O Dom da Batalha - Морган Райс 4 стр.


Gwen ficou em silêncio, sentindo um buraco no estômago enquanto olhava com tristeza para a menina, querendo ajudá-la. Ela começou a questionar-se sobre o Rei e começou a questionar-se se as palavras de Kristof eram verdadeiras.

"Eldof valoriza a família", continuou Kristof. "Ele nunca abandonaria um dos seus. Ele valoriza o nosso verdadeiro eu. Ninguém aqui é recusado por vergonha. Essa é a praga do orgulho. E aqueles que são dementes estão mais próximos do seu verdadeiro eu."

Kristof suspirou.

"Quando conheceres Eldof", disse ele, "vais entender. Não há ninguém como ele, nem nunca haverá."

Gwen podia ver o fanatismo nos seus olhos, podia ver o quão perdido ele estava naquele lugar, naquele culto, e ela sabia que ele estava demasiado perdido para sequer voltar para o Rei. Ela olhou rapidamente e viu a filha do Rei ali sentada, sentindo-se cheia de pena dela, de todo aquele lugar, da sua família despedaçada. A sua visão da imagem perfeita do Cume, da família real perfeita, tinha-se desmoronando. Aquele lugar, como qualquer outro, tinha o seu próprio lado sombrio. Havia uma batalha silenciosa ali e era uma batalha de crenças.

Era uma batalha que Gwen sabia que não conseguia ganhar. Nem ela tinha tempo para isso. Gwen pensou na sua própria família abandonada, e sentiu a urgência premente de salvar o seu marido e o seu filho. A sua cabeça estava às voltas naquele lugar, com o incenso espesso no ar e a falta de janelas a desorientarem-na, e ela queria obter o que precisava e sair. Ela tentou lembrar-se porque é que tinha ido ali sequer e, então, ela lembrou-se: para salvar o Cume, tal como tinha prometido ao Rei.

"O teu pai acredita que esta torre detém um segredo", disse Gwen, chegando ao ponto, "um segredo que poderia salvar o Cume, poderia salvar o vosso povo."

Kristof sorriu e fez figas.

"O meu pai e as suas crenças", respondeu ele.

Gwen franziu as sobrancelhas.

"Estás a dizer que não é verdade?", perguntou ela. "Que não existe nenhum livro antigo?"

Ele fez uma pausa, desviou o olhar e, depois suspirou profundamente, ficando em silêncio por um longo período. Por fim, continuou.

"O que te deve ser revelado e quando", disse ele, "ultrapassa-me. Apenas Eldof pode responder às tuas perguntas."

Um sentimento de urgência começou a crescer dentro de Gwen.

"Podes levar-me até ele?"

Kristof sorriu, virou-se e começou a caminhar pelo corredor.

"Certamente", disse ele, andando rapidamente, já distante, "como uma traça em direção à luz."

CAPÍTULO CINCO

Stara estava na plataforma precária, tentando não olhar para baixo à medida que ia sendo puxada cada vez mais para cima na direção do céu, vendo a vista a expandir-se a cada puxão da corda. A plataforma subia cada vez mais ao longo da borda do Cume. Stara permanecia ali, com o coração a bater com força, disfarçada, com o capuz puxado para baixo sobre o rosto e o suor a escorrer-lhe pelas costas abaixo enquanto sentia o calor do deserto a aumentar. Estava sufocante tão lá no alto e o dia mal havia nascido. À sua volta estavam os sempre presentes sons das cordas, roldanas e rodas a ranger, enquanto os soldados puxavam sem parar, sem nenhum deles perceber quem ela era.

Em poucos instantes, a plataforma parou e tudo ficou quieto enquanto ela permanecia no pique do Cume - o único som era o uivo do vento. A vista era impressionante, fazendo-a sentir-se como se estivesse no topo do mundo.

Tal trazia-lhe de volta memórias. Stara lembrou-se de quando chegou pela primeira vez ao Cume, novata, vinda do Grande Desperdício, com Gwendolyn e Kendrick e todos os outros esfalfados, a maioria deles mais morto do que vivo. Ela sabia que tinha tido sorte em ter sobrevivido e, de início, a vista do cume tinha sido um grande dom, tinha sido uma visão de salvação.

E, no entanto, agora ali estava ela, preparada para se ir embora, para descer o Cume mais uma vez pelo seu lado mais longínquo, de volta para o Grande Desperdício, de volta para o que poderia ser uma morte certa. Ao lado dela, o seu cavalo empinava-se, com os seus cascos a tatearem a oca plataforma. Ela estendeu a mão e acariciou a sua crina, tranquilizando-o. Aquele cavalo seria a sua salvação, a sua passagem para sair dali; ele faria com que a sua passagem pelo Grande Desperdício fosse muito diferente do que tinha sido.

"Não me lembro de ordens do nosso comandante sobre esta visita", ouviu-se a voz de comando de um soldado.

Stara ficou muito quieta, sabendo que estavam a falar sobre ela.

"Então eu terei de colocar essa questão diretamente ao seu comandante – ao meu primo, o Rei", respondeu Fithe convictamente, de pé ao lado dela, soando tão convincente como nunca.

Stara sabia que ele estava a mentir. Ela sabia que ele estava a arriscar por ela – e ela ficava-lhe, para sempre, grata por isso. Fithe tinha-a surpreendido por cumprir com a sua palavra, por, como tinha prometido, fazer tudo o que estava ao seu alcance para ajudá-la a sair do Cume, para ajudá-la a ter uma hipótese de ir por ali fora e encontrar Reece, o homem que amava.

Reece. Stara ficava em sofrimento ao pensar nele. Ela iria deixar aquele lugar, por muito seguro que fosse, iria atravessar a Grande Desperdício, cruzar oceanos, atravessar o mundo, apenas por uma oportunidade de lhe dizer o quanto o amava.

Por muito que Stara odiasse colocar Fithe em perigo, ela precisava daquilo. Ela precisava arriscar tudo para encontrar aquele que amava. Ela não conseguia ficar no Cume em segurança, por muito glorioso, rico e seguro que fosse, até ficar com Reece.

Os portões de ferro para a plataforma abriram-se a ranger. Fithe pegou-a pelo braço, acompanhando-a. Ela usava o capuz para baixo, com o seu disfarce a dar resultado. Eles saíram da plataforma de madeira para o planalto de pedra dura no topo do Cume. Um vento a uivar passou, forte o suficiente para quase os derrubar e desequilibrar e ela agarrou a crina do cavalo, O seu coração bateu com força ao ver a vasta extensão, a loucura do que estava prestes a fazer.

"Mantem a tua cabeça baixa e o teu capuz para baixo", Fithe sussurrou urgentemente. "Se eles te veem, veem que és uma miúda, eles vão perceber que não é suposto estares aqui em cima. E mandam-te para trás. Espera até nós chegarmos ao extremo mais distante do cume. Há uma outra plataforma à tua espera para te levar para baixo pelo outro lado. Ela vai levar-te – e somente a ti sozinha."

A respiração de Stara acelerou quando os dois atravessaram o grande planalto de pedra, passando por cavaleiros, andando rapidamente, Stara mantendo a cabeça para baixo, longe dos olhos curiosos dos soldados.

Por fim, eles pararam, e ele sussurrou:

"Ok. Vê."

Stara puxou o capuz para trás, com o seu cabelo coberto de suor e, ao fazê-lo, ela ficou atordoada com o que viu: dois sóis enormes e lindos, ainda vermelhos, nascendo na manhã gloriosa do deserto, com o céu coberto de um milhão de tons de rosa e roxo. Parecia como se fosse o romper da aurora do mundo.

Ao olhar ao longe, ela viu todo o Grande Desperdício espalhar-se diante de si, parecendo esticar-se até ao fim do mundo. Ao longe estava a Parede de Areia em fúria e, contra si mesma, ela olhou diretamente para baixo. Ela ficou estonteada devido ao seu medo das alturas e, logo a seguir, desejou não o ter feito.

Ela viu a inclinação acentuada, desde lá de cima até à base do Cume. E diante de si, ela viu uma plataforma solitária, vazia, à sua espera.

Stara virou-se e olhou para Fithe, que olhou para ela seriamente.

"Tens a certeza?", perguntou ele suavemente. Ela conseguia ver nos olhos dele o medo que ele tinha por ela.

Stara sentiu uma onda de apreensão a percorrê-la. Mas, depois, pensou em Reece e abanou cabeça sem hesitação.

Ele acenou de volta para ela gentilmente.

"Obrigado", disse ela. "Eu não sei como é que alguma vez te vou retribuir."

Ele sorriu-lhe de volta.

"Encontra o homem que amas", respondeu ele. "Se não posso ser eu, pelo menos, pode ser outra pessoa."

Ele pegou na mão dela, beijou-a, fez-lhe uma vénia, virou-se e afastou-se. Stara observou-o ir, cheia de apreço por ele. Se ela não tivesse amado Reece da forma que tinha, talvez ele fosse um homem que ela amaria.

Stara virou-se, mentalizando-se, segurou a crina do cavalo, e deu o primeiro passo decisivo para a plataforma. Ela tentou não olhar para o Grande Desperdício, para a jornada diante de si que quase certamente significaria a sua morte. Mas fê-lo.

As cordas rangiam e a plataforma balançava. À medida que os soldados baixavam as cordas, um pé de cada vez, ela começava a sua descida, sozinha, na direção do nada.

Reece, pensou, eu posso morrer. Mas vou atravessar o mundo por ti.

CAPÍTULO SEIS

Erec estava na proa do navio, com Alistair e Strom a seu lado. Olhou para baixo, para as águas transbordantes do rio do Império. A corrente furiosa bifurcou o navio para a esquerda, para longe do canal que os teria levado para Volusia, para Gwendolyn e os outros - e ele sentiu-se destroçado. Ele queria salvar Gwendolyn, é claro; e, no entanto também tinha de cumprir o voto sagrado que tinha feito aos aldeões libertados, de libertar a aldeia vizinha deles e acabar com a guarnição do Império nas proximidades. De qualquer das formas, se ele não o fizesse, de seguida, os soldados do Império em breve matariam os homens libertados, e todos os esforços de Erec para libertá-los teriam sido em vão, deixando a aldeia deles nas mãos do Império mais uma vez.

Erec olhou e estudou o horizonte, muito consciente do facto de que cada momento que passava, cada rajada de vento, cada golpe do remo, estava a levá-los para mais longe de Gwendolyn, da sua missão original; e, no entanto, ele sabia que às vezes era preciso desviar-se da missão, a fim de fazer o que era o mais nobre e mais correto. Ele tinha noção que, às vezes, a missão, nem sempre era o que se tinha pensado que seria. Às vezes era uma mudança constante; às vezes era uma viagem paralela ao longo do caminho que acabava por se tornar a verdadeira missão.

Ainda assim, Erec resolveu internamente derrotar a guarnição do Império tão rapidamente quanto possível e bifurcar de volta pelo rio acima em direção a Volusia, para salvar Gwendolyn antes que fosse tarde demais.

"Senhor!", gritou uma voz.

Erec olhou e viu um dos seus soldados, no alto do mastro, apontando para o horizonte. Ele virou-se para ver, e, quando o seu navio passou uma curva do rio e foi apanhado pelas correntes pegou, o sangue de Erec acelerou ao ver um forte do Império, repleto de soldados, empoleirado à beira do rio. Era um edifício monótono, quadrado, construído de pedra, baixo, com os vigias do Império alinhados ao seu redor – no entanto, nenhum observava o rio. Em vez disso, eles estavam todos a observar a aldeia de escravos abaixo, a abarrotar de aldeões, todos sob o chicote e a vara dos vigias do Império. Os soldados chicoteavam impiedosamente os aldeões, torturando-os nas ruas com trabalhos forçados, enquanto os soldados acima olhavam para baixo e riam-se da cena.

Erec ruborizou-se com indignação, fervendo com a injustiça daquilo tudo. Ele sentiu que se tinha justificado a bifurcação dos seus homens por aquele caminho rio acima, e sentiu-se determinado a acertar contas e a fazê-los pagar. Poderia ser apenas uma gota no balde da farsa do Império, e, ainda assim, Erec sabia que nunca se podia subestimar o que a liberdade significava até mesmo para poucas pessoas.

Erec viu as margens alinhadas com navios do Império, guardados casualmente, nenhum deles suspeitando um ataque. Claro, eles não seriam atacados: não havia forças hostis no Império, nenhuma que o vasto exército do Império pudesse temer.

Nenhuma, quer dizer, a não ser a de Erec.

Erec sabia que ainda que ele e os seus homens estivessem em desvantagem numérica, ainda assim, eles tinham a vantagem da surpresa. Se eles conseguissem atacar suficientemente depressa, talvez eles os conseguissem matar a todos.

Erec virou-se para os seus homens e viu Strom ali de pé, ao seu lado, aguardando ansiosamente o seu comando.

"Assume o comando do navio ao meu lado", ordenou Erec ao seu irmão mais novo - e assim que ele proferiu aquelas palavras o seu irmão explodiu em ação. Ele correu pelo convés, saltou para fora da amurada, para o navio que navegava ao lado deles, onde, rapidamente, ele se dirigiu para a proa e assumiu o comando.

Erec virou-se para os seus soldados que se aglomeravam em torno dele, no seu navio, à espera das suas orientações.

"Eu não quero que eles sejam alertados para a nossa presença", disse ele. "Temos de chegar tão perto quanto possível. Arqueiros – estejam prontos! ", gritou. "E todos vocês, peguem nas vossas lanças e ajoelhem-se!"

Todos os soldados tomaram as suas posições, de cócoras ao longo do amurada, com filas e mais filas de soldados de Erec alinhados, todos a segurar lanças e arcos, todos bem disciplinados, pacientemente aguardando o seu comando. As correntes apanharam-nos. Erec viu as forças do Império a ficarem mais perto e sentiu a adrenalina nas suas veias: a batalha estava no ar.

Eles estavam cada vez mais perto, agora apenas a cem jardas de distância. O coração de Erec batia com força, esperando não serem detetados, sentindo a impaciência de todos os seus homens ao seu redor, esperando para atacar. Eles só tinham de ficar dentro de alcance e, em cada volta da água, cada pé que eles ganhavam, ele sabia, era inestimável. Eles apenas tinham uma oportunidade com as suas lanças e flechas, e não podiam falhar.

Vá lá, pensou Erec. Apenas um pouco mais perto.

Erec ficou preocupado quando, de repente, um soldado do Império se virou casualmente e examinou as águas - e, depois, semicerrou os olhos confundido. Ele estava prestes a vê-los – e era demasiado cedo. Eles ainda não estavam dentro de alcance.

Alistair, ao lado dele, também viu isso. Antes de Erec conseguir dar o comando para iniciar a batalha cedo, de repente, ela levantou-se e, com uma expressão confiante e serena, levantou a palma da sua mão direita. Uma bola amarela apareceu na sua mão. Ela puxou o braço para trás e, em seguida, atirou-a para a frente.

Erec assistiu espantado à esfera de luz a flutuar no ar acima deles e a descer sobre eles, como um arco-íris. Em poucos instantes, uma névoa apareceu, obscurecendo a sua visão, protegendo-os dos olhos do Império.

O soldado do Império olhava agora para a névoa, confuso, não vendo nada. Erec virou-se e sorriu para Alistair sabendo que, mais uma vez, ele estaria perdido sem ela.

A frota de Erec continuou a navegar, agora tudo perfeitamente escondido. Erec olhou para Alistair com gratidão.

"A tua palma é mais forte do que a minha espada, minha senhora", disse ele com uma vénia.

Ela sorriu.

"Ainda é a tua batalha venceres", ela respondeu.

Os ventos levavam-nos mais para perto e a névoa mantinha-se com eles. Erec conseguia ver todos os seus homens em pulgas para dispararem as suas flechas, para lançarem as suas lanças. Ele entendia; a sua lança também lhe fazia cócegas na palma da sua mão.

"Ainda não", ele sussurrou para os seus homens.

Ao se separarem da névoa, Erec começou a vislumbrar os soldados do Império. Eles estavam sobre as muralhas, com as costas musculadas a brilhar, erguendo os chicotes e chicoteando os aldeões, com o estalo dos seus chicotes a ser audível mesmo a partir dali. Outros soldados olhavam para o rio, claramente convocados pelo homem de vigia, e todos espreitavam desconfiados para a névoa, como se a suspeitar de algo.

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