Arena Um: Traficantes De Escravos - Морган Райс 3 стр.


Reviso rapidamente as gavetas restantes com a esperança de encontrar qualquer tipo de tesouro. Mas todas as demais se encontram vazias. Regresso à sala e a percorro em sua largura e extensão ao longo das paredes, por todos os cantos, procurando qualquer coisa. Mas o lugar está deserto.

De repente, piso em algo macio. Ajoelho-me para pegá-lo e o seguro o contra a luz. Estou impressionada: um ursinho de pelúcia. Está gasto e lhe falta um olho, mas, mesmo assim, Bree adora ursinhos de pelúcia e sente falta do que ela deixou para trás. Ficará eufórica quando vir este aqui. Parece que é seu dia de sorte.

Eu o coloco em meu cinto e, quando me levanto, minha mão esbarra em algo fofo no chão. Eu o agarro e o levanto e fico encantada ao me dar conta que é um cachecol. É preto e está coberto de poeira, por isso que não o vi no escuro, e, ao colocá-lo em meu pescoço e sobre meu peito, já consigo sentir seu calor. Eu o seguro para fora da janela e o chacoalho com força, removendo todo o pó; olho para ele sob a luz, é longo e grosso – não tem nenhum buraco. É como ouro puro. Eu imediatamente o coloco ao redor de meu pescoço e debaixo de minha blusa e já me sinto mais aquecida. Acabo até espirrando.

O sol está se pondo e como parece que eu já encontrei tudo o que podia, começo a sair. Ao me dirigir para a porta, de repente, bato meu pé em algo duro, de metal. Eu paro e me ajoelho, analisando se é uma arma. Mas não é. É uma alça de ferro, redonda, grudada ao chão de madeira. Parece um batente. Ou uma maçaneta.

Eu o puxo para a esquerda e para a direita. Nada acontece. Experimento girá-lo. Nada. Então fico ao lado e tento puxá-lo para cima, com força.

Um alçapão se abre, levantando uma nuvem de poeira.

Olho para baixo e descubro um forro, com um pouco mais de um metro de altura e um chão de terra. Meu coração acelera de alegria diante das possibilidades. Se morássemos aqui, e se acontecesse algum problema, eu poderia esconder Bree aqui embaixo. Essa pequena casa fica cada vez mais valiosa aos meus olhos.

E não é só isso. Ao olhar para baixo, percebo algo brilhante. Empurro a porta de madeira por completo e rapidamente desço a escada. Está escuro aqui embaixo e eu mantenho minhas mãos à frente, tateando o caminho. Assim que dou um passo à frente, sinto algo. Vidro. Há estantes na parede, e enfileirados nelas, há frascos de vidros. Frascos de conservas.

Eu pego um deles e o seguro na luz. Seu conteúdo é vermelho e mole. Parece geleia. Eu rapidamente retiro a tampa, levo o frasco ao meu nariz e sinto seu cheiro. O cheiro acre de framboesas me atinge como uma onda.  Meto o dedo, tiro um pouco do conteúdo e levo a minha boca. Não consigo acreditar: geleia de framboesas. Seu sabor é tão fresco que parece que foi feita ontem.

Aperto a tampa rapidamente, coloco o frasco no meu bolso e volto às estantes. Estendo minhas mãos e sinto mais dezenas de frascos na escuridão. Pego o mais próximo e retorno à luz, segurando-o. Parecem picles.

Estou deslumbrada. Esse lugar inteiro é uma mina de ouro.

Gostaria de levar tudo, mas minhas mãos estão congelando, não tenho nada para carregá-los e está ficando escuro lá fora. Então devolvo o vidro de picles aonde eu o encontrei, subo a escada e, ao regressar para o piso principal, fecho o alçapão atrás de mim. Gostaria de poder trancá-lo. Sinto-me insegura de deixar tudo aqui embaixo, desprotegido. Mas então me lembro de que esse lugar não é tocado há anos – e que eu provavelmente jamais o notaria se aquela árvore não tivesse caído.

Quando saio da casa, fecho a porta por completo, sentindo que devo protegê-la, sentindo como se essa casa fosse nosso lar.

De bolsos cheios, eu me apresso para chegar ao lago – quando, de repente, me amedronto ao perceber movimentos e ouvir barulhos. A princípio, tenho medo que alguém tenha me seguido; e, então, ao me virar lentamente, vejo algo a mais. Um cervo está parado, a três metros de distância, olhando para mim. É o primeiro que eu vejo em anos. É grande, seus os olhos pretos fixos em mim então, de repente, ele se vira e sai correndo.

Estou sem palavras. Passei meses procurando por um cervo, na esperança de chegar perto o suficiente de um e lançar minha faca nele. Mas eu nunca consegui encontrar, em lugar nenhum. Talvez eu não estivesse caçando no local certo. Vai ver eles sempre viveram aqui em cima.

Eu decidi voltar aqui, assim que amanhecer, e esperar o dia todo, se necessário. Se ele já esteve aqui uma vez, talvez retorne. Na próxima vez que eu achar um, vou matá-lo. Um cervo nos alimentaria por semanas.

Estou cheia de novas esperanças enquanto me dirijo ao lago. Assim que me aproximo, olho para minha vara de pescar e meu coração dispara quando vejo que ela está curvada quase na metade. Tremendo de emoção, corro através do gelo, escorregando, deslizando, e pego a linha, que sacode violentamente, e rezo para que ela aguente.

Estendo minha mão e a seguro firmemente. Eu consigo sentir a força de um peixe grande se distanciando e, silenciosamente, afrouxo a linha para que ela não se rompa. Dou um puxão final e o peixe sai voando pelo buraco. É um salmão enorme, do tamanho do meu braço. Ele aterrissa no gelo e dá pulos em todas as direções, deslizando. Corro e me agacho para alcançá-lo, mas ele resvala entre minhas mãos e volta a cair no gelo. Minhas mãos estão muito escorregadias para segurá-lo, então eu desenrolo minhas mangas e dessa vez o agarro com firmeza. Ele se debate e retorce em minhas mãos por uns trinta segundos até, finalmente, ficar parado, morto.

Estou maravilhada. É a minha primeira pesca em meses.

Sinto-me eufórica enquanto atravesso o gelo, em seguida, deixo o peixe na borda do lado, colocando neve por cima dele com medo de que de algum jeito ele ressuscite e volte para o lago. Tiro a vara de pescar e a linha e as seguro com uma mão e o peixe, com a outra. Posso sentir a compota de geleia em um bolso, a garrafa térmica com seiva no outro, junto com a barra de chocolate e o urso de pelúcia na minha cintura. Bree terá muita fartura hoje à noite.

Só falta uma coisa para levar agora. Vou até minha pilha de lenha seca, equilibro a vara em meu braço e, com minha mão livre, eu pego o máximo possível de lenha que consigo carregar. Eu derrubo algumas e não posso pegar tantas como eu gostaria, mas não reclamo. Posso voltar aqui no resto da manhã.

Com mãos, braços e bolsos cheios, eu desço deslizando pela íngreme montanha sob a última luz do dia, tomando cuidado para não deixar cair nenhum tesouro meu. Ao mesmo tempo, não paro de pensar sobre a casa. É perfeita e meu coração bate mais rápido diante de tais possibilidades. É exatamente o que precisamos. A casa de nosso pai é muito visível, construída em uma estrada principal. Tenho me preocupado há meses porque, assim, ficamos muito vulneráveis. Tudo que precisamos é que um comerciante de escravos inesperado passe por ali e então estaríamos em apuros. Estou querendo nos mudar faz muito tempo, mas não sabia para onde. Não há nenhuma outra casa aqui em cima.

Esta pequena casa, no alto, distante de qualquer estrada – e, literalmente construída na montanha – é tão bem camuflada que é quase como se tivesse sido construída apenas para nós. Ninguém conseguiria nos encontrar aqui. E, mesmo que nos encontrassem, não conseguiriam se aproximar com um veículo. Eles teriam que escalar a pé e, sob este ponto de vista, eu os detectaria a quilômetros de distância,

A casa também conta com uma fonte de água doce, um córrego que passa bem na frente de sua porta; eu não teria que deixar Bree sozinha toda vez que eu fosse sair para tomar banho ou lavar nossas roupas. E eu não precisaria carregar baldes de água, um de cada vez, do lago para nossa casa toda vez que preparasse uma refeição. Sem mencionar que, com aquela enorme folhagem das árvores, nós estaríamos escondidas o suficiente para poder acender a lareira toda noite. Estaríamos mais seguras, mais quentes, em um lugar cheio de peixes e caça – e equipadas com um sótão cheio de comida. Já me decidi – vamos nos mudar para lá amanhã mesmo.

É como se tivessem tirado um peso de meus ombros. Sinto-me como se tivesse renascido. Pela primeira vez, desde que me lembro, não sinto a fome me dilacerando, o frio perfurando meus dedos. Até mesmo o vento, enquanto desço, parece estar em minhas costas, me ajudando a descer e eu sei que as coisas finalmente mudaram. Pela primeira vez, desde que me lembro, sei que conseguiremos seguir em frente.

Agora, podemos sobreviver

DOIS

Quando cheguei à casa de meu pai, o sol estava se pondo, a temperatura caía e a neve começava a endurecer, quebrando sob meus pés. Sai da floresta e avistei nossa casa ali, visivelmente situada ao lado da estrada e me senti aliviada, pois ela parecia tranquila, exatamente como a deixei. Eu imediatamente procuro por pegadas na neve – ou sinais de animais- saindo ou entrando e não encontro nada.

Não há nenhuma luz no interior da casa, mas isto é o normal. Eu ficaria preocupada se houvesse. Não temos eletricidade, então luzes significariam apenas que Bree acendeu velas – e ela não o deveria fazer sem mim. Eu paro e escuto por vários minutos, está tudo quieto. Não há ruídos de lutas, pedidos por socorro nem gemidos por doenças. Dou um suspiro de alívio.

Uma parte de mim sempre teme que, ao retornar, eu encontre a porta aberta, as janelas quebradas, pegadas entrando na casa e Bree desaparecida. Já tive esse pesadelo inúmeras vezes e sempre acordo suando, então ando para o outro quarto e me certifico de que ela ainda está lá. E ela sempre está, segura e a salvo, e eu me repreendo por isso. Sei que eu deveria parar de me preocupar tanto, após todos esses anos. Mas, por algum motivo, não consigo evitar: toda vez que preciso deixar Bree sozinha, é como se apunhalassem uma faca em meu coração.

Ainda atenta, analisando tudo o que me rodeia, examino nossa casa sob a luz do dia, que vai enfraquecendo. Honestamente, essa casa nunca foi boa pra começo de conversa. Um típico rancho de montanha, uma caixa retangular sem nenhum detalhe, enfeitada com revestimento de vinil de piscina, que parecia velho desde o primeiro dia e agora parece simplesmente deteriorado. As janelas são pequenas e escassas e feitas de plástico barato. Parecem aquelas de trailers. Talvez tenha uns 4,5m de largura por uns 9m de profundidade, ela deveria ter apenas um quarto, mas, quem quer que a tenha construído, com sua mente brilhante, a fez com dois quartos pequenos e uma sala de estar menor ainda.

Lembro-me de visitá-la quando criança, antes da guerra, quando o mundo ainda era normal. Papai, quando estava em casa, nos trazia aqui para passar o final de semana, para fugir da cidade. Eu não queria parecer mal agradecida, então sempre colocava um sorriso no rosto, mas, no fundo, eu nunca gostei daqui; sempre me pareceu uma casa escura e apertada e havia um cheiro desagradável de umidade. Quando pequena, recordo que mal podia esperar para o final de semana acabar, para me livrar logo deste lugar. Eu me lembro de secretamente me prometer que eu jamais voltaria para cá.

Agora, ironicamente, agradeço a este lugar. Esta casa salvou minha vida – e a de Bree. Quando a guerra estourou e tivemos que fugir da cidade, não tínhamos opções. Se não fosse por este lugar, não sei para onde teríamos ido. E, se este lugar não fosse tão alto e remoto como é, então, provavelmente, nós teríamos sido capturadas por comerciantes de escravos há muito tempo. É engraçado como você odeia tanto algumas coisas quando criança e acaba apreciando as mesmas quando adulta. Bom, quase adulta. Tenho 17 anos, e me considero uma pessoa adulta, de qualquer forma. Eu provavelmente envelheci mais do que a maioria nos últimos anos.

Se esta casa não tivesse sido construída bem na estrada, tão exposta – se ela fosse um pouco menor, mais protegida, mais dentro do bosque, eu acho que não me preocuparia tanto. Claro, ainda teríamos que aguentar as paredes finas, as goteiras no teto, as janelas que deixam vento passar. Jamais seria uma casa quente e confortável. Mas pelo menos, seria segura. Agora, toda vez que olho para ela e depois para a enorme vastidão que vai além, não consigo deixar de pensar que é um alvo fácil.

Meus pés trituram a neve à medida que me aproximo de nossa porta de vinil e latidos surgem de dentro da casa. É Sasha, fazendo o que eu a ensinei a fazer: proteger Bree. Eu sou tão grata a ela. Ela cuida de Bree com tanto esmero, late ao mínimo barulho; isso me permite um pouco de tranquilidade, o suficiente para deixá-la em casa quando vou caçar. Porém, ao mesmo tempo, me preocupa também que seus ladros acabem por nos denunciar: afinal, um cachorro latindo, em geral, significa que há humanos por perto. E é exatamente o que um comerciante de escravo procura escutar.

Eu me apresso para entrar em casa e rapidamente silenciá-la. Fecho a porta atrás de mim, fazendo malabares com os pedaços de lenhas em minhas mãos e entro na sala escura. Sasha fica quieta, balançando seu rabo e pulando em cima de mim. Um labrador cor chocolate, de seis anos de idade, Sasha é o cão mais leal que eu poderia imaginar – e é a melhor companhia. Se não fosse por ela, eu acho que Bree teria entrado em depressão há muito tempo. E eu também.

Sasha lambe meu rosto choramingando e parece ainda mais contente que o normal; ela fareja minha cintura e meus bolsos, já sentindo que eu trouxe alguma coisa especial. Eu deixo a lenha de lado para acariciá-la e, ao fazê-lo, sinto suas costelas. Ela está tão magra. Sinto-me culpada. Por outro lado, eu e Bree também estamos assim. Nós sempre compartilhamos com ela o que encontramos para comer, desse jeito, as três tem condições iguais. Mesmo assim, eu gostaria de poder lhe dar muito mais.

Ela encosta seu nariz no peixe e, ao fazê-lo, o peixe cai da minha mão diretamente no chão. Sasha imediatamente se lança sobre ele, suas unhas o fazem deslizar. Ela salta sobre o peixe novamente e, desta vez, o morde. Mas não deve ter gostado muito do sabor de peixe cru, pois, em seguida, o larga. Agora ela está brincando com o peixe, pulando sobre ele de novo e de novo enquanto o mesmo desliza pelo chão.

“Sasha, pare!” eu digo baixinho pois não quero acordar Bree. Também temo que se ela brincar demais com o peixe, ele acabe se abrindo e desperdiçando carne valiosa. Obedientemente, Sasha para. Posso ver como ela está animada e quero lhe dar alguma coisa. Coloco minha mão em meu bolso, giro a tampa do frasco de conservas, tiro um pouco de geleia de framboesa com meu dedo e ofereço a ela.

Sem perder tempo, ela lambe meu dedo e, em três grandes lambidas ela já comeu tudo o que servi. Ela lambe seus lábios e me encara, os olhos bem abertos, pedindo mais.

Eu acaricio sua cabeça, lhe dou um beijo e fico de pé novamente. Agora me pergunto se foi bondoso lhe dar algo ou cruel lhe dar tão pouco.

A casa está escura, como sempre está à noite e vou tropeçando pela sala. Eu raramente acenderia a lareira. Por mais que necessitemos do calor, não quero correr o risco de chamar atenção. Mas, hoje à noite é diferente: Bree precisar melhorar, física e emocionalmente, e eu sei que o fogo vai ajudá-la. Também me sinto mais corajosa hoje, uma vez que iremos nos mudar daqui amanhã.

Cruzo a sala até chegar ao armário e dele tiro uma vela e um isqueiro. Uma das melhores coisas dessa casa é seu enorme estoque de velas, uma das poucas boas consequências de meu pai ter sido um fuzileiro da Marinha e um fanático por sobrevivência. Quando éramos crianças e visitávamos aqui, a eletricidade caía em toda tempestade e, por isso, ele estocava tantas velas, determinado a vencer a natureza. Eu me lembro de que costumava tirar sarro dele por isso; o chamava de “acumulador” quando descobri seu armário lotado de velas. Agora que temos só algumas, gostaria que ele tivesse guardado mais.

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