Erec estava tão perto agora, com os seus navios quase a trinta jardas de distância. Ele sentia o seu coração a latejar nos seus ouvidos. A névoa de Alistair começou a dissipar-se e ele sabia que tinha chegado o momento.
"Arqueiros!", comandou Erec. "Fogo!"
Dezenas dos seus arqueiros, todos em cima e em baixo na sua frota, puseram-se em posição, fizeram mira e dispararam.
O céu encheu-se com o som das flechas a saírem das cordas e a navegarem pelo ar - e o céu escureceu com a nuvem das mortais pontas de flecha, voando alto em arco e, em seguida, girando para baixo para a margem do Império.
Um momento depois soaram gritos pelo ar, quando a nuvem de flechas mortais desceu sobre os soldados do Império que abundavam no forte. A batalha havia começado.
Por todo o lado soavam trombetas, à medida que a guarnição do Império era alertada e se reunia para se defender.
"LANÇAS!", gritou Erec.
Strom foi o primeiro a ficar de pé e a atirar a sua lança, uma bela lança prateada, que assobiava pelos ares enquanto voava a uma velocidade tremenda, encontrando, de seguida, um lugar no coração atordoado do comandante do Império.
Erec arremessou a sua, apoiado nos seus calcanhares, juntando-se ao atirar a sua lança dourada e matando um comandante do Império do outro lado do forte. Todos os homens nas fileiras em cima e em baixo na sua frota juntaram-se, arremessando as suas lanças e matando soldados do Império atordoados, que mal tiveram tempo para reunir.
Dezenas deles caíram. Erec sabia que a sua primeira rajada tinha sido um sucesso; contudo, ainda restavam centenas de soldados. Quando o navio de Erec parou, mal tocando na costa, ele soube que tinha chegado o momento do combate corpo-a-corpo.
"ATACAR!", gritou ele.
Erec sacou da sua espada, saltou para cima da amurada e, depois, pelo ar, caindo de uma altura de uns bons quinze pés e pousando nas margens de areia do Império. Todos os seus homens à sua volta o seguiram, centenas seguramente, todos a avançarem pela praia, esquivando-se das flechas e lanças do Império, enquanto estouravam para fora da névoa e pela areia aberta na direção do forte do Império. Os soldados do Império agruparam-se, também, apressando-se ao seu encontro.
Erec preparou-se quando um desmedido soldado do império avançou diretamente na sua direção, gritando, levantando o seu machado e balançando-o de lado na direção da sua cabeça. Erec baixou-se, esfaqueou-o no estômago, e apressou-se. Erec, com os seus reflexos de batalha a entrarem em ação, esfaqueou um outro soldado no coração, evitou um golpe de machado de outro e, de seguida, virou-se e golpeou-o no peito. Outro avançou para ele, por trás, e, ele, sem se virar, deu-lhe uma cotovelada no rim, fazendo-o cair de joelhos.
Erec corria pelas fileiras de soldados, mais depressa e com mais força do que qualquer um no campo e, liderando os seus homens como um de cada vez, eles abatiam os soldados do Império, fazendo o seu caminho em direção ao forte. O combate intensificou-se, corpo-a-corpo, e aqueles soldados do Império, quase duas vezes o seu tamanho, eram adversários ferozes. Erec estava destroçado por ver muitos dos seus homens caírem em torno dele.
Mas Erec, determinado, movia-se como um relâmpago, com Strom ao seu lado, manobrando-se entre eles pela esquerda e pela direita. Ele atravessou a praia como um demónio libertado do inferno.
Em poucos instantes tinha conseguido. Na areia tudo estava calmo, já que a praia, estava agora vermelha, cheia de cadáveres, a maioria deles os corpos dos soldados do Império. Muitos deles, porém, eram os corpos dos seus próprios homens.
Erec, cheio de fúria, avançou para o forte, ainda repleto de soldados. Ele subiu os degraus de pedra ao longo da sua borda, com todos os seus homens a seguirem-no, e foi de encontro a um soldado que vinha a correu por ali abaixo direto a ele. Ele apunhalou-o no coração, bem antes de ele conseguir baixar na sua cabeça um martelo de duas mãos. Erec afastou-se e o soldado, morto, caiu pelos degraus abaixo, ao seu lado. Outro soldado apareceu, golpeando na direção de Erec antes de ele conseguir reagir. Strom chegou-se à frente e com um grande estrondo e uma chuva de faíscas, bloqueou o golpe antes de este conseguir alcançar o seu irmão e deu uma cotovelada no soldado com o punho da espada, derrubando-o pela borda fora e fazendo-o gritar até à sua morte.
Erec continuou a avançar, subindo quatro degraus de cada vez até chegar ao nível superior do forte de pedra. As dezenas de soldados do Império que permaneciam no nível superior estavam agora aterrorizados, vendo todos os seus irmãos mortos - e ao verem Erec e os seus homens a alcançam pisos superiores, eles viraram-se e começaram a fugir. Eles correram para o lado oposto do forte, para as ruas da aldeia - e, ao fazerem-no, tiveram uma surpresa: os aldeões estavam agora encorajados. As suas expressões de medo tinham-se transformado em expressões de raiva e, como um, eles revoltaram-se. Eles viraram-se contra os seus captores do Império, arrebataram-lhes os chicotes das mãos e começaram a chicoteá-los enquanto eles fugiam para o outro lado.
Os soldados do Império não estavam à espera daquilo e, um por um, caíram sob os chicotes dos escravos. Os escravos continuaram a chicoteá-los enquanto eles estavam estendidos no chão, uma e outra vez sem parar, até que, finalmente, eles pararam de se mover. A justiça tinha sido servida.
Erec ficou ali, no topo do forte, respirando com dificuldade, com os seus homens a seu lado, fazendo um balanço no silêncio. A batalha tinha acabado. Lá em baixo, foi preciso um minuto para os aldeões atordoados processarem o que tinha acontecido, mas em poucos instantes eles fizeram-no.
Um de cada vez, eles começaram a dar vivas e uma grande ovação ergueu-se no céu, cada vez mais alto. Os seus rostos estavam cheios de pura alegria. Era uma ovação de liberdade. Erec sabia que aquilo fazia com que tudo valesse a pena. Ele sabia que aquilo era o que significava a valentia.
CAPÍTULO SETE
Godfrey estava sentado no chão de pedra no aposento subterrâneo do palácio de Silis, com Akorth, Fulton, Ario e Merek a seu lado, Dray a seus pés, e Silis e os homens dela à frente deles. Estavam todos tristes, de cabeça baixa, com as mãos sobre os joelhos, todos sabendo que estavam num velório. O aposento tremia com os baques da guerra lá em cima, da invasão de Volusia, com o som da cidade deles a ser saqueado e a reverberar nos seus ouvidos. Estavam todos ali, à espera, enquanto os Cavaleiros dos Sete despedaçavam Volusia em pedaços, por cima das suas cabeças.
Godfrey tomou outro longo gole do seu saco de vinho, o último saco deixado na cidade, tentando atenuar a dor, a certeza da sua morte iminente nas mãos do Império. Ele olhou fixamente para os seus pés, questionando-se como é tudo tinha chegado àquilo. Há luas atrás, ele estava seguro e protegido dentro do Anel, desperdiçando a sua vida a beber, sem outras preocupações para além de qual a taberna e o bordel a visitar a cada noite. Agora, ali estava ele, do outro lado do mar, no Império, preso no subsolo, numa cidade sob ruína, tendo-se emparedado a ele mesmo no seu próprio caixão.
A sua cabeça zumbia e ele tentava limpar a sua mente, tentava concentrar-se. Ele persentia o que os seus amigos estavam a pensar, podia senti-lo no desprezo dos seus olhares: eles nunca lhe deviam ter dado ouvidos; eles deviam todos ter escapado quando tiveram a oportunidade. Se eles não tivessem voltado para trás por Silis, eles poderiam ter chegado ao porto, embarcado num navio, e estarem agora longe de Volusia.
Godfrey tentou consolar-se com o facto de que ele havia, pelo menos, retribuído um favor e havia salvado a vida daquela mulher. Se ele não a tivesse alcançado a tempo de avisá-la para descer, ela ainda estaria certamente lá em cima e já morta. Isso tinha de valer alguma coisa, mesmo que não fosse típico dele.
"E agora?", perguntou Akorth.
Godfrey virou-se e viu-o a olhar para si com um olhar acusador, proferindo a pergunta que assolava claramente as mentes de todos eles.
Godfrey olhou à volta e examinou o pequeno e escuro aposento, com tochas a cintilar e quase a apagarem-se. As suas parcas provisões e um saco de cerveja eram tudo o que tinham, lá a um canto. Era um velório. Ele ainda conseguia ouvir o som da guerra lá em acima, mesmo através daquelas paredes espessas, questionando-se quanto tempo é que eles conseguiriam sobreviver àquela invasão. Horas? Dias? Quanto tempo levaria até que os Cavaleiros dos Sete conquistassem Volusia? Será que eles se iriam embora?
"Não é a nós que eles querem", observou Godfrey. "É o Império a lutar contra o Império. Eles têm uma vingança pendente contra Volusia. Eles não têm nenhum problema connosco."
Silis abanou a cabeça.
"Eles vão ocupar este lugar", disse ela com sobriedade, com a sua voz forte a cortar o silêncio. "Os Cavaleiros dos Sete nunca recuam."
Ficaram todos em silêncio.
"Então, quanto tempo é que conseguimos viver aqui?", perguntou Merk.
Silis abanou a cabeça e olhou para as provisões deles.
"Uma semana, talvez", ela respondeu.
De repente, ouviu-se um tremendo estrondo lá em cima, e Godfrey estremeceu ao sentir o chão a tremer debaixo dele.
Silis levantou-se num ápice, agitada, a andar de um lado para o outro, a observar o teto à medida que o pó começava a cair em cima deles. Soava como uma avalanche de pedras por cima deles. Ela examinava-o como uma proprietária preocupada.
"Eles fizeram fissuras no meu castelo", disse ela, mais para si do que para eles.
Godfrey viu uma expressão de dor no seu rosto, e reconheceu-o como o olhar de alguém que perdeu tudo o que tinha.
Ela virou-se e olhou para Godfrey, agradecida.
"Estaria lá em cima agora, se não tivesses sido tu. Salvaste as nossas vidas."
Godfrey suspirou.
"E para quê?", perguntou ele, aborrecido. "Para que é que serviu? Para que possamos todos morrer aqui?"
Silis parecia sorumbática.
"Se permanecermos aqui", Merk perguntou: "vamos todos morrer?"
Silis virou-se para ele e assentiu com tristeza.
"Sim", respondeu ela secamente. "Não hoje ou amanhã, mas dentro de alguns dias, sim. Eles não conseguem chegar aqui - mas nós não conseguimos ir lá a cima. Em breve, as nossas provisões vão acabar."
"Então, e agora?", perguntou Ario, encarando-a. "Pretendes morrer aqui em baixo? Porque eu, por mim, não."
Silis andava de um lado para o outro, com a sobrancelha franzida, e Godfrey conseguia vê-la a pensar muito e intensamente.
Então, finalmente, ela parou.
"Há uma hipótese", disse ela. "É arriscado. Mas pode ser que resulte."
Ela virou-se e olhou para eles. Godfrey prendeu a respiração com esperança e expectativa.
"No tempo de meu pai, havia uma passagem subterrânea sob o castelo", disse ela. "Que vai pelas paredes do castelo. Nós poderíamos encontrá-la, se ainda existir, e sair à noite, sob a cobertura da escuridão. Podemos tentar ir pela cidade, para o porto. Podemos levar um dos meus navios, se ainda restar algum, e sair deste lugar a navegar."
Um silêncio, longo e incerto, caiu sobre a sala.
"Arriscado", disse Merk finalmente, com uma sua voz grave. "A cidade estará cheia com o Império. Como é que vamos atravessá-la sem sermos mortos?"
Silis encolheu os ombros.
"Verdade", respondeu ela. "Se eles nos apanharem, seremos mortos. Mas se sairmos quando estiver escuro o suficiente, e matarmos qualquer um que se ponha no nosso caminho, talvez cheguemos ao porto."
"E se encontramos esta passagem e chegarmos ao porto, mas os teus navios não estiverem lá?", perguntou Ario.
Ela encarou-o.
"Nenhum plano é certo", disse ela. "Podemos muito bem morrer lá fora - e podemos muito bem morrer aqui em baixo."
"A morte vem para todos nós", Godfrey entrou na conversa, sentindo um novo propósito ao levantar-se e encarar os outros, sentindo uma sensação de determinação ao superar os seus medos. "É uma questão de como desejamos morrer: aqui em baixo, encolhidos como ratos? Ou lá em cima, almejando a nossa liberdade?"
Lentamente, um de cada vez, todos se levantaram. Eles encararam-no e todos assentiram solenemente de volta.
Ele sabia, naquele momento, que um plano havia sido formado. Eles iriam fugir naquela noite.
CAPÍTULO OITO
Loti e Loc caminhavam lado a lado sob o sol ardente do deserto, algemados um ao outro, enquanto eram chicoteados pelos vigias do Império que seguiam atrás deles. Caminhavam através do deserto e Loti indagava-se, mais uma vez, porque é que o seu irmão os tinha oferecido para aquele trabalho perigoso e árduo. Teria enlouquecido?
"Em que é que estás a pensar?", ela sussurrou-lhe. Eles eram empurrados por trás e quando Loc perdeu o equilíbrio e tombou para a frente, Loti agarrou-o pelo braço bom antes de ele cair.
"Porque é que nos havias de oferecer como voluntários?", acrescentou.
"Olha em frente", disse ele, recuperando o equilíbrio. "O que é que vês?"
Loti olhou em frente e não viu nada além de um deserto monótono diante deles, cheio de escravos e chão duro com pedras; mais à frente, viu uma inclinação para um cume, no topo do qual, trabalhavam mais uns quantos escravos. Estavam vigias por todo o lado e os chicotes soavam no ar.
"Não vejo nada", respondeu impaciente, "apenas o mesmo de sempre: escravos a serem levados até à morte pelos vigias.”
De repente Loti sentiu uma dor lancinante nas costas, como se a sua pele estivesse a ser arrancada. Ela gritou ao ser chicoteada nas costas, com o chicote a cortar-lhe a pele.
Ela virou-se e viu o rosto carrancudo de um vigia atrás dela.
"Cala-te!", ordenou ele.
Loti teve vontade de chorar por causa da dor intensa, mas conseguiu suster-se, continuando a caminhar ao lado de Loc, com as suas algemas a chocalhar sob o sol. Jurou a si mesma que, logo que pudesse, mataria todo o Império.
Continuaram a marchar em silêncio. Só se ouvia o som do esmagar das suas botas contra as pedras. Por fim, Loc aproximou-se dela.
"Não é o que vês", sussurrou ele, "mas sim o que não vês. Olha bem de perto. Lá em cima, no cume."
Ela observou a paisagem, mas não viu nada.
"Só está um vigia lá em cima. Um. Para duas dúzias de escravos. Olha para trás, sobre o vale, e vê quantos lá estão."
Loti olhou furtivamente por cima do ombro, e viu, no vale imediatamente atrás, dezenas de vigias a supervisionarem escravos que partiam as pedras e cultivavam a terra. Ela virou-se e olhou novamente para o cume, compreendendo pela primeira vez o que o seu irmão tinha em mente. Não só havia apenas um vigia, mas melhor ainda, havia uma zerta ao lado dele. Um meio de fuga.
Ela ficou impressionada.
Loc assentiu em concordância.
"O posto de trabalho mais perigoso é em cima do cume", sussurrou ele. "O mais quente, o menos desejado, tanto pelos escravos como pelos vigias. Mas isso, minha irmã, é uma oportunidade."
Loti foi subitamente pontapeada nas costas. Desequilibrou-se para a frente juntamente com Loc. Os dois endireitaram-se e continuaram a subir até ao cume, Loti com falta de ar, tentando recuperar o fôlego debaixo do calor que aumentava à medida que eles subiam. Mas desta vez, quando ela olhou para cima, sentiu-se otimista e entusiasmada: finalmente, eles tinham um plano.
Loti nunca tinha achado que o seu irmão fosse ousado, tão disposto a assumir tal risco, a enfrentar o Império. Mas agora, ao olhar para ele, ela conseguia ver o desespero nos seus olhos, podia ver que, finalmente, ele estava a pensar como ela. Ela via-o sob uma nova luz, e admirava-o muito por isso. Era exatamente o tipo de plano que ela própria teria engendrado.
"E as algemas?", sussurrou-lhe ela, ao certificar-se que os vigias não estavam a olhar.
Loc fez um gesto com a cabeça.
"A sela dele", respondeu Loc. "Olha com atenção."