temos uma razão concreta para pensar dessa forma,” Disse. “Mas quando o Garrett soube da morte da Nancy, não sossegou. É um dos nossos melhores agentes e tentei protegê-lo. Ele tentou avançar com a sua própria investigação, mas não chegou a lado nenhum. A verdade é que durante todo este tempo não tem estado em si.”
Riley tinha notado que Garrett parecia terrivelmente inquieto. Talvez um pouco mais do que deveria um agente experiente, mesmo tratando-se da morte de um familiar. Afinal, ele tornara claro que ele e a irmã não eram chegados.
Morley conduziu Riley e Bill até à área de Patologia Forense do edifício onde os apresentou à chefe de equipa, Dra. Rachel Fowler. A patologista abriu a unidade refrigerada onde se encontrava guardado o corpo de Nancy Holbrook.
Riley estremeceu ligeiramente perante o odor familiar a decomposição, apesar do cheiro ainda não estar particularmente forte. Reparou que a mulher possuíra estatura baixa e fora muito magra.
“Não esteve muito tempo dentro de água,” Disse Fowler. “A pele estava a começar a enrugar quando foi encontrada.”
A Dra. Fowler apontou para os pulsos.
“Podem ver-se queimaduras de corda. Parece ter sido amarrada quando foi morta.”
Riley reparou em marcas empoladas no cotovelo de um dos braços da vítima.
“Parecem marcas de toxicodependente,” Disse Riley.
“Pois é. Ela consumia heroína. O meu palpite é que ela estava a entrar completamente no vício.”
Parecia a Riley que a mulher tinha sido anorética e isso era consistente com a teoria de adição aventada por Fowler.
“Esse tipo de vício parece algo deslocado quando falamos de uma acompanhante de luxo,” Disse Bill. “Como é que podemos saber que era viciada?”
Fowler mostrou um cartão de negócios laminado que estava dentro de um saco de prova. Tinha uma foto provocadora de uma mulher morta nele. O nome no cartão era simplesmente “Nanette” e o negócio era “Ishtar Escorts”.
“Este cartão estava com a vítima quando foi encontrada,” Explicou Fowler. “A polícia entrou em contacto com a Ishtar Escorts e descobriu o nome verdadeiro da mulher, o que tornou possível identificá-la como a meia-irmã do Agente Holbrook.”
“Como é que foi asfixiada?” Perguntou Riley.
“Tem nódoas negras no pescoço,” Disse Fowler. “O assassino pode ter enfiado a cabeça da vítima num saco de plástico.”
Riley observou as marcas mais atentamente. Teria aquilo sido um jogo sexual que correu mal ou um ato homicida deliberado? Ainda não podia ter a certeza.
“O que tinha vestido quando foi encontrada?” Perguntou Riley.
Fowler abriu uma caixa que continha a roupa da vítima. Usava um vestido rosa com um decote cavado, mas não demasiado, claramente um degrau acima da típica prostituta de rua. Era o vestido de uma mulher que queria parecer muito sexy e ao mesmo tempo adequado como traje para clubes noturnos.
Junto ao vestido estava um saco de plástico com joias.
“Posso ver?” Perguntou Riley a Fowler.
“Força.”
Riley pegou no saco e observou o seu conteúdo. A maioria era bijuteria de razoável gosto – um colar de contas, pulseiras e brincos simples. Mas um elemento se destacava entre os outros. Um elegante anel de ouro com um diamante. Pegou nele e mostrou-o a Bill.
“Verdadeiro?” Perguntou Bill.
“Sim,” Respondeu Fowler. “Ouro verdadeiro e diamante verdadeiro.”
“O assassino não se deu ao trabalho de o roubar,” Comentou Bill. “Não teve nada a ver com dinheiro.”
Riley virou-se para Morley. “Gostava de ver o local onde o corpo foi encontrado,” Disse. “Agora mesmo, enquanto ainda temos luz do dia.”
Morley parecia intrigado.
“Podemos lá chegar de helicóptero,” Disse. “Mas não sei o que espera encontrar. Polícias e agentes passaram aquilo a pente fino.”
“Confie nela,” Disse Bill. “Ela vai encontrar alguma coisa.”
CAPÍTULO OITO
A ampla superfície do Lago Nimbo parecia quieta e tranquila quando o helicóptero se aproximou.
Mas as aparências enganam, Lembrou Riley a si mesma. Ela sabia melhor do que ninguém que superfícies calmas podiam esconder segredos terríveis.
O helicóptero desceu, oscilando enquanto pairava à procura de um lugar para aterrar. Riley sentiu-se um pouco enjoada graças àquele movimento irregular. Ela não gostava muito de helicópteros. Olhou para Bill sentado a seu lado. Não parecia melhor do que ela.
Mas quando Riley olhou para o Agente Holbrook, viu um rosto vazio. Mal tinha proferido uma palavra durante o voo de meia hora de Phoenix. Riley ainda não sabia muito bem o que pensar a respeito dele. Estava habituada a decifrar as pessoas facilmente, às vezes demasiado facilmente para o seu próprio gosto. Mas Holbrook ainda era para ela um enigma.
Finalmente o helicóptero tocou no solo e os três agentes do FBI pisaram terra firme, baixando-se debaixo das hélices que rodavam por cima das suas cabeças. A estrada onde o helicóptero aterrara não passava de uma faixa no meio das ervas do deserto onde se avistavam marcas de pneus paralelas.
Riley reparou que a estrada não parecia ser muito frequentada. Ainda assim, parecia que haviam passado por ali suficientes veículos na semana anterior para ocultar quaisquer marcas deixadas pelo veículo conduzido pelo assassino.
O ruidoso motor do helicóptero parou, tornando mais fácil a Riley e Bill conversarem com Holbrook enquanto o seguiam a pé até ao local onde o corpo fora encontrado.
“Diga-nos o que puder sobre lago,” Pediu Riley a Holbrook.
“É um de uma série de reservatórios criados por barragens ao longo do Rio Acacia,” Disse Holbrook. “É o mais pequeno dos lagos artificiais. Tem muito peixe e é um popular lugar de recreação, mas as áreas públicas estão situadas do outro lado do lago. O corpo foi descoberto por dois adolescentes pedrados. Vou mostra-vos o local exato.”
Holbrook levou-os para fora da estrada até um cume de pedra com vista para o lago.
“Os miúdos estavam aí onde está,” Disse. Apontou na direção da margem do lago. “Olharam lá para baixo e viram-na. Disseram que lhes parecia apenas uma forma escura na água.”
“Em que altura do dia é que os miúdos estiveram aqui?” Perguntou Riley.
“Um pouco mais cedo do que agora,” Respondeu Holbrook. “Tinham faltado à escola e pedraram-se.”
Riley abarcou a cena. O sol estava baixo e o topo das falésias vermelhas do outro lado do lago estavam iluminadas pelo sol. Alguns barcos flutuavam na água. A distância entre o local e a água não era muita, talvez apenas três metros.
Holbrook apontou para um lugar próximo onde o declive não era tão acentuado.
“Os miúdos foram até lá abaixo para verem mais de perto,” Disse. “Foi aí que descobriram do que é que se tratava.”
Pobres miúdos, Pensou Riley. Já haviam passado duas décadas desde que ela tinha experimentado marijuana na faculdade. Mesmo assim, podia muito bem imaginar o ampliado horror da descoberta sob a influência da droga.
“Queres ir até lá abaixo para vermos mais de perto?” Perguntou Bill a Riley.
“Não, vê-se bem daqui,” Disse Riley.
O seu instinto dizia-lhe que estava certa no essencial. Afinal de contas, de certeza que o assassino não tinha arrastado o corpo por aquele declive por onde os miúdos tinham descido.
Não, Pensou. Ele ficou aqui mesmo.
Parecia que a vegetação esparsa ainda estava quebradiça no local onde ela se encontrava.
Respirou fundo algumas vezes, tentando ver as coisas sob a perspetiva do assassino. Sem dúvida que ali tinha estado à noite. Mas a noite estava sem nuvens ou nublada? Bem, naquela época do ano no Arizona, o mais provável era a noite estar sem nuvens. E lembrou-se que a lua estaria luminosa há uma semana atrás. Na noite estrelada e banhada de luar, conseguiria ver o que estava a fazer com bastante nitidez – muito possivelmente até sem precisar de uma lanterna.
Riley imaginou o assassino a pousar o corpo ali. Mas o que fizera de seguida? Obviamente que fizera o corpo rebolar. Caíra diretamente na água.
Mas algo neste cenário parecia não bater certo. Pensou novamente, como já o fizera no avião, por que é que ele fora tão descuidado.
Na verdade, dali o mais certo era ele não ter conseguido ver que o corpo não se afundara muito. Os miúdos tinham descrito o saco como “uma forma negra na água”. Daquela altura, o saco submerso estaria provavelmente invisível até numa noite sem nuvens. Ele assumira que o corpo se tinha afundado, como sucede com os cadáveres recentes na água doce, sobretudo quando auxiliados pelo peso de pedras.
Mas porque é que ele partiu do princípio de que ali a água era profunda?
Espreitou na direção da água clara. À luz do fim de tarde, conseguia facilmente ver o ressalto submerso onde o corpo tinha aterrado. Era uma pequena área horizontal, não mais do que a ponta de uma pedra. À sua volta, a água era negra e profunda.
Olhou em redor do lago. Falésias despontavam de todos os lados na água. Era possível perceber que o Lago Nimbo tinha sido um desfiladeiro profundo antes da barragem o encher de água. Apenas detetara alguns locais onde se podia caminhar ao longo da margem. Os lados da falésia caíam na direção das profundezas.
À direita e à esquerda, Riley viu cumes semelhantes aos que vira do local onde se encontrava, a erguerem-se a uma altura aproximada. A água abaixo das falésias era negra, não mostrando sinais do tipo de ressalto que estava logo abaixo.
E foi então que Riley compreendeu.
“Ele já fez isto antes,” Disse a Bill e Holbrook. “Há outro corpo neste lago.”
*
Na viagem de helicóptero de regresso à sede da Divisão de Phoenix do FBI, Holbrook disse, “Então pensa que afinal sempre pode ser um caso de assassino em série?”
“Sim, acredito que sim,” Afirmou Riley.
Holbrook disse, “Eu não tinha a certeza. Estava sobretudo ansioso por ter na investigação alguém realmente bom. O que é que viu que a fez mudar de ideias?”
“Há outros ressaltos muito semelhantes àquele para onde ele empurrou o corpo,” Explicou Riley. “Já tinha usado um desses pontos antes e esse corpo afundara como era suposto. Mas talvez desta vez não tivesse encontrado esse mesmo local. Ou talvez pensasse que se tratava do mesmo local. De qualquer das formas, ele esperava obter o mesmo resultado desta vez e enganou-se.”