Tudo no quarto principal era dourado e branco – exceto o sangue espalhado na cama.
CAPÍTULO TRÊS
O mordomo estava encostado na parede, olhando com uma expressão vítrea. O próprio Ruhl sentiu como se o ar tivesse sido arrancado de seus pulmões.
Ali estava o homem deitado na cama – o rico e famoso Andrew Farrell, morto e coberto de sangue. Ruhl o reconheceu de vê-lo na TV muitas vezes.
Ruhl nunca tinha visto um cadáver assassinado antes. Ele nunca esperou que a visão parecesse tão estranha e irreal.
O que tornou a cena especialmente bizarra foi a mulher sentada em uma cadeira estofada ao lado da cama. Ruhl a reconheceu também. Era Morgan Farrell – anteriormente Morgan Chartier, uma famosa modelo agora aposentada. O homem morto havia transformado o casamento em um evento de mídia e gostava de desfilar em público.
Ela estava usando um vestido fino e de aparência cara, manchado de sangue. Ficou ali imóvel, segurando uma grande faca. Sua lâmina estava ensanguentada e sua mão também.
"Merda" Murmurou Petrie com uma voz atordoada.
Então Petrie falou em seu microfone.
“Operadora, aqui é quatro-Frank-treze ligando da casa dos Farrell. Nós temos aqui um um-oitenta-sete. Envie três unidades, incluindo uma unidade de homicídio. Contate também o médico legista. É melhor dizer ao chefe Stiles para vir até aqui também.
Petrie ouviu a operadora no fone, depois pareceu pensar por um momento.
"Não, não faça disso um Código Três. Precisamos manter isso em silêncio o máximo de tempo possível.”
Durante essa troca, Ruhl não conseguia tirar os olhos da mulher. Ele a achava linda quando a vira na TV. Estranhamente, continuava lhe parecendo bonita naquele momento. Mesmo segurando uma faca ensanguentada na mão, ela parecia tão delicada e frágil quanto uma estatueta de porcelana.
Ela também estava imóvel como se fosse feita de porcelana – tão imóvel quanto o cadáver e, aparentemente, inconsciente de que alguém tinha entrado no quarto. Mesmo seus olhos não se moviam enquanto continuava olhando para a faca em sua mão.
Quando Ruhl seguiu Petrie em direção à mulher, ocorreu-lhe que a cena não mais o lembrava de um set de filmagem.
É mais como uma exposição em um museu de cera, Pensou.
Petrie gentilmente tocou a mulher no ombro e disse, “Sra. Farrell…”
A mulher não pareceu nem um pouco assustada quando olhou para ele.
Sorriu e disse, “Oh, olá. Eu me perguntava quando a polícia iria chegar.”
Petrie colocou um par de luvas de plástico. Ruhl fez o mesmo. Então Petrie, delicadamente, pegou a faca da mão da mulher e entregou a Ruhl que cuidadosamente empacotou a arma.
Enquanto faziam isso, Petrie disse à mulher, "Por favor, me diga o que aconteceu aqui".
A mulher soltou uma risada bastante musical.
“Bem, essa é uma pergunta boba. Eu matei o Andrew. Isso não é óbvio?”
Petrie se virou para olhar para Ruhl, como se perguntasse…
É óbvio?
Por um lado, não parecia haver qualquer outra explicação para essa cena bizarra. Por outro lado…
Ela parece tão fraca e indefesa, Pensou Ruhl.
Nem conseguia imaginá-la fazendo uma coisa dessas.
Petrie disse a Ruhl, “Vá falar com o mordomo. Descubra o que ele sabe.”
Enquanto Petrie examinava o corpo, Ruhl foi até o mordomo, que ainda estava agachado contra a parede.
Ruhl disse-lhe, "Senhor, você poderia me dizer o que aconteceu aqui?"
O mordomo abriu a boca, mas nenhuma palavra saiu.
"Senhor" Repetiu Ruhl.
O mordomo apertou os olhos como se estivesse em profunda confusão. Disse: "Eu não sei. Você chegou e…”
Ficou em silêncio novamente.
Ruhl se perguntou…
Ele realmente não sabe de nada?
Talvez o mordomo estivesse fingindo seu choque e perplexidade.
Talvez ele fosse realmente o assassino.
A possibilidade lembrou Ruhl do velho clichê…
"O mordomo é o culpado."
A ideia podia até ser engraçada em diferentes circunstâncias.
Mas certamente não naquele momento.
Ruhl pensou rápido, tentando decidir que perguntas fazer ao homem.
Ele disse, "Tem mais alguém na casa?"
O mordomo respondeu com uma voz monótona, “Apenas as criadas internas. Seis ao todo, além de mim, três homens e três mulheres. Certamente você não acha…?”
Ruhl não sabia o que pensar, pelo menos não ainda.
Perguntou ao mordomo, “É possível que mais alguém esteja na casa em algum lugar? Um intruso, talvez?”
O mordomo abanou a cabeça.
"Não vejo como" Disse ele. "Nosso sistema de segurança é dos melhores."
Isso não é um não, Pensou Ruhl. De repente, ele se sentiu bastante alarmado.
Se o assassino era um intruso, ainda poderia estar em algum lugar da casa?
Ou poderia estar escapando naquele exato momento?
Então Ruhl ouviu Petrie falando no microfone, dando instruções a alguém sobre como encontrar o quarto na enorme mansão.
Poucos segundos depois, o quarto estava cheio de policiais. Entre eles estava o chefe Elmo Stiles, um homem volumoso e imponente. Ruhl também ficou surpreso ao ver o Procurador Distrital, Seth Musil.
O normalmente suave e polido PD parecia desalinhado e desorientado, como se tivesse acabado de sair da cama. Ruhl imaginou que o chefe havia entrado em contato com o Procurador, assim que ouvira as notícias, depois pegara-o e trouxera-o até ali.
O Procurador arquejou de horror pelo que viu e correu em direção à mulher.
"Morgan!" Disse.
"Olá, Seth" Disse a mulher, como se agradavelmente surpresa por sua chegada. Ruhl não ficou especialmente surpreso por Morgan Farrell e um político de alto escalão como o PD se conhecerem. A mulher ainda não parecia estar ciente de muita coisa que estava acontecendo ao seu redor.
Sorrindo, a mulher disse a Musil, “Bem, suponho que é óbvio o que aconteceu. E tenho certeza que você não está surpreso que…”
Musil interrompeu apressadamente.
“Não, Morgan. Não diga nada. Ainda não. Não até estarmos na presença de um advogado.”
O sargento Petrie já estava organizando as pessoas no quarto.
Disse ao mordomo, "Indique-lhes a disposição da casa, cada canto e recanto".
Então disse aos policiais, “Quero que procurem algum intruso ou qualquer sinal de invasão. E falem com a equipa de criados, certifiquem-se de que têm álibis para as últimas horas.”
Os policiais se reuniram em volta do mordomo que agora estava de pé. O mordomo lhes deu instruções e os policiais saíram do quarto. Sem saber mais o que fazer, Ruhl ficou ao lado do sargento Petrie, olhando para a cena horrenda. O Procurador agora estava de pé como que protegendo a mulher sorridente e salpicada de sangue.
Ruhl ainda estava lutando para aceitar o que estava vendo. Lembrou a si mesmo que esse era seu primeiro homicídio. Se perguntou…
Alguma vez estarei envolvido em um tão estranho quanto esse?
Também esperava que os policiais que procuravam na casa não retornassem de mãos vazias. Talvez eles voltassem com o verdadeiro culpado. Ruhl não suportava a idéia de que essa mulher delicada e adorável fosse realmente capaz de matar.
Longos minutos se passaram antes que os policiais e o mordomo retornassem.
Disseram que não tinham encontrado nenhum intruso ou qualquer sinal de que alguém invadira a casa. Encontraram o pessoal que estava no local dormindo em suas camas e não tinham motivos para pensar que algum deles fosse responsável.
O médico legista e sua equipe chegaram e começaram a tratar do corpo. O enorme quarto estava muito cheio agora. Finalmente, a mulher manchada de sangue parecia estar ciente da agitação em seu redor.
Ela se levantou da cadeira e disse ao mordomo, “Maurice, onde estão suas maneiras? Pergunte a essas pessoas boas se gostariam de comer ou beber alguma coisa.”
Petrie caminhou em direção a ela, pegando suas algemas.
Ele lhe disse, "Isso é muito gentil da sua parte, mas não será necessário."
Então, num tom extremamente educado e atencioso, começou a ler os direitos de Morgan Farrell.
CAPÍTULO QUATRO
Riley não pôde deixar de se preocupar enquanto a sessão do tribunal se desenrolava.
Até ao momento, tudo parecia estar a correr bem. A própria Riley tinha testemunhado sobre o lar que estava a criar para Jilly, e Bonnie e Arnold Flaxman tinham testemunhado sobre a necessidade absoluta de Jilly ter uma família estável.
Mesmo assim, Riley sentiu-se desconfortável com o pai de Jilly, Albert Scarlatti.
Nunca tinha visto o homem antes daquele dia. A julgar pelo que Jilly lhe contara sobre ele, imaginara um ogre grotesco.
Mas a sua aparência real a surpreendeu.
Seu outrora cabelo preto estava fortemente manchado de cinza e suas feições escuras estavam, como ela esperava, devastadas por anos de alcoolismo. Mesmo assim, parecia perfeitamente sóbrio naquele momento. Estava bem vestido, mas não de forma dispendiosa, e era gentil e agradável com todos com quem conversava.
Riley também se perguntou sobre a mulher sentada ao lado de Scarlatti segurando a sua mão. Também parecia ter vivido uma vida difícil. De outra forma, sua expressão era difícil para Riley decifrar.
Quem é ela? Riley se perguntou.
Tudo o que Riley sabia sobre a esposa de Scarlatti e a mãe de Jilly era que tinha desaparecido há muitos anos atrás. Scarlatti costumava dizer a Jilly que provavelmente morrera.
Não poderia ser ela depois de todos esses anos. Jilly não mostrara nenhum sinal de conhecer essa mulher. Então quem era ela?
Agora era hora de Jilly falar.
Riley apertou a mão de Jilly tranquilizadoramente e a jovem adolescente se preparou para testemunhar.
Jilly parecia pequena na grande cadeira de testemunhas. Seus olhos percorreram nervosamente o tribunal, olhando para o juiz, depois estabelecendo contato visual com o pai.
O homem sorriu com o que parecia ser uma sincera afeição, mas Jilly rapidamente desviou o olhar.
O advogado de Riley, Delbert Kaul, perguntou a Jilly como ela se sentia a respeito da adoção.
Riley podia ver todo o corpo de Jilly tremer de emoção.
"É o que eu mais quero na vida" Disse Jilly com uma voz instável. "Eu tenho sido tão, tão feliz vivendo com a minha mamãe…"
"Você quer dizer com a senhora Paige" Kaul disse, gentilmente interrompendo.
"Bem, ela é minha mamãe agora e é como eu a chamo. E a filha dela, April, é minha irmã mais velha. Até começar a viver com elas, não fazia ideia do que seria – ter uma família de verdade para me amar e cuidar de mim.”
Jilly parecia estar contendo as lágrimas heroicamente.
Riley não tinha a certeza de que seria capaz de fazer o mesmo.
Então Kaul perguntou, "Você pode contar ao juiz um pouco sobre como era viver com seu pai?"
Jilly olhou para o pai.
Então olhou para o juiz e disse, "Foi horrível".
Disse ao tribunal o que dissera a Riley no dia anterior – como seu pai a trancara em um armário durante dias. Riley estremeceu quando ouviu a história mais uma vez. A maioria das pessoas no tribunal parecia profundamente afetada com aquele relato. Até o pai de Jilly baixou a cabeça.
Quando terminou, Jilly estava lavadae em lágrimas.
“Até minha nova mãe entrar na minha vida, todos que eu amava acabaram por me deixar. Não suportavam viver com o pai porque ele era tão ruim para eles. Minha mãe, meu irmão mais velho – até meu cachorrinho, Darby, fugiu.
A garganta de Riley se contraiu. Ela se lembrou de Jilly chorando quando falara do cachorrimho que tinha perdido há muitos meses atrás. Jilly ainda se preocupava com o que tinha acontecido com Darby.
"Por favor" Disse ela ao juiz. "Por favor, não me envie de volta para isso. Estou muito feliz com minha nova família. Não me leve para longe deles.”
Jilly então sentou-se novamente ao lado de Riley.
Riley apertou a mão dela e sussurrou, “Você esteve muito bem. Estou orgulhosa de você."
Jilly assentiu e enxugou as lágrimas.
Em seguida, o advogado de Riley, Delbert Kaul, apresentou ao juiz todos os documentos necessários para finalizar a adoção. Ele estava enfatizando especialmente o formulário de consentimento assinado pelo pai de Jilly.
Tanto quanto Riley poderia dizer, Kaul estava fazendo um trabalho razoavelmente completo com a apresentação. Mas sua voz e seus modos eram pouco inspiradores, e o juiz, um homem robusto e carrancudo, com olhos pequenos e redondos, não parecia nada impressionado.
Por um momento, a mente de Riley voltou ao telefonema bizarro que recebera no dia anterior de Morgan Farrell. Claro que Riley entrou em contato com a polícia em Atlanta imediatamente. Se o que a mulher dissera fosse verdade, então certamente ela já estaria sob custódia. Riley não pôde deixar de imaginar o que realmente acontecera.
Seria realmente possível que a frágil mulher que conhecera em Atlanta tivesse cometido um homicídio?
Não é hora de pensar em tudo isso, lembrou a si mesma.
Quando Kaul terminou sua apresentação, o advogado de Scarlatti se levantou.
Jolene Paget era uma mulher de trinta e poucos anos, cujos lábios pareciam ter um leve mas constante sorriso.
Ela disse ao advogado, "Meu cliente deseja contestar essa adoção".
O juiz assentiu e rosnou, “Eu sei que sim senhora Paget. É melhor que seu cliente tenha um bom motivo para querer mudar sua própria decisão.”
Riley imediatamente percebeu que, ao contrário de seu próprio advogado, Paget não precisava de notas. Também ao contrário de Kaul, sua voz e comportamento exalavam autoconfiança.
Ela disse, “Sr. Scarlatti tem uma boa razão, Meritíssimo. Ele deu seu consentimento sob coação. Ele estava passando por um momento especialmente difícil e não tinha um emprego. E sim, ele estava bebendo naquela época. E estava deprimido.”
Paget acenou com a cabeça na direção de Brenda Fitch, que também estava sentada no tribunal, e acrescentou, “Ele foi vítima fácil da pressão do pessoal dos serviços sociais, especialmente dessa mulher. Brenda Fitch ameaçou acusá-lo de crimes e delitos inteiramente inventados.”
Brenda soltou um suspiro de indignação. Disse a Paget, "Isso não é verdade e você sabe disso."
O sorriso de Paget se alargou quando disse, "Meritíssimo, poderia impedir a senhora Fitch de interromper?"
"Por favor, silêncio, senhora Fitch" Disse o juiz.
Paget acrescentou, "Meu cliente também deseja acusar a senhora Paige de sequestro – com a Sra. Fitch como cúmplice".
Brenda soltou um gemido audível de desgosto, mas Riley se forçou a ficar quieta. Ela sabia que Paget iria seguir esse caminho.
O juiz disse, “Senhora Paget, não apresentou quaiquer provas de sequestro. Quanto às ameaças e coação que mencionou, não ofereceu nenhuma prova ou evidência de sua concretização. Não disse nada que me convencesse de que o consentimento inicial do seu cliente não deveria permanecer."
Então Albert Scarlatti levantou-se.
"Posso dizer algumas palavras em meu nome, Meritíssimo?" Implorou.
Quando o juiz assentiu, Riley ficou preocupada.
Scarlatti baixou a cabeça e falou em voz baixa e calma.
“O que Jilly lhe contou agora sobre o que eu fiz com ela… sei que parece horrível. E Jilly, sinto muito por isso. Mas a verdade é que não é exatamente assim que aconteceu.”
Riley teve que se impedir para não o interromper. Ela tinha certeza de que Jilly não mentira.
Albert Scarlatti riu um pouco tristemente. Um sorriso caloroso se espalhou por suas feições desgastadas.
“Jilly, com certeza você vai admitir que tem sido difícil de criar. Você pode ser um desafio, filhinha. Você tem um temperamento especial e às vezes fica completamente fora de controle, e eu não sabia o que fazer naquele dia. Do jeito que eu me lembro, eu estava simplesmente desesperado quando te coloquei naquele armário.”