Para Sempre e Um Dia - Софи Лав 2 стр.


Emily sentiu uma pontada de dor no peito ao ouvi-lo se referir ao quarto de sua infância. Ele o trancou depois da morte de Charlotte, forçando-a a trocar de quarto. Esse tinha sido o primeiro sinal, Emily percebia agora, que o pai dela não iria processar a morte de Charlotte, que a morte dela ia se tornar o catalisador para ele abandoná-la.

“Essa é a suíte nupcial”, Daniel explicou, assumindo o controle enquanto Emily permanecia muda. “O mezanino é ótimo para atrair hóspedes. Além disso, queríamos Chantelle perto de nós”.

A emoção estava ficando demais para Emily. Ela não tinha ideia de que era possível sentir tantas coisas complexas e conflitantes ao mesmo tempo. De repente, percebeu que, assim que aquele tour acabasse, assim que eles se sentassem na sala frente a frente, ela descontaria toda a raiva que estava sentindo em seu pai.

De repente, sentiu a mão do pai em seu braço, estabilizando-a, tranquilizando-a. Ela olhou em seus olhos azuis, viu a dor e arrependimento dentro deles, misturado com um alívio absoluto. Ele estava silenciosamente dizendo a ela que estava tudo bem, que entendia sua raiva. Ela não precisava ficar escondendo.

Eles caminharam pelo resto do andar, olhando alguns dos quartos de hóspedes para que Roy pudesse ter uma ideia da decoração. Ele parou brevemente ao lado da porta do escritório. A última vez em que esteve aqui, era duas décadas mais jovem, seu cabelo era preto em vez de cinza, seu corpo era mais magro e mais ágil em vez da pequena pança que agora estava acima de seu cós.

“Está do mesmo jeito”, Emily respondeu. “Eu não reformei”.

Ele assentiu, mas não disse uma palavra. Ela se perguntou se ele estava pensando sobre a miríade de documentos que havia trancado em sua mesa, aqueles que ela tinha lido. As cartas e segredos dele que ela havia descoberto. Emily sabia que não tinha como saber o que Roy estava pensando. O homem continuava a ser um mistério para ela, como sempre havia sido.

Foram para o terceiro andar e Roy demorou-se um pouco ao lado das escadas até chegarem na pequena varanda que havia no telhado. Será que ele lembrou daquela véspera de Ano Novo? Emily se perguntou. Aquela em que lhe disse para não ter medo, para abrir os olhos e ver os fogos de artifício? Ou ele tinha bloqueado todas aquelas memórias, como ela havia feito?

Chantelle mostrava, saltitante, todos os quartos vazios a ele. Ela parecia animada por tê-lo aqui e muito orgulhosa de lhe mostrar sua casa. Emily desejou poder se sentir tão leve quanto a criança, mas havia tanta coisa acontecendo em sua mente que a enchia de angústia.

“Estou realmente impressionado com o trabalho que você fez aqui”, disse Roy. “Não deve ter sido fácil reformar todas essas suítes”.

“Não foi”, Emily respondeu. “Além disso, só tivemos cerca de vinte e quatro horas para arrumar tudo. Mas isso é uma longa história”.

“Eu tenho tempo”, Roy sorriu.

Emily nem sabia como responder a isso. O tempo não era algo que ela podia desperdiçar com ele. Não conseguia mais confiar nos sentimentos do pai.

“Vamos para a sala de estar”, preferiu mudar de assunto, rigidamente. “Quer algo para beber?” Então, percebendo seu deslize em oferecer álcool para um alcoólatra, acrescentou rapidamente, “um café?”

Enquanto descia a escada, a cada passo Emily sentia sua raiva crescer. Odiava se sentir assim. Queria que esta fosse uma ocasião alegre, mas como, se ela tinha todo esse ressentimento dentro de si? Seu pai tinha que ouvir sobre a dor que lhe causou.

Chegaram ao corredor do andar de baixo. Daniel foi para a cozinha fazer o café enquanto Chantelle mostrava a sala de estar a Roy. Ele quase perde o fôlego quando viu a decoração, a maneira como Emily misturava estilos novos e antigos, a forma como ela incorporava a arte moderna e as peças de vidro Kandinsky.

“Este é o meu velho piano?”, ele perguntou.

Emily assentiu. “Contratei alguém para restaurá-lo, Owen, que toca aqui às vezes. Aliás, ele vai tocar no nosso casamento”.

Pela primeira vez, Emily sentiu um senso de triunfo. Mesmo sem ter morado por muito tempo em Sunset Harbor, Owen era alguém que seu pai não havia conhecido antes dela, por mais tempo que ela, ou que conhecia melhor do que ela. Havia pessoas aqui que eram só dela, que não estavam manchadas pelo desagradável passado que compartilhava com o pai.

“Owen me ajuda com o meu canto”, disse Chantelle.

“Ah, você canta?”, Roy respondeu. “Posso ouvir um pouco?”

“Talvez mais tarde”, Emily interrompeu. “Chantelle me prometeu que iria arrumar todos os seus brinquedos hoje”.

“Eu não posso fazer isso depois?” Chantelle choramingou.

Ela claramente queria passar mais tempo com o vovô Roy e Emily não podia culpá-la. Na superfície, ele era como um gigante gentil, um Papai Noel. Mas Emily não podia continuar colocando um sorriso fingido em seu rosto para sempre apenas por amor a Chantelle. Era hora dela e seu pai falarem como adultos.

Emily sacudiu a cabeça. “Por que você não faz isso agora, e aí terá o dia todo para brincar com o vovô Roy, ok?”

Chantelle cedeu, mas saiu do quarto pisando forte.

“Você abriu o bar secreto”, observou Roy, olhando para o bar renovado. Ele parecia impressionado com a maneira como Emily manteve a atmosfera do lugar da mesma forma que ele, uma homenagem ao passado. “Você sabe que é original”.

Ela assentiu. “Percebi que estava tudo como antes. Exceto as garrafas de bebida”.

Sem Chantelle para amenizar a situação, surgiu uma tensão entre eles. Emily apontou o sofá com a mão.

“Quer sentar?” Roy assentiu e se acomodou. Seu rosto estava pálido como se sentisse que o momento do acerto de contas havia chegado.

Mas antes que Emily tivesse uma chance, Daniel apareceu com uma bandeja com uma cafeteira, leite, açúcar e canecas. Ele a colocou na mesinha de café. O silêncio aumentou à medida que servia as bebidas.

Roy pigarreou. “Emily Jane, se você quiser me perguntar alguma coisa, tudo bem”.

Naquele momento, Emily perdeu a habilidade de permanecer educada e cordial. “Por que você me abandonou?”

A cabeça de Daniel se levantou com a surpresa. Seus olhos estavam tão arregalados que se pareciam com os pires. Ele provavelmente não tinha percebido que a alegria de Emily em ter Roy de volta também havia trazido sua raiva junto, que ela estava tentando conter a emoção durante o passeio pela casa. Então, se levantou.

“Acho que vocês precisam de um tempo para conversar a sós”, falou educadamente.

Emily olhou para o noivo. Parecia tão desconfortável ali, como se subitamente invadisse um assunto particular, e ela se sentiu um pouco culpada por ter mudado a conversa de forma tão súbita em sua presença, sem lhe dar a chance de se desculpar melhor.

“Obrigada”, ela falou, enquanto ele saía.

Então, voltou seu olhar para o pai. Roy parecia magoado por sua dor, mas respirava calmamente e olhava para ela com olhos gentis.

“Eu estava arrasado, Emily Jane”, ele começou. “Perder Charlotte me destruiu. Comecei a beber. Tive casos. Eu me afastei de meus amigos em Nova York até não aguentar mais ficar lá. Sua mãe e eu nos separamos, embora isso tenha levado tempo. Vim pra cá organizar minha vida novamente”.

“Só que você não fez isso”, Emily rebateu, com raiva. “Você fugiu. Você me abandonou”.

Podia sentir seus olhos se encherem de lágrimas. Os do pai também estavam ficando vermelhos e embaçados. Ele baixou os olhos, envergonhado.

“Eu estava ignorando as coisas”, disse ele com tristeza. “Pensei que podia fingir que estava tudo bem. Mesmo anos depois da morte de Charlotte, não me permiti sentir nada. Nunca entrei no quarto de vocês. Preferi te colocar em outro, não sei se você se lembra”.

Emily assentiu. Lembrava-se vividamente de seu pai bloqueando o acesso a algumas partes da casa, fazendo com que certas áreas fossem proibidas para ela quando vinha passar as férias de verão: o mirante no telhado, o terceiro andar, as garagens, seu escritório, o porão, até que ela esqueceu que eles existiam ou o que havia dentro. Lembrou-se de seu comportamento cada vez mais errático, sua obsessão em colecionar antiguidades que lhe parecia mais uma compulsão do que um passatempo, um sintoma de que havia se tornado um acumulador. Mas, além disso, lembrava-se da diminuição do contato, do modo como passava cada vez menos tempo com ele no Maine até os quinze anos e quando, num verão, ele simplesmente não apareceu para buscá-la. Essa foi a última vez que o viu.

Emily queria compreender o pai. Mas embora uma parte dela entendesse que ele era um homem destruído, que um dia sofrera um golpe forte demais para suportar, o tormento que suas ações lhe causaram não podia simplesmente ser explicado.

“Por que você não disse adeus?” Emily disse, as lágrimas caindo em torrentes por sua face. “Como você pôde simplesmente sumir assim?”

Roy também parecia estar sobrecarregado de emoção. Emily notou que suas mãos tremiam. Seus lábios estremeceram enquanto ele falava. “Eu sinto muito. Vivia atormentado por essa decisão”.

“Você vivia atormentado?” Emily gritou. “Eu não sabia se você estava vivo ou morto! Eu só podia imaginar, sem saber. Tem ideia do que isso faz a uma pessoa? Tive que pausar minha vida inteira por sua causa! Porque você foi muito covarde para dizer adeus!”

Roy sentiu as palavras da filha como vários socos no rosto, um após o outro. Sua expressão era de dor, como se ela realmente tivesse desferido golpes físicos sobre ele.

“Isso foi indesculpável”, ele disse, pouco mais que um sussurro. “Nem vou tentar me desculpar”.

Emily sentiu o coração disparar descontroladamente em seu peito. Estava tão furiosa que não conseguia enxergar direito. As emoções reprimidas durante anos estavam inundando-a com a força de um tsunami.

“Você pelo menos pensou em como isso me machucaria!?” ela exclamou.

Roy estava tomado de angústia, com o corpo todo tenso, o rosto contorcido de arrependimento. Emily ficou feliz em vê-lo assim. Queria que ele sofresse tanto quanto ela.

“Não no começo”, ele confessou. “Porque eu não estava no meu juízo perfeito. Eu não conseguia pensar em nada ou ninguém além de mim, em minha própria dor. Pensei que você estaria melhor sem mim”.

Então, ele se descontrolou, soluços começaram a agitar todo o seu corpo, que tremia de emoção. Vê-lo assim era como uma facada no peito. Emily não queria ver seu pai se despedaçar e desmoronar diante de seus olhos, mas ele precisava saber. Não haveria nenhuma mudança, nenhuma reparação sem que tudo isso fosse revelado.

“Então você pensou que indo embora estaria me fazendo um favor?” perguntou Emily, cruzando os braços contra o peito, para se proteger. “Você sabe como isso é doentio?”

Roy chorou amargamente com o rosto entre as mãos. “Sim. Eu estava doente naquela época. Permaneci assim por muito tempo. Quando percebi o mal que causei, já havia se passado muito tempo. Não sabia como voltar àquele ponto, como desfazer aquele sofrimento”.

“Você nem mesmo tentou”, Emily acusou.

“Eu tentei”, disse Roy, mas o apelo em seu tom irritou Emily ainda mais. “Muitas vezes. Voltei para casa em várias ocasiões, mas toda vez a culpa do que eu havia feito me dominava. Havia muitas lembranças. Muitos fantasmas.”

“Não diga isso”, Emily retrucou, quando sua mente foi tomada por imagens de Charlotte assombrando a casa. “Não se atreva”.

“Sinto muito”, repetiu Roy, ofegando de angústia.

Ele baixou os olhos para o colo, onde suas velhas mãos tremiam.

Na mesa em frente, as canecas de café estavam esfriando.

Emily respirou fundo. Sabia que seu pai estava deprimido - ela encontrou a prescrição de antidepressivos entre os seus pertences - e que ele não era ele mesmo, que a dor estava fazendo com que se comportasse de maneira imperdoável. Não deveria culpá-lo por isso, e ainda assim não conseguia evitar. Ele a decepcionou demais. Abandonou-a com sua dor. Com sua mãe. Havia tanta raiva dentro do coração de Emily, mesmo sabendo que a culpa não tinha lugar ali.

“O que posso fazer para compensar, Emily Jane?” disse Roy, suas mãos em posição de oração. “Como posso começar a curar o dano que causei?”

“Por que você não começa preenchendo os espaços em branco?”, Emily respondeu. “Diga-me o que aconteceu. Aonde você foi. O que tem feito todos esses anos.”

Roy piscou, como se surpreendido pelas perguntas da filha.

“O que me angustiava era não saber”, explicou Emily, com tristeza. “Se eu soubesse que você estava seguro em algum lugar, poderia ter lidado com isso. Não tem ideia de quantos cenários eu criei na minha mente, quantas vidas diferentes eu imaginei que você estava vivendo. Passei anos sem conseguir dormir por causa disso. Era como se minha mente não parasse de conjurar alternativas até encontrar a correta, mesmo que não houvesse como fazer isso. Foi uma tarefa impossível e inútil, mas eu não consegui parar. É assim que você pode me ajudar. Comece pela verdade, me dizendo o que eu não soube por todos esses anos. Onde você estava?”

As lágrimas de Roy finalmente diminuíram. Ele fungou, enxugando os olhos com a manga da camisa. Pigarreou.

“Eu divido meu tempo entre a Grécia e a Inglaterra. Construí uma casa em Falmouth, na Cornualha, no litoral inglês. É um lugar bonito. Tem falésias e paisagens maravilhosas. Tem uma cena artística fantástica lá”.

Que conveniente, Emily pensou, lembrando-se de sua obsessão pela arte de Toni, chegando até a pendurar um dos quadros dela na casa em Nova York que dividia com Patricia e da raiva que ela mesma sentiu ao perceber o quanto ele tinha sido descarado, o quanto havia sido desrespeitoso.

“Como pôde pagar por isso?” Emily desafiou. “A polícia disse que não havia atividade em suas contas bancárias. Foi uma das razões pelas quais achei que você estava morto”.

Roy estremeceu ao ouvir essa palavra. Emily notou o quanto ele se sentiu mal por ser confrontado com a dor pela qual tinha feito a filha passar. Mas ele precisava ouvir isso. E ela precisava dizer. Era a única forma deles poderem seguir em frente.

“Eu não vendi nenhuma das minhas antiguidades, se é isso que você quer dizer”, ele começou. “Deixei tudo isso para você.”

“Eu deveria agradecer?” Emily perguntou amargamente. “Um diamante não pode compensar anos de abandono”.

Roy assentiu com tristeza, absorvendo o peso de suas palavras furiosas. Emily começou a aceitar que ele estava reconhecendo a postura dela, que o pai não estava mais tentando explicar suas ações, mas preferindo ouvir a dor que elas lhe causaram.

“Você está certa”, ele disse baixinho. “Não foi o que quis dizer”. Emily ficou tensa. “Bem, continue”, ela disse. “Diga-me o que aconteceu depois que você foi embora. Como se sustentou?”

“No começo, eu vivia um dia de cada vez”, explicou Roy. “Ganhei dinheiro fazendo tudo que podia. Bicos. Reparos de automóveis e bicicletas. Pequenos consertos. Eu me encontrei fazendo e consertando relógios. Ainda faço isso. Sou um horologista. Faço relógios ornamentados com chaves escondidas e compartimentos secretos”.

“Claro que faz”, disse Emily, amargamente.

O olhar de vergonha voltou ao rosto de Roy.

“E quanto ao amor?” Emily perguntou. “Você já se resolveu?”

“Eu moro sozinho”, Roy respondeu com tristeza. “Vivo assim desde que fui embora. Eu não queria causar mais dor a ninguém. Não suportaria estar cercado de pessoas.”

Pela primeira vez, Emily começou a sentir empatia por seu pai, imaginando-o solitário, vivendo como um eremita. Parecia já ter liberado toda a dor que precisava, sentia que já o havia culpado o bastante para finalmente ser capaz de ouvir sua história. Uma onda catártica tomou conta dela.

“É por isso que eu não acesso nenhuma tecnologia moderna”, continuou Roy.

“Há uma cabine telefônica na cidade que uso para fazer minhas ligações, que são poucas e esporádicas. O correio local me avisa se alguém respondeu ao meu anúncio de horologista. Quando me sinto forte o suficiente, vou até a biblioteca e verifico meus e-mails para ver se você entrou em contato.”

Emily franziu o cenho. A última frase a surpreendeu. “Sério?”

Roy assentiu. “Tenho deixado pistas para você, Emily Jane. Toda vez que voltava para casa, deixava outra migalha para você encontrar. O endereço de e-mail foi o maior passo que dei, porque eu sabia que assim que você o encontrasse, ele forneceria uma linha direta entre nós”.

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